Adriano Peixoto

Relações de Trabalho

Adriano de Lemos Alves Peixoto é PHD, administrador e psicólogo, mestre em Administração pela UFBA e Doutor em Psicologia pelo Instituto de Psicologia do Trabalho da Universidade de Sheffiel (Inglaterra). Atualmente é pesquisador de pós-doutorado associado ao Instituto de Psicologia da UFBA e escreve para o Política Livre às quintas-feiras.

Dura lex, sed latex

Acho que o legado mais significativo das democracias ocidentais para o mundo é o chamado Estado de Direito. Gosto, particularmente, da expressão inglesa, que considero mais bonita, já que exprime mais diretamente o significado desta forma de organização da vida social, Rule of Law (governo da lei). Fundamentalmente o conceito explicita que existem limites de ação e atuação de indivíduos e instituições ao sujeitar todos às leis, inclusive os legisladores e governantes, em franca oposição ao arbítrio, à ditadura, a autocracia. Na modernidade, a própria ideia de cidadania (a possibilidade de participação no coletivo baseada na lei) se assenta sobre os fundamentos do Estado de Direito.

Juristas tendem a tratar a questão do Estado de Direito a partir de suas perspectivas formais ou substantivas, entretanto, como minha formação é em Psicologia, prefiro focar a questão a partir da percepção ou da crença dos diferentes indivíduos e grupos sociais sobre a igualdade perante a lei e as consequências destas percepções e crenças sobre o comportamento social.

Na minha perspectiva, o sucesso do Estado de Direito não reside apenas na existência de um aparato judiciário e policial capaz de fazer a lei prevalecer e/ou de dirimir conflitos, já que a maior parte dos comportamentos humanos ocorrem em situações onda a capacidade do Estado de atuar e intervir prontamente é bastante limitada. O Estado de Direito é uma construção social, coletiva que se baseia em duas crenças fundamentais: a de que os benefícios de seguir a lei superam os custos associados ao seu descumprimento; e na percepção de que a Lei vale para todos igualmente. Ou seja, em última análise, o Estado de Direito existe porque as pessoas acreditam nele.

De minha parte, confesso que tem sido cada vez mais difícil sustentar este tipo de crença. Cada vez que olho ao meu redor cresce a desesperança. O caso do juiz que se dispôs tão diligentemente “a cuidar” do Porche de Eike Batista é emblemático da situação atual. Sua excelência (!?!?) mudou de versão várias vezes a medida em que a impressa mostrava “inconsistência” em suas declarações, sugerindo que ele usou do cargo público em benefício próprio. O que irá acontecer com esse Sr.? Caso sua conduta seja considerada grave (e se a pressão pela condenação for forte o suficiente para superar o corporativismo de seus pares), ele será premiado com a aposentadoria compulsória gozando da plenitude de seus vencimentos (aos aposentados comuns resta o fator previdenciário…)! Mas por que, sua excelência, o sr. “Dotô” Juiz Federal agiu dessa forma? Certamente baseado na convicção de que ele podia agir assim e de que nada lhe aconteceria.

Este não é um caso isolado, o autoritarismo e a crença de estar acima das leis parece ser um ranço social que acompanha a maioria daqueles que estão em alguma posição de poder. Apenas para mantermos os exemplos no âmbito do judiciário, lembro o caso do juiz que deu voz de prisão aos funcionários de uma companhia aérea porque ele chegou atrasado e não queria perder o voo; ou ainda, do outro juiz que prendeu a agente de transito que o flagrou na blitz da lei seca. Se esse é o padrão do comportamento de suas excelências em público, o que não acontece quando se fecham as portas dos gabinetes?

Esse tipo de atitude perante as leis e as regras se espalha pela sociedade como um câncer gerando uma infinidade de tiranetes ao mesmo tempo em que espalha a descrença, o pessimismo e a anomia. Do político que recebeu propina, fruto de corrupção e desvio do dinheiro público, ao síndico do condomínio que acha que pode tudo, o comportamento é o mesmo: todos tem uma boa desculpa para descumprir e não se submeter ao Governo da Lei.

Assim, fico com a impressão de que essa conversa de que a Lei é dura, mas é lei, só vale para os inimigos, para os amigos, a lei é dura, mas estica. E o Estado de Direito? Há, há, há, há….

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