Elias de Oliveira Sampaio

Políticas Públicas

Economista do Ministério da Economia. Mestre em Economia e Doutor em Administração Pública pela UFBA. Autor de diversos trabalhos acadêmicos e científicos, dentre eles o livro Política, Economia e Questões Raciais publicado - A Conjuntura e os Pontos Fora da Curva, 2014 a 2016 (2017) e Dialogando com Celso Furtado - Ensaios Sobre a Questão da Mão de Obra, O Subdesenvolvimento e as Desigualdades Raciais na Formação Econômica do Brasil (2019). Foi Secretário Estadual de Promoção da Igualdade Racial (Sepromi) e Diretor-presidente da Companhia de Processamento de Dados do Estado da Bahia (Prodeb), Subsecretário Municipal da Secretaria da Reparação de Salvador (Semur), Pesquisador Visitante do Departamento de Planejamento Urbano da Luskin Escola de Negócios Públicos da Universidade da Califó ;rnia em Los Angeles (UCLA), Professor Visitante do Mestrado em Políticas Públicas, Gestão do Conhecimento e Desenvolvimento Regional da Universidade do Estado da Bahia (Uneb). Professor, Coordenador do Curso de Ciências Econômicas e de Pesquisa e Pós-Graduação do Instituto de Educação Superior Unyahna de Salvador.

E nada mais será como antes

Tudo pode acontecer no ano eleitoral que chegará daqui a poucos dias, mas uma coisa é certa: depois dele, nada mais será como antes na política brasileira. Depois dos 14 anos dos governos populares e democráticos encabeçado pelo PT e seus aliados históricos, a derrocada do governo Dilma seguida pelo desastroso interregno Temer, o que se percebe é a abertura de uma caixa de pandora que, mesmo para os mais otimistas como nós, só poderá começar a ser fechada e ter as consequências de seus males mitigadas após as eleições gerais de outubro de 2018,

De onde observamos, qualquer que seja o resultado do pleito, a única coisa que podemos vislumbrar é que mudanças virão e sua velocidade e profundidade dependerá de como a classe política profissional e a chamada sociedade civil organizada, transformará em ações e escolhas concretas os ensinamentos desses últimos anos de muitas dores e dissabores coletivos. De fato, nenhuma sociedade pode passar incólume e sem reagir a um processo de desconstrução de verdades como vem ocorrendo no Brasil, em tempo real, à cores, sem cortes e interruptamente desde 2013. Para muitas pessoas, a exposição dos emblemáticos casos de corrupção e mal feitos que envolveram, envolvem e que ainda envolverá “a nata” dos capitalistas tupiniquins, dos partidos políticos e a grande maioria das suas lideranças que protagonizaram a cena política institucional após a democratização, constitui-se como um fim em si mesmo e as suas respectivas condenações e prisões encerraria, de certa forma, o show de horrores que estamos sendo submetidos dia após dia nesses últimos anos. Não mesmo!

As vísceras poderes do sistema politico, econômico e institucional que vem sendo expostas em broadcasting são apenas parte de uma trama muito complexa que remonta o processo de formação histórica do país e que, infelizmente, só está explodindo da forma que se testemunha porque, bem ou mal, o país estava experimentando o maior tempo consecutivo de exercício democrático, relativa estabilidade econômica e fortalecimento político-institucional. Isto é, depois de mais de 30 anos do fim de mais um dos períodos das intermitentes ditaduras da era da república, a experiência de seguidos anos de crescimento econômico com controle inflacionário, melhoria na distribuição de renda e ampliação das garantias de direitos foi o pano de fundo para o acirramento das disputas entre as classes e segmentos sociais, particularmente, aqueles subjacentes aos governos Lula/Dilma.

A despeito de todas as teses relativas a golpes, contragolpes e traições, a verdade nua e crua é que os discutíveis arranjos políticos eleitorais que “sustentaram” os governos de centro-esquerda não resistiram as contradições intrínsecas na distribuição de poder no aparelho de estado entre agrupamentos ideológicos oriundos de searas diametralmente oposta. Ou seja, na iminência de uma disputa eleitoral extremamente difícil para o chamado campo das esquerdas, não há como se atirar para debaixo do tapete o fato de que por detrás da aparente aliança capital-trabalho e da falsa melhoria das relações entre a casa grande e a senzala que foi sendo costuradas pelas concessões políticas eleitorais que vigoraram no país nos últimos anos, o que se desenhava na verdade era um ambiente político-institucional e de mercado onde a cada dia se perdia a consistência entre a correlação de força entre o projeto político voltado para dirigir a sociedade sob o viés progressista vis-à-vis a convocação privilegiada de atores conservadores e herdeiros diretos das oligarquias rurais, urbanas e do grande capital, para representar e operar as estruturas de um governo que, em tese, deveria no pior das hipóteses, ser essencialmente de centro-esquerda.

