Karla Borges

Economia

Professora de Direito Tributário, graduada em Administração de Empresas (UFBA) e Direito (FDJ) ,Pós-Graduada em Administração Tributária (UEFS), Direito Tributário, Direito Tributário Municipal (UFBA), Economia Tributária (George Washington University) e Especialista em Cadastro pelo Instituto de Estudios Fiscales de Madrid.

Cobrança pelo uso do espaço público

Causou enorme polêmica à população soteropolitana a aprovação do Projeto de Lei 72/15 pela Câmara de Vereadores, que disciplina a exploração de atividades físicas nos logradouros públicos, praias, praças e parques do Município de Salvador. As pessoas jurídicas deverão cumprir uma série de normas estabelecidas pelo Conselho Regional de Educação Física e pela Secretaria Municipal de Ordem Pública, do contrário pagarão uma multa no valor de R$ 714,65, permanecendo livre o exercício praticado por pessoa física ou em grupos. Treinamento funcional, clubes de corrida, mahamudra, assim como a locação de equipamentos para essas práticas estarão condicionadas à autorização de funcionamento, quando será permitida à mesma pessoa jurídica a obtenção de licença em mais de um logradouro público.

O artigo 20 da Constituição Federal (CF) define as praias dentre os bens pertencentes à União. A Lei 7661/88 que institui o Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro (PNGC) dispõe no artigo 10 que as praias são bens públicos de uso comum do povo, sendo assegurado, sempre, livre e franco acesso a elas e ao mar, em qualquer direção e sentido. Conclui-se, portanto, que bens de uso comum ou de domínio público são aqueles que beneficiam a coletividade, podendo ser utilizado por qualquer pessoa sem restrição, não sendo permitida a urbanização ou qualquer forma de utilização do solo na zona costeira que impeça ou dificulte o acesso.

Coube ao Decreto 5300/04 regulamentar a lei do PNGC, estabelecendo no parágrafo primeiro do artigo 21 que o poder público municipal, em conjunto com órgão ambiental, assegurará no âmbito do planejamento urbano o acesso às praias e ao mar. Ainda que as praias não pertençam ao município, compete a ele regular a exploração de atividade econômica quanto às normas de uso e ordenamento do solo, assim como fiscalizar as atividades nos demais espaços públicos de sua propriedade.

O artigo 30 da CF reza que compete aos Municípios legislar sobre assuntos de interesse local; promover, no que couber adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano. O artigo 182 estabelece que a política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes.

A Lei Orgânica de Salvador, por sua vez, determina no seu artigo 14 que o Município poderá conceder direito real de uso de seus bens imóveis, mediante prévia avaliação, autorização legislativa e processo licitatório. A concessão de direito real de uso mediante remuneração ou imposição de encargo, terá por objeto, apenas, terrenos para fins específicos de urbanização, edificação, cultivo de terra ou outra utilização de interesse manifestamente social.

Quando o projeto de lei permite que a iniciativa privada ocupe uma parte de um bem comum, presume-se de imediato que será cobrado um preço público pela utilização do espaço público de domínio municipal diante da exploração de uma atividade econômica. Por outro lado, quando condiciona a prática de atividades físicas a existência de uma licença, o exercício do poder de polícia municipal poderá ensejar a cobrança de uma taxa a pessoas jurídicas. Já existe, inclusive, previsão no Código Tributário e de Rendas do Município do Salvador para a cobrança da Taxa de Licença para Exploração de Atividades em Logradouros Públicos – TLP no inciso VI do artigo 145, tratando-se de atividades recreativas e esportivas, inclusive as realizadas nas praias. Ademais, o fato de haver uma prestação de serviço remunerado dentro dos limites territoriais do ente municipal culminará também na cobrança do Imposto sobre Serviços – ISS.

A natureza jurídica da cobrança efetuada pelo poder público municipal pela utilização do solo, subsolo e espaço aéreo é um dos temas mais polêmicos da doutrina e jurisprudências pátrias. A maioria dos estudiosos entendem que a remuneração recebida pela ocupação de logradouro público não tem natureza tributária, qualificando-se como preço por ser uma contrapartida pela utilização da área. Existem vários recursos extraordinários e agravos de instrumento no Supremo Tribunal Federal (STF), que ainda decidirá se os municípios podem cobrar pelo uso do espaço público por empresas. Em 2010, o seu plenário decidiu, por unanimidade, que as prefeituras não poderiam exigir “retribuição pecuniária” pelo uso de solo, subsolo e espaço aéreo.

Poder-se-ia invocar o direito constitucional de todos a ir e vir (art.5º, inciso XV, da CF) e, consequentemente, de circular livremente pelos “bens de uso comum do povo”, como ruas, praças, praias; Sustentar que a lei poderá causar prejuízo à população, uma vez que a coletividade certamente será privada de utilizar a área licenciada; Alegar ainda que caso a autorização da licença prevista não seja precedida de licitação violaria a lei orgânica do município e os próprios princípios do direito administrativo, afinal um exclusivo interesse particular afrontaria o direito que outros teriam de concorrer ao bem.

Todavia, o uso de bens municipais pela iniciativa privada pode ser feito mediante concessão, permissão ou autorização, conforme o caso e o interesse público. A disciplina do uso do espaço público permitida pelos diversos institutos do direito administrativo pode ser benéfica para o Município, diante da constatação da exploração de atividades econômicas por pessoas jurídicas sem o devido ressarcimento ao erário pelo uso do bem público. Há, entretanto, que cuidar-se da sua abrangência, sob pena de que seu uso indiscriminado não venha a inviabilizar a utilização da coletividade, além de ter extremo cuidado com o texto da lei a fim de evitar arguições de futuras ilegalidades ou inconstitucionalidades.

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