23 novembro 2024
Economista do Ministério da Economia. Mestre em Economia e Doutor em Administração Pública pela UFBA. Autor de diversos trabalhos acadêmicos e científicos, dentre eles o livro Política, Economia e Questões Raciais publicado - A Conjuntura e os Pontos Fora da Curva, 2014 a 2016 (2017) e Dialogando com Celso Furtado - Ensaios Sobre a Questão da Mão de Obra, O Subdesenvolvimento e as Desigualdades Raciais na Formação Econômica do Brasil (2019). Foi Secretário Estadual de Promoção da Igualdade Racial (Sepromi) e Diretor-presidente da Companhia de Processamento de Dados do Estado da Bahia (Prodeb), Subsecretário Municipal da Secretaria da Reparação de Salvador (Semur), Pesquisador Visitante do Departamento de Planejamento Urbano da Luskin Escola de Negócios Públicos da Universidade da Califó ;rnia em Los Angeles (UCLA), Professor Visitante do Mestrado em Políticas Públicas, Gestão do Conhecimento e Desenvolvimento Regional da Universidade do Estado da Bahia (Uneb). Professor, Coordenador do Curso de Ciências Econômicas e de Pesquisa e Pós-Graduação do Instituto de Educação Superior Unyahna de Salvador.
A aprovação da PEC do congelamento dos gastos públicos. O vazamento das primeiras delações dos 77 corruptores da Odebrecht e a tramitação da proposta ultraliberal de reforma da previdência estão ocorrendo num ambiente em que a figura da liderança máxima do país já foi associada até a um mordomo de filme de terror. Tudo isso tem nos parecido o rascunho da paisagem do quarto círculo do inferno de Dante.
Licença poética à parte, é muito difícil imaginar que o ano de 2017 possa trazer boas novas diante do quadro desolador que se encontra hoje o país. A crise política e econômica que o circuito superior do capitalismo brasileiro imputou a Dilma Rousseff e aos governos do PT, passaram a ser fichinha diante do que o Brasil está presenciando sob a égide do atual governo do PMDB e os seus principais partidos de apoio como o PSDB, DEM, PSD, PSB, PP, PPS e outros partidos do menor expressão, que está se dissolvendo mais rapidamente do que barras de gelo caídas sobre o asfalto quente.
Mesmo para os menos desavisados que queiram sugerir que o momento atual possa decorrer de uma espécie de herança maldita, o fato concreto e indiscutível é que o governo Temer aprofundou as duas crises e, consequentemente, amplificou o resultado da convergência de ambas, particularmente, para as camadas mais pobres e médias da população. Até as pedras do pelourinho sabem que a queda de Dilma se deu mais pela fragilidade política e problemas de representatividade que se abateu sobre o seu governo do que por crimes de responsabilidade propriamente dito. Por isso, o governo que assumiu no seu lugar, já iniciado com um profundo deficit de legitimidade, não teria nenhum grau de liberdade para errar sobre duas questões centrais: a gestão macroeconômica e o exercício da austeridade e da ética sobre a coisa pública.
Para infelicidade da maioria da população brasileira, a era Temer tem falhado nessas tarefas fundamentais de forma retumbante. Vem sendo incompetente na execução das políticas macroeconômicas e profundamente leniente em relação ao cuidado com a coisa pública. No primeiro caso, não há justificativa para a manutenção dos pesados freios sobre a nossa economia através de reduções minimalistas nas taxas de juros a medida que o parlamento federal, os principais agentes econômicos e até a mídia nacional estão avalizando a mais profunda mudança na gestão das finanças públicas desde a criação do banco central e a invenção da correção monetária, quais sejam, a já aprovada PEC de congelamento dos gastos públicos por vinte anos e o desenho da reestruturação previdenciária.
Esgotada a fase de puxamento do crescimento da economia a partir do consumo e endividamento das famílias ocorrida na era petista, sabe-se que a única alternativa para o Brasil, hoje, é impulsionar a demanda agregada através de investimentos produtivos e na infraestrutura. No entanto, com o nível estratosférico das atuais taxas de juros e o pessimismo nas expectativas dos players nacionais, somente seres desprovidos da devida racionalidade econômica aplicariam seus recursos em algo que não fossem ganhos rentistas e financeiros de curtíssimo prazo. Ou seja, a única utilidade da pressa nas reformas exponencialmente liberais encapadas a ferro e a fogo pelo governo Temer ainda para nesse ano de 2016, era o de permitir cortes mais substanciais da Selic, uma vez que tanto o teto dos gastos, quanto a reforma da previdência, indicam de forma inequívoca que a solução escolhida pelo governo nada mais é o típico receituário ortodoxo para impulsionar o crescimento econômico: mercado, mercado e mais mercado!
Quanto aos problemas de austeridade com a coisa pública, o vetor de erosão da pouca legitimidade da atual governo parecia seguir um critério mais ou menos minimalista. A cada denúncia, uma queda de ministro. Mas, houve o caso do edifício La vue no meio do caminho que expôs o presidente da república, e todo seu entorno, a um nível de desgaste político que arranhou de forma significativa a sua já embaçada imagem e, as vésperas da delação da Odebrecht, o episódio se consolidou como uma espécie de habeas corpus preventivo invertido. Com efeito, será muito difícil qualquer pessoa em sã consciência acreditar que um governo que se envolve numa suspeita de crime de concussão e advocacia administrativa, também não esteja envolvido nos delitos que ora estão vindo a tona via delação premiada.
No bojo de tudo isso, assistiu-se nas últimas semanas, cenas explícitas de disputas políticas sem precedentes entre a mesa diretora do Senado e o seu presidente, em especial, com ministros da Suprema Corte com direito a agressões mútuas inter e intra poderes da República e com membros do Ministério Público Federal, em transmissão ao vivo e a cores por todos os meios de comunicação de massa. Adicione-se a isso, a divulgação, também massiva, de cenas pública de carinho entre o juiz Sérgio Moro e o senador Aécio Neves, um dos principais artífices da queda de Dilma, e cabeça de pule em todas as listas previstas nas delações que estão por vir.
O resumo dessa ópera em bom português é que a crise não é mais de governo e muito menos uma crise política e econômica. O Estado brasileiro está em um dos momentos mais críticos de sua história. Por isso, esse ambiente nos remete a ideia da “colina de rocha” – o quarto dos nove círculos do inferno – imaginada pelo escritor e poeta italiano onde seria o destino dos pródigos e avarentos, que possuem como punição, rolar com os próprios peitos grandes pesos, que representam as suas riquezas e estão fadados a trocarem injúrias entre si pela eternidade. Sigamos.