23 novembro 2024
Economista do Ministério da Economia. Mestre em Economia e Doutor em Administração Pública pela UFBA. Autor de diversos trabalhos acadêmicos e científicos, dentre eles o livro Política, Economia e Questões Raciais publicado - A Conjuntura e os Pontos Fora da Curva, 2014 a 2016 (2017) e Dialogando com Celso Furtado - Ensaios Sobre a Questão da Mão de Obra, O Subdesenvolvimento e as Desigualdades Raciais na Formação Econômica do Brasil (2019). Foi Secretário Estadual de Promoção da Igualdade Racial (Sepromi) e Diretor-presidente da Companhia de Processamento de Dados do Estado da Bahia (Prodeb), Subsecretário Municipal da Secretaria da Reparação de Salvador (Semur), Pesquisador Visitante do Departamento de Planejamento Urbano da Luskin Escola de Negócios Públicos da Universidade da Califó ;rnia em Los Angeles (UCLA), Professor Visitante do Mestrado em Políticas Públicas, Gestão do Conhecimento e Desenvolvimento Regional da Universidade do Estado da Bahia (Uneb). Professor, Coordenador do Curso de Ciências Econômicas e de Pesquisa e Pós-Graduação do Instituto de Educação Superior Unyahna de Salvador.
Brasil mostra tua cara: sou Olodum quem tú és? O Recôncavo é afrodescendente! Oxum – a Dona do Colar de Ouro. São esses os temas de carnaval de três dos mais importantes Blocos Afros de Salvador. Mais uma vez, o Olodum, o Ilê Aiyê e o Cortejo Afro vão para a avenida demonstrar, pedagogicamente, o que faz o carnaval de Salvador algo diferente e de conteúdo inesgotável por que levam para avenida a realidade histórica e do cotidiano que fazem o Brasil e a Bahia serem o que são antes, durante e depois desse curto espaço de folia.
São as agremiações de matrizes africanas – dos Blocos de Samba até os pequenos Afoxés – que fornecem a matéria prima o nosso carnaval, desde sempre, mesmo sem os mesmos apoios institucionais e financeiros do setor público e, principalmente, do setor privado. É muito grave observar que mesmo com o governo municipal, vendendo os espaços públicos de forma cínica, os capitalistas tupiniquins e “baianiquins” sequer reconhecem os associados e foliões negros dessas agremiações, como uma categoria de consumidores que tenham alguma representatividade econômica, uma vez que não patrocinam os “blocos de pretos”!
Obviamente que não estamos esquecendo os pontuais apoios recebidos e muito menos querendo desqualificar o sem numero de intervenções artísticas, musicais e performáticas que surgem das mais diversas camadas da nossa sociedade, de todos os cantos do Estado, durante o reinado de Momo, fazendo de nossa festa o maior caldeirão de diversidade cultural do Brasil. No entanto, não podemos deixar de registrar com a devida ênfase é que o moderno carnaval de Salvador, tem como principal elemento amalgamador de suas diferentes tendências, os ritmos, as danças, o vocabulário e o saber ser e o saber fazer dos bairros mais negros dada cidade.
Se não fossem os “crioulos doídos bem legais” do Curuzu, na década de 70, a colocar essa questão no carnaval de forma brilhante e inequívoca, chamando a atenção para os brancos e para toda a cidade que se eles bem soubessem “o valor que o preto tem”, tomavam banho de piche para virar preto também, o processo de apropriação espúria de todo o conteúdo artístico, cultural e principalmente musical dessas entidades continuaria exacerbadamente predatório, como o fora, desde que o samba foi sendo paulatinamente abduzido por personagens e grupos que conheciam as favelas apenas de se ouvir falar.
