Foto: Marcelo Camargo/Arquivo/Agência Brasil
Jair Bolsonaro 18 de março de 2021 | 07:02

Bolsonaro está entre Guedes e Michelle em projeto que pode elevar gastos em R$ 5 bi

economia

Um projeto que classifica a visão monocular (cegueira de um dos olhos) como deficiência para todos os efeitos legais virou um problema para o presidente Jair Bolsonaro. Aprovada no Senado e na Câmara, a proposta conta com o apoio da primeira-dama Michelle Bolsonaro, mas pode se tornar uma bomba fiscal a explodir no colo do governo e dar margem até mesmo para a abertura de um processo de impeachment.

O texto, que aguarda a sanção presidencial, abre caminho para que essas pessoas peçam o Benefício de Prestação Continuada (BPC), pago a idosos e pessoas com deficiência de baixa renda no valor de um salário mínimo por mês – R$ 1,1 mil. Em análises preliminares, técnicos do governo estimam que cerca de 400 mil pessoas poderão se habilitar ao benefício assistencial caso a proposta seja sancionada, a um custo de pelo menos R$ 5 bilhões ao ano, segundo apurou o Estadão/Broadcast.

O rombo pode ser ainda maior porque o levantamento considera o critério formal para a concessão do BPC: renda de até um quarto de salário mínimo por pessoa, ou atuais R$ 275. Mas o benefício é um dos mais judicializados, e é comum brasileiros com renda superior, de até meio salário (R$ 550), conseguirem a ajuda. Além disso, a sanção do projeto poderia ter impacto na aposentadoria de pessoas com deficiência, que tem regras mais brandas do que para trabalhadores em geral.

A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) prevê que a criação de uma despesa obrigatória venha acompanhada de uma redução permanente em outro gasto, ou então de uma elevação permanente de receitas (com criação ou aumento de tributo). Já a emenda constitucional do teto de gastos, que limita o avanço das despesas à inflação, exige estimativas de impacto orçamentário e financeiro para propostas que criem despesa obrigatória ou concedam renúncias. O respeito ao teto também demandaria o corte de outra despesa, no caso de maior gasto com BPC. Nenhum desses dispositivos foi observado na tramitação do projeto.

Caso Bolsonaro decida sancionar a lei, o ato pode ser enquadrado como crime de responsabilidade, dando base a um processo de impeachment. Ele tem até o próximo dia 23 para tomar uma decisão. No ano passado, o temor de cometer crime e virar alvo de pedido de afastamento levou o presidente a vetar um perdão bilionário de dívidas tributárias de igrejas, que beneficiaria sua base de apoiadores e com o qual admitiu concordar por ver o “papel social” dos templos. Na quarta-feira, 17, o Congresso derrubou este veto, devolvendo o perdão às igrejas.

Assim como outras bombas fiscais, o projeto sobre a visão monocular deve receber recomendação de veto de áreas técnicas dos ministérios da Economia e Cidadania preocupadas com o impacto fiscal. Um alerta também foi disparado pelo líder do governo na Casa, Ricardo Barros (PP-PR), segundo relatos colhidos pela reportagem. Ciente desse risco e em um momento de forte desgaste político em razão do pico de contaminações e mortes em razão da covid-19, Bolsonaro sinalizou que vetaria a proposta na semana passada.

A mudança de postura, porém, é recente. Em fevereiro, antes da aprovação do texto pela Câmara, Michelle convidou Amália Barros, uma das principais lideranças monoculares e que mais trabalhou pela lei, para jantar no Palácio da Alvorada. Depois do encontro, o casal posou para fotos cobrindo um dos olhos – um dos símbolos da campanha dos monoculares. Agora, o presidente liberou a primeira-dama para tentar convencer os ministros a não se posicionarem contra o texto.

A articulação tem surtido efeito. Defensor de medidas fiscais, o ministro da Economia, Paulo Guedes, posou na semana passada para foto cobrindo um dos olhos ao lado de Amália, da deputada Luísa Canziani (PTB-PR), que relatou a proposta na Câmara, e da deputada Flávia Arruda (PL-DF), presidente da Comissão Mista de Orçamento (CMO).

Estadão Conteúdo
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