23 dezembro 2024
Adriano de Lemos Alves Peixoto é PHD, administrador e psicólogo, mestre em Administração pela UFBA e Doutor em Psicologia pelo Instituto de Psicologia do Trabalho da Universidade de Sheffiel (Inglaterra). Atualmente é pesquisador de pós-doutorado associado ao Instituto de Psicologia da UFBA e escreve para o Política Livre às quintas-feiras.
Nesses tempos nos quais todos nos tornamos especialistas de teses complexas em assuntos que não dominamos, mas que defendemos e expomos como certezas cristalinas e inquestionáveis, o retorno às zonas de conforto é quase que uma necessidade para a manutenção do equilíbrio psicológico. Foi nesse espírito que ontem me peguei refletindo sobre o trabalho de um Psicólogo americano, Abraham Maslow, e sua obra mais conhecida, uma teoria sobre a motivação humana, a chamada hierarquia de necessidades.
De forma resumida, a teoria propõe que a motivação humana emerge da satisfação de determinadas necessidades. Essas necessidades são hierarquizadas e costumam ser representadas no formato de uma pirâmide na qual a base representa necessidades mais fundamentais que precisam ser satisfeitas antes que outras necessidades que estão colocados nas partes superiores possam servir como motivadores. Elas estão agrupadas em cinco conjuntos de motivadores principais: na base temos as necessidades fisiológicas (água, comida, sexo, sono…), logo acima encontramos as necessidades de segurança (físicas, do corpo, saúde…), seguidas pelo amor/pertencimento (amizade, família…), estima (confiança, respeito pelos outros…) e auto realização (criatividade, espontaneidade, transcendência…).
A força dessa teoria é a sua simplicidade e facilidade de compreensão. É possível até mesmo dizer que ela é intuitiva, uma vez que temos a impressão de que podemos observar aquilo que ela descreve no nosso cotidiano. Muitas políticas públicas e ações de caridade parecem se orientar pelos elementos que a teoria propõe, mesmo sabendo que seus autores não têm um conhecimento específico sobre ela.
Entretanto (xiiiii!!!!!!), e essa foi a reflexão, a teoria não encontra suporte nas inúmeras pesquisas que, ao longo do tempo, buscam demonstrar a sua validade. As pesquisas não conseguem identificar as cinco categorias propostas e muito menos a existência de uma hierarquia entre necessidades. Indo mais longe, vários críticos têm argumentam que as necessidades indicadas são altamente etnocêntricas, baseada em uma visão cultural específica e, portanto, limitada da realidade. Além disso, existem evidências empíricas (dados de pesquisa) que mostram que as necessidades variam de acordo com o contexto e o momento em que as pessoas vivem. Em resumo, existem evidências mais do que suficientes que justificam a sua NÃO utilização tanto em contexto educacional quanto no mundo do trabalho.
Apesar disso tudo, a teoria continua sendo largamente ensinada nos cursos de administração e fartamente reproduzida na literatura gerencial de aeroporto. Essa situação coloca em relevo duas questões fundamentais: um descompasso entre teoria e prática, que é mais comum do que gostaríamos; e uma tendência quase religiosa a nos apegarmos a ideias e crenças mesmo quando ela não tem base científica que as sustentem. Tomando esse exemplo como ilustração de outras situações parecidas, podemos afirmar que parte importante do conhecimento sobre o qual construímos e ao redor do qual organizamos nossas ações e intervenções no contexto de trabalho, está erguida sobre bases falsas. Não precisa ser nenhum especialista na área para avaliar quais as repercussões disso no fazer organizacional. Pois, o fato de uma ideia parecer óbvia e ser repetida por um grande número de pessoas não faz com que ela se torne verdadeira.