Para além do Afro do Curuzu, não se pode deixar de apontar a demonstração de superação social e econômica do Maciel-Pelourinho, comunidade “marginal” da cidade, que produziu o Olodum, a maior Banda Percussiva do Planeta, cujo trabalho, nos últimos 37 anos têm sido conhecidos e reconhecidos como a maior representante do carnaval da Bahia, em termos nacionais e internacionais, pela inovação e qualidade do som que repercute a partir da sua magnifica banda. Registre-se, que a marca do Olodum é uma das mais conhecidas do mundo.
Mais recentemente, a novidade desses Blocos Afros tem sido a ênfase na estética como elemento de disseminação do discurso afro referente no carnaval. A rigor, a estética afro, em seu sentido mais amplo, é uma das características mais marcantes de todas as entidades carnavalescas de matrizes africanas, historicamente. No entanto, tem sido o Cortejo Afro do Bairro de Pirajá, aquele que mais investe energia, criatividade e, obviamente, recursos para chamar para o centro de suas intervenções no carnaval e fora dela, a forma, como elemento representativo e de destaque do conteúdo de sua mensagem para o mundo. Sendo dirigido por um dos mais importantes artistas plásticos da cidade, os temas do Cortejo, são construídos e revelados ao público a partir das diversas dimensões da estética.
Por isso, quando o Olodum fala do Brasil contemporâneo, suas crises e oportunidades; O Ilê re-enfatiza a identidade negra do Recôncavo e o Cortejo trabalha com um dos mais queridos símbolos religiosos do candomblé para a avenida, Oxum, eles estão, em verdade, trazendo a representação real da Bahia e do Brasil que deve ser vista com mais acuidade, por aqueles que se propõe a dirigir os destinos de nosso país, nos três níveis de governo, e nos diversos poderes institucionais que conformam o arranjo do exercício do poder. As imagens, os sons e o movimento dessas organizações e seus seguidores não são apenas “panos bonitos”, “batidas de tambor” e coreografias. São mensagens políticas identitária de profundo valor simbólico, para aqueles que são capazes de ver para além da obviedade de seus interesses próprios.
O fosso que existe entre o mundo real, representados pelo trabalho dessas e outras entidades, e os modelos mentais sobre o qual as autoridades constituídas, instituições e organizações operam as suas ações é muito profundo e, no carnaval é o momento que ele se expõe mais visivelmente devido a exposição pública das preferencias e das prioridades que são dadas desde a garantia dos espaços para a festa, até e, principalmente, para a repartição dos recursos públicos e privados entre os diversos atores que constroem a folia.
Não nos parece razoável, sob qualquer ponto de vista, o gasto de dinheiro público no patrocínio de atrações carnavalescas individuais que já possuem astronômicos apoios financeiros das grandes empresas do país, durante todo o ano, em detrimento a entidades que fazem o carnaval independente da moda e dos modismos!
Nos parece que a ilusão de classe que tem acometido muitos dos nossos governantes que encharcam as suas respectivas estruturas de governo com representantes de projetos políticos antagônicos aos que são defendidos por eles próprios, também interferem na decisão de quem deverá ser patrocinado e qual o valor monetário disso. Infelizmente, esse é um dos maiores autoenganos que temos o desprazer de verificar, a cada dia, mais recorrentemente.
Nesse sentido, é triste observar que muitos dos gestores da cultura e do entretenimento da Bahia e de Salvador, ainda não se deram conta, por exemplo, estrelas da chamada axé music nada mais são do subprodutos – em muitos casos de muita qualidade, diga-se de passagem – do que é produzido pela periferia da cidade, pelas manifestações culturais de matrizes africanas, que são “empacotas” pelos blocos afros, de samba e dos afoxés num processo produtivo e criativo que perpassa todo o ano, há mais de meio século. Essa é a verdadeira fonte da riqueza e diversidade de nosso carnaval e para elas devem ser direcionadas prioritariamente as atenções institucionais. Ou seja, é culturalmente muito importante termos, de um lado, o nosso querido Bloco de Samba Alvorada, indo para avenida homenageando os 100 anos do Terreiro Bate Folha e de outro dançar com o É o Tchan, botando a “cara preta” pro Sol!