Luiz Eduardo Romano

Direito

Advogado. Formado pela Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia - UFBA. Pós-Graduado em Direito Eleitoral e Pós-Graduando em Direito Constitucional. Vice-presidente da Juventude do União Brasil - Bahia.

O domingo de espetacularização processual penal protagonizada pela (perigosa) politização do poder judiciário

Após o país assistir à desclassificação do time da seleção brasileira, eis que insurge, em pleno domingo, dia 08 de julho de 2018, um acontecimento, esse sim inédito, que veio a causar profunda convulsão social em todo o território pátrio. O espetáculo às avessas não se tratava de futebol, nem mesmo da competição futebolística mundial entre trinta e duas nações. Tratava-se de matéria jurídica, que versava sobre uma conhecida figura nacional.

No dia do jogo do Brasil contra a Bélgica, sexta-feira, dia 06 de julho de 2018, três deputados federais filiados ao Partido dos Trabalhadores (PT), quais sejam Wadih Damous, Paulo Pimenta e Paulo Teixeira, impetraram um Habeas Corpus cujo paciente era o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, atualmente preso na sede da Polícia Federal em Curitiba, no Paraná.

A referida ação mandamental foi protocolizada em meio ao plantão judiciário do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, com sede em Porto Alegre/RS. A petição veiculava basicamente duas solicitações: A primeira pleiteava a suspensão da execução provisória da pena de doze anos e um mês de prisão a qual Lula foi condenado pela oitava turma do TRF4, albergado na ideia de que a decisão acometida estava desprovida da necessária fundamentação legal.

Já a segunda visava impugnar a prática de atos cometidos pela 13ª Vara Federal a partir da alegação classificada como inédita pelos impetrantes, que seria a pré-candidatura do beneficiário do Habeas Corpus ao cargo de Presidente da República, estando ele impossibilitado de praticar atos político-eleitorais, a exemplo do pretenso comparecimento à convenção nacional do seu partido, bem como de entrevistas, sabatinas, reuniões e ações públicas.

A partir do momento em que os autos processuais ficaram conclusos para apreciação do desembargador plantonista, resolveu esse, ao analisar as razões dissertadas no mandamus, conceder uma decisão liminar, cujo provimento apontava para a liberação do líder petista da carceragem policial após a publicação do alvará de soltura que conferisse tal ordem judicial. Começava a partir disso um calhamaço desenfreado de equívocos e ilegalidades que foram cometidas por magistrados possuidores da obrigação de aplicar fielmente os dizeres normativos. Estava iniciada as barbáries jurídicas de um domingo pós-eliminação da Copa do Mundo.

O magistrado que se encontrava a postos optou por conhecer, processar, julgar e deferir liminarmente acerca de um Habeas Corpus que não detinha – e nem apresentou na redação postulatória inicial – qualquer motivo novo que viesse a conferir plausibilidade jurídica para ser interposto perante o funcionamento em regime excepcional do segundo grau jurisdicional da quarta região. É patente, portanto, o vício processual da inépcia da petição vestibular, que deveria ser indeferida de plano pelo douto desembargador federal Rogério Favreto, o plantonista.

Ao ser concedido, ainda que erroneamente, vez que o ato decisório se debruçava sobre matéria que não poderia ser examinada por um plantão judicial, estava indo em direção contrária em relação ao que foi decidido pela 8ª Turma do TRF4, além de ter sido analisado após o encerramento da jurisdição do segundo grau, já que os juízos de admissibilidade dos Recursos Especial e Extraordinário em face da decisão acordada naquela corte já haviam sido realizados, o pedido de liminar para que Lula viesse a ser solto, o juiz Sérgio Moro, investido no primeiro grau de jurisdição, que naquele momento estava de férias, gozando dos prazeres que uma viagem ao exterior pode proporcionar, atravessou um despacho afirmando que o desembargador plantonista não tinha competência para julgar o feito em comento.

