27 novembro 2024
Mario Augusto de Almeida Neto (Jacó) é técnico em agroecologia. Nascido em Jacobina, aos 17 mudou-se para Irecê, onde fundou e coordenou o Centro de Assessoria do Assuruá (CAA) e a Articulação do Semiárido Brasileiro (ASA). Como deputado estadual (2019-2022), defende as bandeiras do semiárido baiano, agricultura rural e movimentos sociais. Ao assumir a cadeira na Assembleia Legislativa da Bahia, incorporou o "Lula da Silva" ao seu nome, por reconhecer no ex-presidente o maior líder popular do País. Na Alba, é presidente da Comissão de Direitos Humanos e Segurança Pública e membro titular das Comissões de Saúde, Defesa do Consumidor, Agricultura e Política Rural e Promoção da Igualdade.
É quase inevitável que, ao chegarmos ao último ano do nosso mandato na Assembleia Legislativa da Bahia, lancemos um olhar mais ou menos complacente para nossas ações. Fomos eleitos pela força do voto popular, somos a voz dos movimentos sociais no parlamento, e sendo assim, procuramos com a nossa influência política e os instrumentos de que dispomos lutar em prol da diversidade: trabalhadores, negros, mulheres, lgbts, jovens, quilombolas, agricultores familiares e indígenas, entre outros.
Quinhentos anos depois, qual o retrato do nosso país? Convivemos com indígenas sem terra e água, mendigando direito à saúde e educação. Desde o início da nossa jornada, vimos denunciando a destruição e o desmatamento dos nossos rios e florestas, a perseguição e a barbárie cometida por fazendeiros, grileiros e pelo desgoverno em Brasília contra os nossos povos originários. Não existe Brasil sem povos indígenas, muito menos cultura brasileira sem a cultura originária.
Circulamos de norte a sul e de leste a oeste pela Bahia. São conhecidas as disputas pela terra com os povos pataxó em Porto Seguro e Santa Cruz Cabrália e os tupinambá em Eunápolis; em Paulo Afonso, direitos básicos como um posto de saúde foram cobrados em reunião com os truka-tupan, mas é preciso garantir igualmente segurança e proteção, já que uma mulher, a mãe do cacique Adriano, sofrera tentativa de assassinato; também estivemos em Cocos, Rodelas e Pau Brasil. Acompanhamos todos os casos e não podemos compactuar com o estado permanente de medo.
No apagar das luzes de 2021, no dia 29 de dezembro exatamente, o plano genocida de Jair Bolsonaro de acabar com nossos povos irmãos confirmou-se através de mais uma decisão, tomada pela Fundação Nacional do Índio (Funai), de excluir proteção a terras indígenas não-homologadas. Não há dúvidas de que existe um projeto orquestrado, com apoio de Brasília, de não só tomar as terras indígenas, através da mineração, do agronegócio e da especulação imobiliária em áreas turísticas, mas de extermínio dessas populações, e que se reflete na negação de direitos à saúde e educação e nos casos extremos de violência, agressões e homicídios de que foram vítimas Vitor e Iris Braz, tio e sobrinho, pataxós da Aldeia Novos Guerreiros, em Porto Seguro.
A fragilidade da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), que já sofria com a falta de apoio, ficou mais exposta com o advento da Covid-19, que levou embora indígenas em questão de dias. Sem apoio e proteção de um Estado abertamente negacionista e parceiro do vírus, coube às comunidades a mobilização para imposição de barreiras sanitárias nas aldeias e a disseminação de informações sobre como combater e se proteger da doença. E, mesmo com a decisão do Superior Tribunal Federal proibindo despejos e reintegração de posse, fomos surpreendidos nesse período de calamidade com ações envolvendo terrenos de Prado e Porto Seguro.
