24 novembro 2024
Economista do Ministério da Economia. Mestre em Economia e Doutor em Administração Pública pela UFBA. Autor de diversos trabalhos acadêmicos e científicos, dentre eles o livro Política, Economia e Questões Raciais publicado - A Conjuntura e os Pontos Fora da Curva, 2014 a 2016 (2017) e Dialogando com Celso Furtado - Ensaios Sobre a Questão da Mão de Obra, O Subdesenvolvimento e as Desigualdades Raciais na Formação Econômica do Brasil (2019). Foi Secretário Estadual de Promoção da Igualdade Racial (Sepromi) e Diretor-presidente da Companhia de Processamento de Dados do Estado da Bahia (Prodeb), Subsecretário Municipal da Secretaria da Reparação de Salvador (Semur), Pesquisador Visitante do Departamento de Planejamento Urbano da Luskin Escola de Negócios Públicos da Universidade da Califó ;rnia em Los Angeles (UCLA), Professor Visitante do Mestrado em Políticas Públicas, Gestão do Conhecimento e Desenvolvimento Regional da Universidade do Estado da Bahia (Uneb). Professor, Coordenador do Curso de Ciências Econômicas e de Pesquisa e Pós-Graduação do Instituto de Educação Superior Unyahna de Salvador.
Na semana passada foi instalada a Comissão Temporária de Igualdade, Combate a Discriminação e Promoção dos Direitos Humanos – CIDIS do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia. A cerimônia, em que também houve a posse dos membros titulares e suplentes, marcou um momento fundamental para aquela Corte porque a partir daquela data, o Poder Judiciário baiano assume a necessidade de travar, internamente, um dos debates mais fundamentais para nossa jovem, multicultural e pluriétnica democracia, que é o combate ao racismo, a discriminação e a intolerância como vetor primordial para a promoção da igualdade e, por consequência para maior efetividade da Justiça.
A despeito dessa discussão não ser recente, nem muito menos estranha as nossas diversas instituições, faz-se necessário registrar que muitos atores sociais entendem que o Poder Judiciário é, por natureza, o espaço institucional mais conservador dentre três poderes da República e, por isso, via de regra, tem sido o último a ser permeável à dinâmica das transformações mais progressistas e inovadoras da sociedade contemporânea. A criação da Comissão significa, portanto, um passo substancial para garantir e ampliar a promoção da igualdade não só no âmbito do judiciário, mas também como elemento catalisador, incentivador e veículo fundamental para a consolidação das diversas políticas públicas já em curso, representando, assim, uma inflexão positiva na trajetória de tudo que vem sendo construído historicamente, no país, no âmbito dessas questões.
A sensibilidade e coragem do Presidente do Tribunal de Justiça, Desembargador Eserval Rocha, em editar o Decreto Judiciário nº 724/2014 que criou a CIDIS, representa uma quebra de paradigma no campo das políticas públicas voltadas para esse fim. Seguindo o caminho do Legislativo que já possui a sua Comissão de Promoção da Igualdade, e do Executivo que aprofundou seu arranjo institucional com a recente criação do SISEPIR – Sistema Estadual de Promoção da Igualdade Racial tendo a frente a Secretaria de Promoção da Igualdade Racial (SEPROMI) e o Conselho de Desenvolvimento da Comunidade Negra (CDCN), depreende-se da leitura daquele Decreto Judiciário, o resgate do estado da arte dos avanços institucionais que vem se consolidando mais profundamente nos últimos 12 anos no país.
Ao incorporar no ato normativo interno do Poder Judiciário da Bahia a Lei Federal 12.288/2010 que instituiu Estatuto da Igualdade Racial e a Lei Estadual 13.182/2014 que instituiu o Estatuto da Igualdade Racial de Combate a Intolerância Religiosas do Estado da Bahia, o TJBA torna endógeno às suas institucionalidades o acúmulo desse debate que vem sendo travado, há muito tempo, em nossa sociedade. Sublinha, também, em algumas atribuições ordinárias da Comissão, responsabilidades que são muito caras aos atores sociais e agentes governamentais mais envolvidos nesse campo de atuação, quais sejam “fomentar a democratização do acesso à justiça aos grupos sociais vulneráveis da população, promover a igualdade, combater a discriminação e primar pelo respeito aos Direitos Humanos” e “propor adoção de políticas públicas e programas de ações afirmativas no âmbito do Poder Judiciário”.
