31 outubro 2024
Discursos desencontrados e promessas pouco concretas do ministro Paulo Guedes (Economia) e equipe em relação aos novos tributos previstos na reforma tributária do governo geraram reação do Congresso e provocaram atritos internos na pasta.
Congressistas ouvidos pelo jornal Folha de S.Paulo afirmam que Guedes falha na comunicação, dificulta o trabalho do Congresso e parece buscar um novo imposto para cobrir todos os rombos futuros do governo.
Insatisfações são observadas tanto no novo imposto sobre transações defendido pelo ministro, quanto nas declarações feitas após a apresentação da CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços), novo tributo que pretende unificar PIS e Cofins.
Em promessas feitas nas últimas semanas, Guedes vinculou a aprovação de um imposto nos moldes da CPMF a uma série de benefícios.
Primeiro, ele disse que os recursos arrecadados seriam usados para a desoneração de encargos trabalhistas. Depois, a equipe econômica anunciou que o tributo também pode bancar a expansão do Bolsa Família. Na última semana, disse que também pode ser usado para aumentar da faixa de isenção do Imposto de Renda.
Mesmo em relação ao ponto específico da desoneração, há versões conflitantes.
Embora o ministro tenha exposto a intenção de reduzir encargos para trabalhadores com remuneração entre um e dois salários mínimos, seu assessor especial Guilherme Afif Domingos apresentou à Folha nova versão em estudo, com desconto parcial de tributos para todas as faixas salariais.
O texto ainda não foi apresentado.
A senadora Simone Tebet (MDB-MS), que preside a CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado, afirma que o governo entrou atrasado e de maneira equivocada na discussão da reforma.
Para ela, o ministro não está preocupado com o destino do dinheiro arrecadado com novo tributo, mas sim com sua criação.
“Ele não quer carimbar a destinação dessa nova fonte, quer a nova fonte para cobrir qualquer nova despesa”, disse.
“Ele não mostra que reforma é essa na parte do governo federal. Quando o governo não coloca a própria digital, perde na narrativa. Não adianta a reforma estar apenas na cabeça do ministro Paulo Guedes.”
Líder do Cidadania na Câmara, o deputado Arnaldo Jardim (SP) se soma às críticas. Para ele, é difícil o governo conseguir incluir a recriação do tributo em alguma negociação com o Legislativo.
“Não vamos aprovar a CPMF. Há um consenso de que esse é um péssimo imposto. É só uma vantagem arrecadatória e que não tem inteligência tributária”, afirmou.
“Não precisa criar nenhuma nova CPMF para compensar a desoneração da folha sobre salários.”
Outros congressistas também manifestam descontentamento com a abordagem do governo.
“Querer trocar a CPMF pela desoneração da folha que já existia é uma piada. E querer trocar por ampliação da isenção de Imposto de Renda é outra piada, porque está trocando tributo sobre a renda por tributo sobre a renda”, disse o deputado Marcelo Ramos (PL-AM).
Nos bastidores, deputados dizem que o governo incumbiu líderes do chamado centrão —grupo composto por partidos como PP, PL e outras siglas— de testar a aceitação do Congresso à nova CPMF.
Líder do PP na Câmara e líder informal do governo na Casa, o deputado Arthur Lira (AL), no entanto, descartou a recriação do tributo.
“Eu não sou a favor da CPMF. Acredito que, neste momento, nosso primeiro e maior desafio é emplacar a tramitação da reforma, promovendo justiça tributária e incentivando o crescimento”, disse.
Não é de hoje que o ministro testa a reação do Congresso em relação à contribuição compulsória.
Em setembro do ano passado, o então secretário da Receita, Marcos Cintra, foi demitido após propor a recriação do tributo. Desde então, foram várias as ocasiões em que Guedes sugeriu que seria preciso compensar programas do governo com uma nova CPMF.
Em todas elas, o Congresso se mostrou refratário à ideia. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), é o primeiro a encabeçar uma campanha contrária ao imposto, que, segundo ele, não passa.
Em seminário promovido pela Folha na quinta-feira (30), Maia ironizou as tentativas da equipe econômica de renomear o imposto para tentar melhorar a aceitação.
“Minha crítica não é se é CPMF, se é microimposto digital, se é um nome inglês para o imposto para ficar bonito, para tentar enrolar a sociedade. Minha tese é a seguinte: nós vamos voltar à mesma equação que foi de 1996 a 2004, 9% de aumento da carga tributária”, disse.
Em um elemento que dificulta os planos de Guedes, o secretário do Tesouro, Bruno Funchal, afirmou nesta semana que independentemente de eventuais ganhos de arrecadação, novos programas ou benefícios precisarão se enquadrar no já restrito teto de gastos.
“Para a gente andar com programas que gerem despesas primárias, temos de reduzir outras despesas”, disse. “O principal ponto [da reforma] é ter uma política que melhore a eficiência tributária e focar na qualidade da despesa”, disse.
Desse modo, mesmo que o governo use recursos da nova CPMF para bancar a expansão de programas sociais, por exemplo, ainda será necessário cortar gastos em outras áreas.
Em outro ponto da reforma, a assessora de Guedes Vanessa Canado, que participa da formulação das medidas, disse que o setor de serviços não será prejudicado pela unificação de PIS e Cofins.
“O setor de serviços será beneficiado porque é integrado às outras cadeias de bens e de produção”, disse, ao apresentar a proposta, acrescentando que a maioria das empresas do setor está inscrita no Simples Nacional e não será afetada.
A afirmação gerou desconforto entre auxiliares de Guedes, que tratam a declaração como errônea e afirmam, reservadamente, que Canado precisa ter “mais visão da realidade”.
A avaliação de Guedes é que a CBS pode, sim, aumentar a tributação sobre serviços. Como forma de compensação, ele quer desonerar a folha de salários, que compõe um custo relevante dessas empresas.
A implementação do benefício, no entanto, dependeria da criação da nova versão da CPMF.
Folhapress