Seja através do nosso mandato, seja através da Comissão de Direitos Humanos e Segurança Pública da Alba (CDHSP), que eu tenho a honra de presidir, tem sido intenso o nosso diálogo e articulação com os meios de comunicação, o Ministério Público e a SSP-BA para que apurem ameaças, agressões, mortes e todo e qualquer tipo de violação aos direitos dos nossos povos originários, bem como reforcem o policiamento nas comunidades indígenas.
Em abril de 2019, realizamos a sessão especial “Território e Saúde Indígena na Bahia”, oportunidade em que lotamos a Assembleia Legislativa – também conhecida como “a casa do povo” – e pudemos discutir com 200 indígenas de diversas etnias como a luta pela sobrevivência estava impactando em suas vidas. Naquele instante, a transferência da demarcação das terras indígenas para o Ministério da Agricultura, o esvaziamento da Funai, o baixo salário dos professores e municipalização da saúde indígena estavam na pauta das discussões.
Ao nomear um indígena para a minha assessoria parlamentar, o cacique Fred Pataxó, da Aldeia Mirapé (Porto Seguro e Cabrália), fizemos um esforço para dar visibilidade maior à luta e empoderar a comunidade na defesa dos seus direitos. Nos últimos três anos, Fred visitou secretarias e órgãos do governo estadual a fim de encaminhar e ou discutir demandas de educação, esporte e implantação de energia elétrica bem como políticas públicas voltadas para crianças, jovens e mulheres indígenas.
Fizemos, também, várias indicações ao governo estadual de projetos em benefício dos povos indígenas, como reforma de escolas, criação de uma Casa de Apoio em Salvador – que sirva não só de abrigo para aqueles e aquelas que vivem em permanente estado de vulnerabilidade, mas também vitrine de divulgação da cultura indígena – e de um Museu Indígena Kiriri, em Mirandela, aldeia no município de Banzaê, pedido feito pelo cacique Lázaro, liderança reconhecida internacionalmente. E não menos importante: apresentamos projeto de lei para que seja reconhecida formal e expressamente a existência de povos indígenas nos limites do território baiano.
Agressões físicas e morais a indígenas, negros, mulheres e grupos minoritários em espaços públicos ou nas redes sociais têm se tornado uma constante desde que Jair Messias Bolsonaro foi eleito em 2018. A proximidade de uma nova eleição, em outubro, e as ameaças a todo tempo feitas à democracia brasileira nos deixam alertas para o agravamento desse clima de violência. Por todas as razões elencadas acima, apresentamos Moção de Aplausos pela realização do 4° Acampamento dos Povos Indígenas da Bahia. Após dois anos de interrupção, a reunião aconteceu em Salvador entre 25 e 29 de abril. Para nós, um marco histórico nesse momento de profundos ataques aos direitos indígenas. Os povos indígenas são a chama viva de resistência e luta pela vida e em defesa de direitos.
Entendemos que a principal reivindicação apresentada pelas lideranças ali reunidas é a equiparação salarial dos professores indígenas com os demais professores da rede pública estadual, pauta legítima e já algum tempo de conhecimento da Secretaria de Educação. A exoneração de uma diretora de colégio indígena no município de Pau Brasil também foi questionada. Inconformados, pais, mães e ex-alunos reivindicam o direito de indicar a diretora substituta da unidade educacional de forma democrática. Tanto o presidente da Alba, Adolfo Menezes, quanto a bancada do PT estão sensíveis às solicitações e comprometeram-se a criar um canal de intermediação para resolver essas questões com o Governo do Estado.
No âmbito federal, a luta dos indígenas parece longe do fim. O Projeto de Lei 191/20, que permite que terras indígenas sejam livremente abertas para a mineração, é um descalabro. Ainda em julgamento pelo STF, a tese do marco temporal estabelece que as populações indígenas só podem reivindicar terras que ocupavam na data da promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988. Acreditamos que a esperança reside na política, instrumento factível para mudar as nossas vidas e reescrever esse triste capítulo da história do nosso país.