Tanto do ponto de vista da questão racial no Brasil, em si, quanto das políticas públicas e da gestão do aparelho de Estado, entendemos que ao criar esta Comissão, a Corte baiana, dentre outras orientações, aponta para a relevância da acumulação formal e legal que resultou da intervenção dos diversos atores sociais, do movimento negro em especial, que conseguiu transformar as noções, conceitos, teorias e metodologia apropriados para tratar as diversas dimensões do racismo, principalmente, o Racismo Institucional, nas estruturas de Governo e de Estado.
Na verdade, ao criar a CIDIS, o TJBA vem agregar valor a um conjunto de iniciativas que vem sendo recentemente implementado no Brasil: a criação do Ministério de Políticas de Promoção da Igualdade, SEPPIR, em 2003 e da Secretaria Estadual de Promoção da Igualdade, SEPROMI, em 2007, são exemplos emblemáticos disso.
Só nos primeiros anos após a criação da SEPPIR, muitos outros organismos congêneres ou afins surgiram em todo o País, e com eles, diversos programas, projetos, ações e iniciativas foram aprofundadas a partir da compreensão de que a questão das desigualdades raciais e do racismo não poderiam mais serem tratada apenas no nível dos órgãos consultivos e de controle social do poder público. Por mais limitados que fossem, era imperativo a criação de órgãos executivos, para a implementação de políticas públicas antirracistas e de ação afirmativas. Essas unidades administrativas, a grande maioria delas dirigidas por legítimos representantes do movimento negro, criaram um circulo virtuoso a partir de uma orientação institucional federalizada que possibilitou a ampliação da percepção da sociedade para a necessidade de intervenções cada vez mais especificas para combater o racismo e garantir direitos.
Apesar de ainda não estarem no estágio que consideramos satisfatório para o tamanho do desafio que a eles são determinados, esses entes de governo conseguiram atuar no sentido intragovernamental, intergovernamental e junto aos movimentos sociais e a sociedade civil, em nível nacional e internacional, incorporando e dando outras dimensões à trajetória que os primeiros organismos que tratavam da questão racial vinham desenvolvendo no processo de construção do complexo arranjo institucional que temos hoje.
Tudo isso nos leva a parabenizar fortemente a iniciativa do TJBA, mas também, chamar a atenção para a importância e a responsabilidade dessa nova estrutura funcional da Egrégia Corte da Justiça Baiana. Vislumbramos essa atitude como uma oportunidade ímpar para que aquela Casa possa implementar ações concretas, proativas e com métodos apropriados uma vez que, com o estoque de experiências institucionais já existentes, o momento agora é de menos formulações e de mais efetividade operacional e de governança. Esse é o nó górdio por trás de toda essa trama e, por isso, não se constitui numa tarefa fácil de ser realizada. Se tomarmos, por exemplo, a trajetória do Poder Executivo e do Legislativo, em todas suas esferas, observamos que todo o avanço nas formulações e desenhos institucionais existentes não tem sido suficiente para transformar, de fato, a cara das casas legislativas e muito menos a direção dos principais órgãos do aparelho estado. A gestão superior da estrutura governamental continua com o padrão racial, geracional e de gênero de sempre; e, em muitos casos, os efeitos deletérios das iniquidades na gestão também tem sido o mesmo de outrora.
De qualquer forma e como nosso “copo está sempre meio cheio”, celebramos a existência da Comissão acreditando que, finalmente, a Lança de Zumbi dos Palmares chegou ao Tribunal de Justiça do Estado da Bahia. A partir daí, não temos dúvidas que os membros dessa CIDIS: Des. Nilson Soares Castelo Branco, Des. Luiz Fernando Lima, Desa. Rita de Cássia M.M. Filgueiras Nunes, Des. Maurízio Kertzman, Des. Lidivaldo R. Raimundo Brito e os Suplentes Juiz Cássio José Barbosa Miranda e a Juíza Andremara dos Santos, passam a encorpar, de forma profundamente importante, o legado do nosso Herói Negro junto as fileiras de lutadores por um Brasil justo e mais igual. Axé!