Karla Borges

Economia

Professora de Direito Tributário, graduada em Administração de Empresas (UFBA) e Direito (FDJ) ,Pós-Graduada em Administração Tributária (UEFS), Direito Tributário, Direito Tributário Municipal (UFBA), Economia Tributária (George Washington University) e Especialista em Cadastro pelo Instituto de Estudios Fiscales de Madrid.

As “Travas” que travam

Um dos aspectos mais polêmicos da nova lei do IPTU de Salvador diz respeito as travas impostas pela Lei 8473/13 no seu artigo 4º no valor do imposto das unidades imobiliárias, incidindo inclusive, nos terrenos até dois mil metros quadrados. E é exatamente nesse ponto que reside a violação maior à Constituição Federal (CF), ferindo frontalmente o princípio da isonomia, concedendo tratamento diferenciado a contribuintes em situações semelhantes.

Deve-se deixar claro que essa metodologia criada pela cidade de Salvador não fora utilizada nas demais leis existentes no país, fato que distingue a ação impetrada pela OAB-BA dos demais litígios envolvendo outras municipalidades. A referida lei que aprovou também os valores unitários padrão (VUP) de terreno e de construção para efeito de apuração do valor venal dos imóveis e lançamento do imposto baseou-se num sistema confuso e em critérios técnicos pouco transparentes.

A tão citada Emenda Constitucional 29/2000 permitiu a progressividade do IPTU em razão do valor venal do imóvel e a diferenciação de alíquotas de acordo com a localização e o seu uso. É cediço que a Lei 8464/13 modificou a progressividade do imposto de acordo com os ditames da emenda e não mais em relação ao padrão construtivo: precário, simples, médio, bom, luxo e alto luxo, como era anteriormente. Entretanto, pecou ao estabelecer uma nova progressividade não prevista na Carta Magna ao impor travas no valor do imposto dos terrenos da cidade, tendo em vista as suas áreas e ao liberar a tributação naquelas, cuja extensão esteja acima de dois mil metros quadrados.

Utilizar-se de uma forma de tributar mais pesada para que os imóveis atendam a função social da propriedade é por demais salutar e é aconselhável que se faça. Todavia, o grande erro foi a maneira usada pela municipalidade soteropolitana para fincar os limites das travas. Impôs que a partir do exercício de 2014 o valor do IPTU devido não poderia ser superior a 1,5 2 ou 3 vezes, do valor do IPTU no exercício anterior para as unidades imobiliárias não edificadas com áreas de terreno de até 300 m², 1000 m² e 2000 m², respectivamente, bem como para as áreas excedentes de terreno.

Sendo assim, terrenos exatamente iguais com as mesmas características geográficas, situados na mesma região podem ter uma diferença de imposto de mais de mil por cento pelo simples fato de um possuir uma área superior a dois mil metros quadrados e o outro ter, por exemplo, 1999 m². Tal situação não contraria o disposto na Constituição Federal Brasileira? Deve-se dar tratamento semelhante a contribuintes com situações similares e a desproporcionalidade imputada pela trava nesse caso é no mínimo “irrazoável”.

Qual seria a natureza jurídica das travas? Do ponto de vista do Direito Tributário poder-se-ia considerá-la um benefício fiscal, afinal o sujeito ativo estaria concedendo abatimentos no valor do imposto a ser pago, restringindo os efeitos do enorme aumento. Remissão não seria, pois há necessidade da constituição prévia do crédito, fato que não ocorreu (a não ser com a “taxa de lixo”). Isenção, talvez, seja o que mais se aproxima.

Considerando-se a trava uma espécie de isenção, jamais poderia ter sido aprovada na mesma lei da Planta Genérica de Valores, pois o artigo 150, § 6º da CF reza que “qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, anistia ou remissão, relativos a impostos, taxas ou contribuições, só poderá ser concedido mediante lei específica federal, estadual ou municipal que regule exclusivamente as matérias ou o correspondente tributo”.

É óbvio que aquele que tem um grande terreno em área nobre é possuidor de capacidade contributiva para suportar o ônus da sua tributação, uma vez que por ser o IPTU um imposto real, e não pessoal, presume-se que, quem tem um imóvel mais caro é porque tem capacidade econômica para pagar o imposto cobrado. Contudo essa premissa não pode ser condicionante para que a Fazenda Municipal pretenda determinar um tributo com efeito confiscatório, levando o contribuinte a ter que se desfazer do bem por não poder honrar o débito tributário.

Desta forma, percebe-se que o emaranhado de leis, decretos e instruções normativas de Salvador são absolutamente contraditórios entre si, vide o Decreto 24.193/13 que delimitou as áreas do território do município de acordo com a renda per capita preponderante, estabelecendo fatores de correção e ferindo a natureza real do tributo. Se as travas previstas limitassem o valor do IPTU de maneira uníssona para todos os contribuintes, obedecendo ao princípio da igualdade, talvez elas não estivessem travando a lei e impedindo a sua aplicação.

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