Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil/Arquivo
Dólar 18 de agosto de 2021 | 21:45

Dólar fecha no maior patamar desde maio, com risco fiscal e fim de estímulos nos EUA

economia

O mercado local foi afetado pela forte aversão aos riscos, em dia no qual o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) voltou a sinalizar um aperto nas medidas de estímulos, enquanto por aqui, o risco de rompimento do teto de gastos continua preocupando o investidor. Em resposta, nesta quarta-feira, 18, a Bolsa brasileira (B3) virou o sinal e fechou com queda de 1,07%, aos 116.642,62 pontos, enquanto dólar disparou 1,99%, cotado a R$ 5,3749 – no maior patamar desde 4 de maio.

Operadores não identificaram um gatilho específico para a arrancada da moeda americana nesta quarta, que já acumula alta de 3,17% em agosto. Mas citaram o mal-estar com o adiamento da reforma do Imposto de Renda ontem à noite. Teme-se que o texto da reforma, que já desagradava no início, seja modificado ainda mais para satisfazer demandas de Estados e municípios, resultando, no fim, em perda de arrecadação.

O desconforto com as contas públicas fez a moeda americana operar em alta firme já pela manhã, alcançando a casa de R$ 5,35. O movimento era acentuado pelo tombo das commodities no mercado internacional, diante da probabilidade de a China cortar drasticamente a produção de aço. Operadores notaram também sinais de movimentos especulativos de investidores à espera de uma intervenção do Banco Central, que acabou não acontecendo.

Houve certo alívio no meio da tarde, com o dólar passando a ser negociado no nível de R$ 5,33, na esteira da perda de força momentânea da moeda americana no exterior. Mas o caldo voltou a entornar na reta final do pregão, após a divulgação da ata do Fed, que voltou a sinalizar para um aperto nas medidas de estímulos adotadas na pandemia.

Embora tenha repetido a avaliação de que a alta da inflação tem efeitos transitórios, o Fed confirmou que o debate sobre o início da redução de compra mensal de títulos públicos, o chamado ‘tapering’, ainda neste ano. Foi o que bastou para uma rodada mais acentuada de deterioração dos ativos domésticos.

Para a BMO Capital Markets, a ata de julho mostra que o debate sobre a eventual data do início da retirada gradual dos estímulos monetários é contínuo, mas ainda é “muito provável” que o anúncio seja feito em um dos próximos três encontros entre os dirigentes.

“Alta nos juros nos Estados Unidos pode tirar fluxo de capital de países emergentes rumo aos títulos públicos americanos, o que contribuiria para enfraquecimento das moedas desses países e agravaria o aumento da inflação nestas economias menos desenvolvidas”, observa Paloma Brum, analista da Toro Investimentos.

“O governo já não consegue ancorar mais as expectativas. O presidente perdeu muito do seu capital político e existe o risco de que ele jogue o fiscal pela janela para tentar se reeleger”, afirma o head de câmbio da Acqua-Vero Investimentos, Alexandre Netto.

Em audiência no Congresso Nacional, o secretário do Orçamento Federal, Ariosto Culau, disse que, sem o parcelamento dos precatórios, todos os programas do governo em 2022 estarão comprometidos. Culau argumentou que a PEC dos Precatórios é uma forma de manter o teto de gastos sem sacrificar programas meritórios. “Não estamos propondo que o teto seja rompido, parcelar precatórios torna a regra efetiva”, afirmou.

O head de Tesouraria do Travelex Bank, Marcos Weigt, ressalta que o real, que havia se alinhado às demais moedas emergentes anteriormente, passou a apresentar um desempenho muito pior do que seus pares, como o rand sul-africano, o peso mexicano e o rublo, o que mostra o peso de problemas locais na formação da taxa de câmbio. “Isso [a depreciação do real] está muito ligada ao que está acontecendo na área política e econômica. A fala do Roberto Campos [presidente do BC] deu uma amenizada ontem, mas o quadro piorou novamente”, afirma Weig, ressaltando as dúvidas relacionadas ao Bolsa Família, à PEC dos Precatórios e à reforma tributária.

Weigt lembra que o Brasil já esteve à beira do abismo em certas ocasiões e que sempre houve um recuo por parte da classe política na direção de preservar uma racionalidade mínima na condução das contas públicas. “É difícil acreditar que vão seguir nessa linha de burlar o teto de gastos. Essa piora dos ativos domésticos faz parte da pressão do mercado para um ajuste na rota”, diz o tesoureiro do Travelex, ressaltando que o nível de incerteza é hoje muito grande. “Eu geralmente tenho uma convicção da direção dos ativos, mas neste momento está muito difícil”.

Bolsa

O dia negativo no mercado brasileiro seguiu o mau humor de Nova York, com Dow Jones, S&P 500 e Nasdaq com quedas de 1,08%, 1,07% e 0,89% cada. Por aqui, o Ibovespa acumula baixa de 2,00% após a recente correção, o que coloca agora as perdas da semana a 3,76% e as do mês a 4,23%, acima das de julho, quando havia interrompido a recuperação de março a junho.

“A piora segue ligada (também) a questões políticas internas. A crise institucional, devida a atritos entre Bolsonaro e STF, vai seguir incomodando. A queixa registrada contra o Aras (procurador-geral da República, Augusto Aras), acusado de ser omisso em relação à arbitrariedade de Bolsonaro, foi mais um motivo para pressão no câmbio hoje”, diz Cristiane Quartaroli, economista do Banco Ourinvest.

Com tantos fatores negativos pesando sobre o humor dos investidores, as perdas acabaram se distribuindo por empresas e setores na B3 ao longo da tarde, sem poupar as ações de commodities, com Vale ON em queda de 3,36% e Petrobras, de 1,19%. Entre os bancos, Bradesco caiu 1,37% e Santander, 0,79%. O setor de siderurgia também foi afetado, com Usiminas em baixa de 4,73 e CSN, de 2,31%. No lado oposto, Cogna subiu 4,52% e Braskem, 4,21%.

Estadão Conteúdo
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