Jacó Lula da Silva

Economia

Mario Augusto de Almeida Neto (Jacó) é técnico em agroecologia. Nascido em Jacobina, aos 17 mudou-se para Irecê, onde fundou e coordenou o Centro de Assessoria do Assuruá (CAA) e a Articulação do Semiárido Brasileiro (ASA). Como deputado estadual (2019-2022), defende as bandeiras do semiárido baiano, agricultura rural e movimentos sociais. Ao assumir a cadeira na Assembleia Legislativa da Bahia, incorporou o "Lula da Silva" ao seu nome, por reconhecer no ex-presidente o maior líder popular do País. Na Alba, é presidente da Comissão de Direitos Humanos e Segurança Pública e membro titular das Comissões de Saúde, Defesa do Consumidor, Agricultura e Política Rural e Promoção da Igualdade.

Que o São João em 2022 venha com chuva, saúde e fogos

Junho é um mês sagrado para nós, baianos. Prenúncio de chuva e alegria. Tão importante quanto o Natal e o Carnaval, o São João nos últimos dois anos não foi igual. Mais de 1,4 milhão de pessoas deixaram de viajar para municípios do interior do Estado no período dos festejos juninos. Uma mistura de lágrimas, pela ausência da festa ou perda de parentes e amigos mortos pela Covid-19, mas também de alívio por estar em casa, seguro e com saúde. Em 2022, mantido o ritmo da vacinação, a baixa letalidade e a queda nas internações, teremos a tradição de volta em Irecê, Cruz das Almas, Santo Antônio de Jesus e tantas outras cidades que amamos.

Apresentei recentemente na Assembleia Legislativa da Bahia um Projeto de Lei que reconhece o São João de Senhor do Bonfim como Patrimônio Cultural Imaterial do Estado da Bahia. Situado a 375 km de Salvador, no centro norte do Estado, e com aproximadamente 90 mil habitantes, o município não à toa é conhecido como a capital baiana do forró e um dos mais animados do Nordeste. Durante o mês de junho, toda a cidade se movimenta em torno da tradição junina, e atrações não faltam para os públicos mais exigentes: tem casamento na praça, saboroso licor, comidas típicas, quadrilhas, fogueira, forrozeiros de raiz e artistas, muitos artistas. Solange, Flávio José, Cicinho de Assis, Calcinha Preta e Tairone estiveram lá em 2019.

Conforme reportagem publicada no dia 22 de junho pelo jornal Correio e assinada pelo repórter Vinicius Nascimento, a tradição junina em Senhor do Bonfim vai além das festas na praça: entra nos bairros com seus trios forrozeiros e segue de casa em casa. Uma tradição mantida pelo povo que começou há pouco mais de um século nas manifestações que sucediam a Trezena de Santo Antônio.

Segundo o pesquisador Alex Barbosa, ouvido pela reportagem, “as Trezenas foram atraindo e estimulando a criação de outras manifestações culturais como as alvoradas e as bandas de pífano. Tudo isso entre as décadas de 1920 e 1930″. Na década seguinte, surgiram as cantadeiras de roda, mulheres negras, a maioria lavadeiras de roupas, que se juntavam em grupos de canto que percorriam os bairros da cidade durante as festas de Santo Antônio, São João, São Pedro e São Marçal. “Elas saíam cantando nas casas dos patrões de quem elas lavavam roupa. Os patrões davam em troca comida e a abertura das casas. Foi daí que nasceu uma tradição muito importante aqui que é o ‘De casa em Casa’, que basicamente é um momento em que as pessoas vão entrando nas casas dos outros tocando forró, perguntando se tem licor e se São João passou por lá”, conta Alex Barbosa.

Muita coisa mudou desde que a festa começou nos bairros periféricos e chamou atenção das elites da cidade. Nos anos 1960, os mais jovens vão para as ruas com barracas e também aparecem as figuras do sanfoneiro e do trio forrozeiro. O poder público passa a prestar atenção no fenômeno e coloca um palco na Praça Nova, dando início ao São João de Senhor do Bonfim. A partir de 2008, a programação é transferida para o Espaço Gonzagão (onde fica o palco principal dos shows) por conta da quantidade cada vez maior de pessoas vindas de outras cidades e estados, algumas dispostas a fazer um único bate e volta.

Com o seu impressionante crescimento ao longo das últimas décadas, o São João de Senhor do Bonfim ganha proporções jamais vistas, torna-se a principal fonte de receita para o município e geração de emprego para os moradores. Vários milhões são movimentados com o turismo, shows de artistas renomados e comércio de bebidas e alimentos. Estima-se que 800 mil pessoas circulem pela região nos dias da festa. E um dos termômetros da alta procura é o Forró do Sfrega, festa privada criada no ano de 2000.

Outra atração importante em Senhor do Bonfim é a Guerra de Espadas. Estigmatizada por certos setores, conta-se que os primeiros registros da prática na cidade datam dos anos 1930, e a tradição permanece, passada de pai para filho. São gerações treinadas na arte, que esperam um único período no ano para exercitar com as mãos o seu balé de luzes e fogo.

Fiz a defesa dos espadeiros em pronunciamento na tribuna da Alba. Em reunião com a Associação dos Espadeiros de Senhor do Bonfim, eles me apresentaram um problema grave: as espadas estão sendo consideradas como explosivos. Os espadeiros estão sendo criminalizados e, pela primeira vez, um deles foi condenado pela Justiça. Dizem que as espadas servem para explodir banco. E eu queria chamar atenção do Ministério Público: existe uma norma do Exército brasileiro que classifica as espadas como fogos pirotécnicos, e não armas. Precisamos parar com essa perseguição, não somente em Senhor do Bonfim, mas em Cruz das Almas e outras cidades. Vamos fazer uma audiência pública para debater o tema. O São João está no sangue, na vida de Senhor do Bonfim, todos os moradores daquela terra pulsam o São João.

Por todos os motivos listados acima, o Projeto de Lei que reconhece o São João de Senhor do Bonfim como Patrimônio Imaterial possui como objetivo congregar os bonfinenses e visitantes e que, diante da grandiosidade que o São João representa, não apenas para a cidade, mas para todo o Estado da Bahia, revela-se como compromisso com a tradição e com um saudoso passado, sobretudo na mente e na vida das gerações mais velhas e como semente para as gerações que virão.

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