23 dezembro 2024
Adriano de Lemos Alves Peixoto é PHD, administrador e psicólogo, mestre em Administração pela UFBA e Doutor em Psicologia pelo Instituto de Psicologia do Trabalho da Universidade de Sheffiel (Inglaterra). Atualmente é pesquisador de pós-doutorado associado ao Instituto de Psicologia da UFBA e escreve para o Política Livre às quintas-feiras.
A cada nova operação da Polícia Federal somos apresentados a valores impressionantes de dinheiro desviado em esquemas de corrupção. São cifras na casa das centenas de milhões, dos bilhões de reais. Parece ser dinheiro que não acaba mais e, muitas vezes, até difícil de imaginar o que significa ter esse dinheiro na vida real. Isso para não falar em como ganhar esse dinheiro em uma vida de trabalho honesto! Fico com a impressão de que se não se roubasse tanto no Brasil talvez não faltassem tantos recursos para saúde e educação…. Entretanto, devo admitir que fico mais impressionado com as pilhas de dinheiro vivo que são apreendidas a cada operação.
Na boa, grandes somas de dinheiro vivo guardadas em casa só têm uma explicação: ele não pode aparecer no banco, pois não há com explicar a sua origem para o fisco ou o COAF. Esse é na verdade o grande problema do dinheiro de origem ilícita, ele encontra dificuldades para circular e, consequentemente, de ser usado. Ou seja, dinheiro frio precisa ser esquentado para poder ser usado. Daí ser a lavagem de dinheiro um dos principais crimes associados ao desvio de recursos públicos. E um dos caminhos a ser percorrido para identificar esses criminosos.
Isso me faz lembrar os filmes sobre a máfia de Nova York nos anos oitenta onde os bandidos controlavam cadeias de pizzaria para lavagem de dinheiro. A ideia é bastante simples. A cadeia de pizzas produzia, por exemplo, mil pizzas por dia, mas eles registravam a venda de dual mil. O valor que entrava no caixa correspondente à mil pizzas vinhas dos pagamentos legítimos dos clientes. O dinheiro que entrava das outras mil pizzas registradas, mas não efetivamente vendidas, era dinheiro oriundo das ações criminosas. No final do mês, se pagava o imposto sobre o total das pizzas registradas e assim se esquentava uma soma correspondente à mil pizzas emprenhadas na contabilidade, todo dia. Ter uma cadeia de lojas multiplicava o valor passível de ser esquentado. O fisco ficava feliz porque o imposto era pago, e a fiscalização era difícil porque não há uma correspondência exata entre os insumos (farinha, queijo, molho de tomate…) e o produto final (a pizza, propriamente dita).
É importante observar que a lavagem de dinheiro pressupõe o negócio legal, honesto, onde fornecedores honestos, que efetivamente entregaram insumos para produção, são pagos e não podem, neste caso, ser confundidos com a atividade criminosa. Assim, quando um partido diz que todas as doações recebidas são legais e que foram registradas, eu só me lembro da máfia nova iorquina e o quanto isso nada significa. A questão aqui é saber a origem do dinheiro, se oriundo de atividade lícita ou criminosa. Da mesma forma, quando se diz que o pagador fez uma série de outras doações e isso é dado como indicativo de que são todos honestos ou que participavam do mesmo esquema, isso me lembra dos fornecedores da cadeia de pizzas.
Se os fornecedores não participavam dos acertos e do esquema que deu origem ao desvio de recursos, eles são a parte legítima do processo que é mantida para dar a aparência de honestidade à lavagem do dinheiro. Isso não quer dizer que sejam intrinsecamente ingênuos ou “santos”. Apenas que não tem culpa neste delito especifico.
Nos filmes os mafiosos costumavam acabar na cadeia, até como forma de propaganda do Estado de Direito como elemento característico de uma identidade social americana. Resta saber como esse filme terminará no Brasil. Será que os culpados irão para a cadeia? Não digo o mequetrefe da esquina, mas o capo de tutti capi?