27 novembro 2024
Professora de Direito Tributário, graduada em Administração de Empresas (UFBA) e Direito (FDJ) ,Pós-Graduada em Administração Tributária (UEFS), Direito Tributário, Direito Tributário Municipal (UFBA), Economia Tributária (George Washington University) e Especialista em Cadastro pelo Instituto de Estudios Fiscales de Madrid.
Não se trata de boicotar o maior evento mundial que acontecerá nos próximos dias em nosso país, mas o desencanto tomou conta de boa parte dos brasileiros. Como festejar os gols de Neymar e Fred, sabendo que milhares de crianças estão fora das escolas e que os doentes estão desassistidos em virtude das péssimas condições dos hospitais públicos? Como dissociar o futebol, a nossa grande paixão, da realidade caótica que vive o Brasil e da total falta de estrutura para abarcar uma festa desse porte?
Não se trata de pessimismo, ou falta de patriotismo, mas o povo perdeu a força de reverter situações desfavoráveis em momentos especiais. Não é à toa que se comenta que em 1985, o então Presidente da República respondeu aoJoão Havelange (FIFA) quando ele ofereceu a Copa do Mundo ao Brasil: “Você conhece uma favela do Rio de Janeiro? Você já viu a seca do nordeste? E você acha que eu vou gastar dinheiro com estádio de futebol? ”.
Por que tanto empenho não foi utilizado para melhorar a estrutura das escolas e a remuneração dos professores? Por que não foi feito igual esforço para aparelhar a saúde pública? Por que não se trabalhou com investimentos permanentes na mobilidade urbana, dotando também a população de um transporte de qualidade? Nada contra os estádios, uma vez que o futebol sempre foi a alegria do povo, mas é preciso, ao menos, que ele sobreviva com dignidade para poder usufruir desses momentos.
Não há revolta em relação a construção dos majestosos campos de futebol, há um profundo desapontamento, pois nunca se fez tamanho investimento nas áreas prioritárias as quais a população tanto necessita. A preocupação reside, sobretudo, nos elevados gastos realizados e nos supostos superfaturamentos de algumas obras. A corrupção está arraigada nas mínimas ações propostas. Parece que tudo gira em torno de vantagens espúrias auferidas com a justificativa de que é para a Copa e tem que ser feito de qualquer maneira.
A união sempre foi a tônica de nós brasileiros, mas certamente não será o cenário a ser vivido pelos turistas que nos visitarão. O sofrimento de alguns fará muitos ignorarem que a Copa está sendo realizada aqui, afinal quantos perderam as suas moradias e estão agora desabrigados, tendo sido expulsos dos seus espaços para cedê-los às novas construções?
Violência, jamais. Indignação, sim. O famoso legado da Copa é imaginário. Nem tudo que foi proposto foi cumprido. Imaginem se será concluído após o término da competição ou se ficaremos com mais obras inacabadas e com um país carente de recursos para atender às necessidades básicas da população. É uma pena que a ilusão tenha dado lugar à razão. Vai ser difícil vestir verde e amarelo e torcer pelos nossos atletas diante de uma perspectiva tão negativa.
Lamentável constatar como a diretora do Comitê Organizador Local (COL) da Copa posta na rede social: “Não vou torcer contra, até porque o que tinha que ser gasto, roubado, já foi. Se fosse para protestar, que tivesse sido feito antes. ” Será que ela acredita ser a corrupção algo normal? Que esse episódio alerte todos os amantes da pátria para cobrar dos governos a apuração de eventuais desvios de verbas públicas, assim como pronunciamentos dessa natureza, aplicando rigorosas punições.
Parabéns ao Ministério Público do Estado da Bahia que conseguiu judicialmente impedir a utilização de recursos públicos em festas que venham a ser realizadas durante a Copa do Mundo. No mínimo uma enorme preocupação em preservar o erário municipal já tão combalido. Que ações semelhantes sejam seguidas pelos diversos órgãos fiscalizadores a fim de que os gastos possam ser aplicados em benefício da população, afinal a verdadeira Copa é a da Saúde, da Educação, do Saneamento Básico, da Segurança e por essas temos que lutar verdadeiramente para sermos vitoriosos.