23 novembro 2024
A vereadora Marielle Franco (PSOL) teve atuação discreta durante os debates sobre o projeto de lei que, segundo suspeita a Polícia Federal, coincide com a “origem do planejamento” do seu assassinato, executado em março de 2018.
A PF afirma, em relatório do caso enviado ao STF (Supremo Tribunal Federal), que as divergências de Marielle na Câmara Municipal ao projeto de lei complementar 174/2016, de autoria do então vereador Chiquinho Brazão, “encontram-se no cerne da motivação do crime”.
Reforça a suspeita da PF o fato de um assessor de Marielle ter relatado em depoimento uma forte reação de Chiquinho ao voto contrário da vereadora.
O deputado federal Chiquinho Brazão e o irmão Domingos Brazão, conselheiro do TCE (Tribunal de Contas do Estado), foram presos neste domingo (24) suspeitos de serem os mandantes do crime, cometido há seis anos. Eles negam terem participado do homicídio.
A determinação do ministro Alexandre de Moraes, do STF, teve como base a delação premiada do ex-policial militar Ronnie Lessa, preso em 2019 sob acusação de ser o executor do crime.
Segundo a PF, Lessa relatou ter ouvido de Domingos queixas sobre a atuação de Marielle em áreas de interesse da família. A polícia, contudo, relata que o ex-PM afirma existir a possibilidade de que um informante do grupo político tenha “superdimensionado” a atuação de Marielle.
A PF não aponta o projeto de lei como motivo, mas afirma que ele confere verossimilhança ao relato de Ronnie Lessa sobre o que foi a origem da ordem do crime.
“Não obstante a escassez de provas diretas decorrentes da natureza clandestina das tratativas que Ronnie Lessa alega ter mantido com Domingos e Chiquinho Brazão, é possível inferir que suas declarações sobre o motivo que teria ensejado a morte da vereadora Marielle Franco se mostram verossímeis diante dos dados e indícios ora apresentados”, diz a PF.
“Aqui impende destacar que esse cenário recrudesceu justamente no segundo semestre de 2017, atribuído pelo colaborador como sendo a origem do planejamento da execução ora investigada, ocasião na qual ressaltamos a descontrolada reação de Chiquinho Brazão à atuação de Marielle na apertada votação do PLC n.º 174/2016.”
O projeto de lei na mira da PF previa a regularização de terrenos e construções ilegais nas zonas oeste e norte da cidade. Segundo o relatório, ele favorecia a base eleitoral da família Brazão, bem como estimulava a “grilagem” de terras, na qual o grupo político atuava, de acordo com a polícia.
Durante as discussões na Câmara, a vereadora sequer discursou.
O projeto foi pela primeira vez ao plenário em maio de 2017. Na ocasião, foi aprovado com folga, com 34 votos.
Ele retornou à pauta em novembro de 2017 para correção de alguns erros em seu texto. Nesse dia, foi aprovado com 27 votos, apenas um mais do que o necessário. Votaram contra todos os vereadores do PSOL (cinco), Fernando Willian (PDT) e Leandro Lyra (Novo). Apenas Willian discursou para justificar o voto.
Chiquinho Brazão, à época vereador, mirou suas críticas pelo resultado apertado à prefeitura. Ele atribuiu à gestão Marcelo Crivella (Republicanos), à frente do município na ocasião, a resistência de alguns membros da Casa.
“Estranhamente o governo atuou aqui em uma matéria que só vem atender à cidade. É até estranho, já que o governo é o principal interessado em melhorar a vida das pessoas na cidade. Em fazer com que aqueles que estão irregulares, por falta de fiscalização e incentivo por parte do governo, por falta de facilitação para que aqueles que lá estão irregulares até hoje, consigam regularizar seus imóveis”, disse o vereador em novembro, quando ele foi aprovado.
A única menção que poderia ser direcionada a Marielle foi a citação aos vereadores de esquerda da Câmara. “Era para esta Casa votar pela quase totalidade! Toda a esquerda votar junto. Toda a direita.”
Crivella vetou o projeto, mas a Câmara derrubou a decisão em maio de 2018, dois meses após a morte de Marielle. Os vereadores do PSOL mantiveram o posicionamento, mas o veto foi rejeitado com os votos de 31 membros da Casa.
Um ex-assessor da vereadora afirmou à PF que, dias após a segunda votação, Chiquinho teria recusado apoiar um projeto de lei de Marielle, praxe entre os vereadores. De acordo com o relato, o então vereador “teria reclamado da votação contrária de Marielle, demonstrando irritação fora do comum e jamais vista”.
Outra ex-assessora de Marielle, porém, afirmou à PF que a vereadora evitou durante seu mandato atuar na questão fundiária por considerá-la “um verdadeiro vespeiro” em razão do envolvimento de milicianos.
Além do projeto de lei, a polícia relata uma série de episódios do que classifica como “animosidade entre os Brazão e o PSOL”. Cita a atuação do ex-deputado Marcelo Freixo, atualmente no PT, contra a nomeação de Domingos para o TCE-RJ como um dos exemplos de embate.
Nesse contexto, a PF aborda a filiação do miliciano Laerte Silva de Lima ao PSOL 20 dias após o segundo turno das eleições de 2016. Ele foi preso em 2019 na Operação Os Intocáveis, que investigou a milícia que atua em Rio das Pedras.
Segundo Lessa, Domingos afirmou que a filiação ocorreu a seu mando. O conselheiro também relatou, de acordo com o ex-PM, que Laerte o alertou sobre a atuação de Marielle para evitar a criação de novos loteamentos nas áreas de atuação do grupo político.
“Lessa afirma não saber o teor das informações que abasteceram os irmãos Brazão, tampouco sua idoneidade. Fato é que eles estavam focados no propósito de executar a vereadora”, disse ele.
Italo Nogueira/Folhapress