24 novembro 2024
Economista do Ministério da Economia. Mestre em Economia e Doutor em Administração Pública pela UFBA. Autor de diversos trabalhos acadêmicos e científicos, dentre eles o livro Política, Economia e Questões Raciais publicado - A Conjuntura e os Pontos Fora da Curva, 2014 a 2016 (2017) e Dialogando com Celso Furtado - Ensaios Sobre a Questão da Mão de Obra, O Subdesenvolvimento e as Desigualdades Raciais na Formação Econômica do Brasil (2019). Foi Secretário Estadual de Promoção da Igualdade Racial (Sepromi) e Diretor-presidente da Companhia de Processamento de Dados do Estado da Bahia (Prodeb), Subsecretário Municipal da Secretaria da Reparação de Salvador (Semur), Pesquisador Visitante do Departamento de Planejamento Urbano da Luskin Escola de Negócios Públicos da Universidade da Califó ;rnia em Los Angeles (UCLA), Professor Visitante do Mestrado em Políticas Públicas, Gestão do Conhecimento e Desenvolvimento Regional da Universidade do Estado da Bahia (Uneb). Professor, Coordenador do Curso de Ciências Econômicas e de Pesquisa e Pós-Graduação do Instituto de Educação Superior Unyahna de Salvador.
A aprovação do Projeto de Lei 20.785/2014, que institui o Estatuto da Igualdade Racial e Combate a Intolerância Religiosa, pela Assembléia Legislativa, no último dia 20, já se constituiu num marco para as políticas públicas de Estado para igualdade racial e contra a intolerância religiosa na Bahia e no Brasil. Com apenas uma abstenção, a aprovação do PL se deu no mais amplo sentido de legitimidade, uma vez que a versão final apresentada pelo executivo não teve nenhuma emenda ou nenhum voto contrário por parte da oposição ao governo.
Considerando que a proposta original do projeto remonta ao ano de 2005 e que teve como principal articulador, para a sua aprovação, o movimento negro da Bahia, o PL se constitui num exemplo inequívoco de como as políticas públicas de garantia de direitos exige um processo complexo de ação coletiva para garantir a sua efetividade. Por outro lado, cabe assinalar também que a ação coletiva vinda do movimento social não esgota o conjunto de esforços, também coletivos, necessários a transformar esse tipo de demanda em política pública. Na verdade, não existe possibilidade de criação de políticas públicas sem o uso apropriado dos mecanismos institucionais disponíveis em quaisquer sociedades ditas democráticas.
Para institucionalização de quaisquer políticas públicas faz-se necessário à mediação de atores sociais e agentes políticos das diversas esferas de governo e dos poderes constituídos, inclusive da sociedade civil organizada que, via de regra, operam através de seus grupos de pressão para fazer valer os seus interesses através das mais diversas formas de intervenção nos processos decisórios, muito dos quais, distantes dos efeitos mais diretos da opinião pública em geral e de movimentos sociais específicos.
No caso particular de políticas de garantia de direitos, que é o cerne do conteúdo do Estatuto, essa situação se torna mais complexa por que esse dispositivo legal propõe mudanças estruturais profundas na forma e no conteúdo da operação do aparelho de estado no que se refere a implementação de políticas públicas. Por isso, devemos salientar que a aprovação do Estatuto mesmo sendo condição necessária a implementação de políticas de Estado de promoção da igualdade, poderá não ser condição suficiente para eficácia e efetividade dessas políticas no decorrer do tempo.
De fato, mudanças estruturais como as que estão sendo propostas no Estatuto só ocorrem em momentos históricos muito bem delineados por uma conjunção de fatores e não apenas por uma demanda popular, por mais forte que ele seja, uma vez que, o processo que sustenta decisões dessa natureza perpassa vários níveis de decisões institucionais que vão desde a política, no seu sentido mais amplo, até as ferramentas de gestão necessárias ao acompanhamento de tudo que é processado durante a complexa trajetória de teses, antíteses e sínteses a respeito do tema.
Por isso, tanto o Estatuto Nacional, quanto o Estatuto Estadual, a despeito da pressão vinda dos movimentos sociais organizados demoraram tempo relativamente longo para suas respectivas aprovações e, no caso do sistema de cotas nas universidades federais, por exemplo, a questão teve que ser resolvida na última instância do poder judiciário brasileiro, após vários anos de debates na sociedade.
Significa dizer, que as demandas vinda dos movimentos sociais, por mais importantes que sejam (e de fato são), se constituem em apenas uma das nuances de todo esse processo. As condições históricas objetivas que culminam em situações como as que estamos tratando, exigem também complexos processos internos das estruturas institucionais de poder, da burocracia pública e da vontade política dos principais atores relevantes. Nesse caso especifico, por exemplo, a variável determinante para todo esse processo, na atual conjuntura, foi a compreensão e apoio do Chefe do Poder Executivo Estadual que, em última instância, homologou diretamente, toda a proposta a ser encaminhada ao Legislativo, sinalizando para todos os atores e agentes políticos e arranjos institucionais sob sua responsabilidade e liderança, a determinação e o interesse de governo na aprovação do PL.
Isso também explica o porque de o Estatuto da Igualdade Racial e do Combate a Intolerância Religiosa da Bahia apresentar inovações e avanços significativos, nessa política, para além daqueles verificados em outros dispositivos legais, inclusive, o Estatuto Nacional sancionado em 2010.
Por essa razão é que chamamos a atenção para que o tripé Ação Coletiva, Processo Decisório e Políticas Públicas seja o elemento chave para o acompanhamento e a avaliação para o que deve ser feito no sentido de darmos eficácia e efetividade a um processo tão profundo de mudanças. A força impressa pelo poder executivo estadual no sentido da aprovação do Estatuto não deve ser considerada menor ou relegada a um segundo plano quando de quaisquer debates sobre essa questão e para a definição de estratégias para a implementação desse dispositivo, mesmo porque, a partir da sanção do Governador, serão as estruturas do aparelho de estado e de sua burocracia que deverão dar consecução a tudo que está previsto naquela Lei e, mesmo considerando a imperiosa necessidade do acompanhamento sistemático da sociedade e dos órgãos de controle social junto ao governo, compreender essa questão é fundamental para continuarmos avançando nessas políticas, sob pena de não otimizarmos uma caminhada que vem sendo construída com um certo grau de sustentabilidade nos últimos anos no Brasil e, particularmente, na Bahia.