24 dezembro 2024
Adriano de Lemos Alves Peixoto é PHD, administrador e psicólogo, mestre em Administração pela UFBA e Doutor em Psicologia pelo Instituto de Psicologia do Trabalho da Universidade de Sheffiel (Inglaterra). Atualmente é pesquisador de pós-doutorado associado ao Instituto de Psicologia da UFBA e escreve para o Política Livre às quintas-feiras.
Um dos aspectos mais interessantes e, ao mesmo tempo, mais problemáticos da Psicologia está no domínio público de palavras e expressões que compõe o repertório técnico da profissão; o que faz com que as pessoas tenham sempre uma ideia muito própria e particular sobre a natureza e as estruturas dos chamados fenômenos psicológicos. As causas para essa mistura são fáceis de serem entendidas. Por um lado, as pesquisas e as teorias têm como ponto de partida aspectos e processos psicológicos vivenciados cotidianamente pelas pessoas. Por outro, expressões que surgem no bojo de teorias psicológicas específicas são apropriadas de maneira mais ou menos exata, conforme a compreensão de cada pessoa de acordo com as vivências, experiências e compreensões individuais.
Um bom exemplo disso é a noção de subconsciente elaborada e abandonada por Freud, o criador da Psicanálise, já no início do século XX, mas de uso corrente ainda nos dias atuais. Em conversa despretensiosa, de mesa de bar, onde o sentido preciso das palavras não é importante, esse tipo de apropriação não cria nenhum problema ou conflito mais significativo. Entretanto, quando nos encontramos no contexto de uma ação técnica, as palavras e os seus sentidos exatos importam e muito. É justamente a natureza técnica/específica do conhecimento Psicológico, um dos elementos que caracteriza o campo profissional, que exige um período longo de treinamento (pelo menos cinco anos) antes do exercício da profissão.
Entretanto, não deixa de ser curioso observar a reação que as pessoas manifestam quando com uma dessas noções arraigadas no senso comum é confrontadas com um elemento teórico específico. Dois padrões básicos de resposta parecem existir. Em um primeiro caso, percebemos uma tendência a negar o conhecimento, com base na identificação de situações excepcionais que são tomadas como contrárias à regra geral: […] ah, mas eu conheço um caso (ou pessoa) onde isso não acontece assim. Uma segunda resposta padrão deixa claro um comportamento de fuga, puro e simples: […] eu acho que não é assim que funciona.
Situações como estas descritas expressam elementos que são característicos da natureza do conhecimento produzido no campo das ciências humanas e sociais, em que objetos de análise não podem ser apreendidos de forma independente daquele que os observa. Chega a ser esquisito imaginar alguém dizendo a um engenheiro algo do tipo […] as tensões e cargas não se distribuem por pilares e vigas conforme previsto pela teoria! Por mais paradoxal que isso possa parecer, o fato é que a familiaridade (com as palavras e expressões) produz estranhamento (da teoria/conhecimento) e dificulta o encaminhamento das soluções (a técnica) dos problemas identificados. Por outro lado, a identificação do psicológico com o individual dá a impressão de que cada caso é único e específico quando, na verdade, produzimos e reproduzimos padrões de comportamento verbais e não verbais que são comuns à espécie humana e que, por isso mesmo, se repetem, podendo ser avaliados, medidos e previstos com razoável grau de certeza, aproximando-se significativamente das ciências exatas!
Parafraseando Magritte: às vezes uma palavra não é apenas uma palavra….