Foto: Caio Guatelli/AFP
Medida não é consenso e será debatida no âmbito da PEC da Transição, que ficou para semana que vem 11 de novembro de 2022 | 18:03

Uso de receita extra para investimento pode elevar gasto fora do teto a R$ 198 bi

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A proposta de usar receitas não recorrentes para bancar investimentos fora do teto de gastos pode elevar a fatura da PEC (proposta de emenda à Constituição) da Transição para R$ 198 bilhões em 2023.

A possibilidade de destinar essa fatia da arrecadação ao financiamento de investimentos, até o limite de 2% da RCL (receita corrente líquida), foi divulgada na noite de quinta-feira (10) pelo relator do Orçamento de 2023, senador Marcelo Castro (MDB-PI), após reunião sobre a PEC na residência oficial do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).

A receita corrente prevista na proposta orçamentária é de R$ 1,15 trilhão. Um percentual de 2% seria equivalente a R$ 23 bilhões.

O valor se somaria aos R$ 175 bilhões necessários para manter o benefício mínimo de R$ 600 do Auxílio Brasil (que deve voltar a se chamar Bolsa Família), mais a parcela de R$ 150 por criança até seis anos. Essa despesa ficaria fora do teto de gastos —regra fiscal que limita o crescimento das despesas à variação da inflação.

A proposta de uso dos 2% da receita corrente líquida para investimentos foi incluída na minuta da PEC da Transição que está em negociação entre os parlamentares, assim como a retirada permanente do Bolsa Família do alcance do limite de gastos.

Interlocutores ouvidos pela Folha avaliam que essa versão ainda não é definitiva e pode mudar nos próximos dias. Nesta sexta-feira (11), o senador eleito Wellington Dias (PT-PI), representante do novo governo nas tratativas do Orçamento, divulgou nota informando que a apresentação formal da proposta deve ocorrer só na quarta-feira (16).

“Após as agendas de ontem [quinta], dado algumas sugestões apresentadas pela Câmara e Senado, sentimos a necessidade de voltar a conversar com o presidente Lula”, afirmou Dias.

A expectativa agora é que novas negociações sejam feitas entre a equipe de transição e as lideranças do Congresso.

A própria ideia de usar receitas extraordinárias para bancar investimentos não é consenso. No entanto, ela tem sido defendida por parte dos parlamentares para impulsionar obras e também despesas desse tipo em áreas como saúde, educação e pesquisa.

Um dos argumentos dessa ala é que o gasto extra teria uma espécie de lastro fiscal, isto é, seria realizada mediante o ingresso, no ano anterior, de alguma receita não recorrente —como um bônus de assinatura de contratos de exploração de petróleo.

Pela lógica em discussão, a arrecadação desse tipo observada em 2022, por exemplo, liberaria espaço para despesas no ano que vem, até o limite de R$ 23 bilhões. Caso não haja esse lastro fiscal, o gasto adicional não poderia ser realizado.

“Há uma ideia também, é preciso que a gente veja o texto como vem, de excepcionalizar 2% de receitas extraordinárias. Mas é um valor não tão expressivo”, disse Castro na quinta-feira. “[Os 2%] Seriam permanentes também, pelo menos é o que estou entendendo. Tem que ver como isso virá escrito na PEC. Gastar até 2% da receita corrente líquida.”

Mais cedo, Dias também havia confirmado a discussão sobre o uso das receitas extraordinárias.

“Essa proposta não foi da equipe de transição, surgiu na Câmara e no Senado. Pedimos um esforço sobre destinação de emendas, para uma parte significativa ser priorizada como ‘emendas para investimentos’, para ajudar a integrar e ampliar investimentos privados, com melhores resultados na economia social e fiscal”, afirmou.

Segundo o senador eleito, a meta é impulsionar os investimentos a 1% do PIB (Produto Interno Bruto), equivalente a cerca de R$ 100 bilhões.

Ao retirar o Bolsa Família do teto de gastos, o novo governo prevê liberar os R$ 105,7 bilhões hoje reservados ao programa na proposta orçamentária. O dinheiro pode ser redistribuído para ações com poucos recursos para 2023, como Farmácia Popular, aumento real do salário mínimo, ações de saúde, educação e obras públicas.

A PEC também deve prever uma exceção ao cumprimento da meta de resultado primário, que autoriza déficit de até R$ 65,9 bilhões em 2023. Mas essa medida valeria apenas no ano que vem.

A partir de 2024, o novo governo precisará incorporar o gasto com o programa na meta fiscal —o que forçará a exposição do déficit ou a adoção de medidas para contê-lo.

Outra excepcionalidade que valerá apenas para 2023 é a que alcança as regras da LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal). A PEC vai permitir à equipe de Lula criar uma nova despesa permanente sem necessidade de compensação, mas só no ano que vem.

Caso a nova administração queira, a partir de 2024, ampliar o valor para além dos atuais R$ 600, o aumento permanente do gasto precisará ser compensado pelo corte de despesas ou por alta na carga tributária do país, como exige a LRF.

Esse ponto tem sido considerado relevante diante de temores no mercado financeiro de que a retirada do programa do teto de gastos sirva como uma espécie de autorização para o futuro governo Lula elevar significativamente o valor do benefício.

O tamanho da fatura total da PEC também tem preocupado investidores, e contribuiu para o mau humor que se disseminou após o discurso do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), nesta quinta.

“Por que pessoas são levadas a sofrer para garantir a tal da estabilidade fiscal nesse país? Por que toda hora as pessoas dizem que é preciso cortar gasto, que é preciso fazer superávit, que é preciso ter teto de gastos?”, disse Lula.

As falas do petista foram mal recebidas pelo mercado financeiro, que teme um descontrole das contas públicas e do endividamento na esteira do aumento das despesas.

O vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin (PSB), reagiu a essas críticas. “Se há alguém que teve responsabilidade fiscal, foi o governo Lula”, afirmou. Aliados de Lula, por sua vez, avaliam que o mercado exagerou na reação negativa após o discurso do petista, mas uma ala admite que deve haver uma cautela maior por parte dele nas falas sobre economia.

Idiana Tomazelli / Folha de São Paulo
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