Nesse sentido, não há como deixar passar despercebido que o congresso que apeou Dilma do poder foi praticamente o mesmo que fora eleito com ela em 2010 e 2014. Muitos dos seus algozes, tiveram as suas respectivas eleições potencializadas através de alianças subnacionais pouco confiáveis, inclusive em detrimento do rompimento de parcerias históricas com lideranças das lutas democráticas que foram os principais fiadores das vitórias eleitorais da esquerda desde o retorno da democracia desde meados dos anos de 1980.

Por isso, não podemos creditar apenas a “traição” de Michel Temer, sua entourage e a militância anti-petista de parte do judiciário, as causas para o chamado golpe jurídico parlamentar operado sob as barbas do palácio do planalto a partir da primeira hora após as eleições de 2014. Ao contrário, como nos ensina a história, a própria presença dele como representante do PMDB para a composição da chapa de Dilma Roussef por duas vezes, já era o avant premiere da profunda contradição política que se estava adentrando quando Lula entregou a presidência do país para sua sucessora montado em mais de 80% de aprovação popular, controle inflacionário, estabilidade de juros e crescimento econômico em 2010.

A lição que fica e que deve servir de profundo aprendizado é que a associação quase siamesa que lideres de esquerda passam a fazer com os fisiológicos amantes de governos, quaisquer que sejam eles, quando se chega ao poder em nome de uma suposta “governabilidade” ou “coalizão” é mais nociva do que se imaginava. Assim, em um país imaturo do ponto de vista da democracia e das instituições, como o nosso, tal atitude é o primeiro passo para o fracasso de quaisquer projetos políticos verdadeiramente progressista no longo prazo que se queira implantar no país. Com efeito, não é razoável imaginar que uma nação historicamente racista, patriarcal e de práticas capitalistas subdesenvolvidas que tem favorecido a ineficiência econômica, a desigualdade social e a proliferação da corrupção nas organizações e nas instituições desde os níveis mais rudimentares até os mais sofisticados dos estratos sociais, possa ter uma verdadeira transformação sem que se estabeleça uma robusta causalidade entre o discurso e a prática progressista nas escolhas políticas e na gestão, no sentido mais profundo que essa palavra possa ter nos dias de hoje.

Desta forma, diante da iminência de mais uma experiência de eleições gerais no país é imperativo que se tenha em mente que mesmo as alianças que se façam necessárias pelas contingências da política, devem estar circunscritas a um nível mínimo de coerência ideológica e/ou inteligência estratégica se, de fato, se quiser mudar o país para melhor. É nisso que, ao fim e ao cabo, está a pedra de toque da grave crise em que estamos mergulhados e tudo o mais que tem se falado a respeito, são complementos secundários de uma paisagem pouco agradável que a conjuntura está nos expondo de forma cada vez mais crítica. Portanto, o que resta de tudo isso é que precisamos refletir sobre algumas questões que deverão balizar o cenário eleitoral do próximo ano, as quais, dependendo de seus desfechos, provocarão marcas indeléveis no ambiente político-institucional a partir de então.

A primeira delas diz respeito a quais serão as alianças eleitorais que Lula, o líder nas pesquisas de opinião, fará para fazer o enfrentamento de sua disputa eleitoral mais difícil, caso a sua candidatura não tenha nenhum impedimento de caráter legal. Em segundo lugar, nos parece ser importante indagar também, o que realmente significará para esse momento da sociedade brasileira a possível opção conservadora e reacionária da candidatura de Jair Bolsonaro. Ou, num outro extremo, se existirá uma opção de centro-esquerda competitiva eleitoralmente sem a presença de Lula ou do PT encabeçando alguma chapa. Em outros termos, qual é o vigor da hegemonia eleitoral do Partido dos Trabalhadores diante da crise em geral e de seus problemas em particular para o enfrentamento das eleições em 2018?

Por fim, mas não menos importante, cabe-nos ainda imaginar de forma bastante séria como serão compatibilizados os interesses dos partidos do chamado centrão que foram o fiel da balança para a queda de Dilma e hoje são principais fiadores do desastroso governo Temer nas disputas regionais, especialmente, em estados eleitoralmente importantes e emblemáticos para o PT e a centro-esquerda como a Bahia onde também são base do governo?

No mais, o colunista sai de férias por algumas semanas e deseja Feliz 2018 para todos!

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