Insurge-se nesta toada alguns erros crassos cometidos pelo magistrado de piso, esse que não possui a prerrogativa de afirmar a incompetência de um julgador que lhe é superior hierárquico. Como se não bastasse tamanha inexatidão, Moro se pronunciou em meio ao deleite do afastamento de suas funções enquanto juiz quando estava com a sua atividade jurisdicional suspensa por ato voluntário, estando cessada, ainda que provisoriamente, a sua fé pública enquanto julgador.

Além disso, pairou no ar o questionamento a respeito de qual processo o mencionado jurista movimentou por intermédio do seu pronunciamento, com o intento, vale destacar, de descumprir o decisium prolatado liminarmente, afirmando que estava combatendo um ato manifestamente ilegal que foi praticado por autoridade tida por ele como incompetente e, por isso, após consultar o presidente da corte (fica a controvérsia de como essa comunicação foi feita, se por telefone, e-mail, WhatsApp ou alguma outra ferramenta), concebeu que o certo seria designar o caso para o relator originário do caso Lula no pretório, o desembargador João Pedro Gebran Neto. Mais um erro, pois um razoável conhecedor da organização do poder judiciário sabe que não existe hierarquia entre membros de um mesmo órgão judicante.

Cumpre-nos salientar o lamentável e pavoroso desacerto cometido por parte do Ministério Público Federal, que teve a iniciativa de propor um pedido de reconsideração ao desembargador que concedeu o pleito liminar, incorrendo em direta violação à lei pátria sobre o tema. O certo seria o parquet, para questionar o ato decisório, interpor o recurso de agravo em relação ao que foi julgado liminarmente ou proceder à reclamação constitucional. Nada disso foi feito, preferindo o MPF ser complacente com suas próprias – e recorrentes – incorreções.

Insatisfeito com a negativa do juízo basilar em cumprir a sua decisão já conferida ao paciente do mandamento constitucional, o desembargador Rogério Favreto expediu, pouco tempo depois, um novo despacho que determinava à diretoria da Polícia Federal que viesse a cumprir a ordem de soltura do ex-presidente Lula, argumentando justamente a incompetência de Sérgio Moro para decidir a partir dos dizeres por ele próprio afirmados.

Nessa toada, veio à baila a inadvertência de Gebran Neto, relator prevento da Lava Jato no TRF4, ao utilizar do instituto da avocação de competência, previsto no regimento interno da casa julgadora, por meio de um despacho exarado, com vistas a tomar para si o caso em testilha e poder decidi-lo livremente, sobrepondo-se ao juiz (desembargador) natural que estava de plantão.

Para o desfecho desse pesadelo jurídico, foi acionado o presidente do foro colegiado, desembargador Carlos Eduardo Thompson Flores, para conferir solução à balbúrdia impregnada no tribunal de sua jurisdição. Estabeleceu o condutor do TRF4 a cassação da decisão precária concedida pelo desembargador plantonista nos autos do Habeas Corpus impetrado em favor de Lula e, por conseguinte, que as páginas processuais fossem designadas ao responsável pela relatoria da famosa operação policial e jurisdicional na corte, que acabou por manter a extirpação daquilo que foi decidido pelo desembargador Rogério Favreto.

Dirimindo-se, neste momento, as preferências políticas de cada um, cumpre-nos alertar aos leitores – e à toda população – as deturpações provocadas pelo poder judiciário à aplicação da lei, que acabam por gerar, invariavelmente, o ensejo direito à contribuição engrandecedora da crise institucional que perpassa o Brasil, a mais grave de sua história.

Estamos vivendo em um período de proeminente insegurança jurídica, motivado pela excessiva politização daqueles que estão investidos na missão de julgar, de fazer justiça, de reconhecer direitos e dirimir conflitos, mas que, infelizmente, somente os procedem mediante aquilo que lhes forem – ou pareçam – benéficos, descredenciando ainda mais a estrutura judiciária brasileira. Independentemente da concepção partidária, é de se lamentar o ocorrido no último domingo, abalando, por óbvio, as nossas frágeis estruturas democráticas.

Em tempos de mudança, de eleições e de clamor por tempos hodiernos, que o judiciário também possa se reinventar, com o intento de cumprir não apenas a sua missão social de protetor dos bens da coletividade, mas que se faça valer enquanto instituição de fundamental importância para a vida na república.

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