23 novembro 2024
Lucas Faillace Castelo Branco é advogado, mestre em Direito (LLM) pela King’s College London (KCL), Universidade de Londres, e mestre em Contabilidade pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). É ainda especialista em direito tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET) e em Direito empresarial (LLM) pela FGV-Rio. É diretor financeiro do Instituto dos Advogados da Bahia (IAB) e sócio de Castelo e Dourado Advogados.
A hostilização de figuras públicas, políticos e artistas, em momentos de lazer, por motivos político-ideológicos, virou moda no Brasil, quase um dever cívico. Esse comportamento só revela o que disse Sérgio Buarque de Holanda: no Brasil a democracia é um equívoco.
Ou seja, não se criou uma cultura democrática genuína, um ambiente minimamente propício para que a democracia florescesse. Ela foi importada por decreto e não encontrou acolhida na mente e no coração de nosso povo.
Na concepção do brasileiro, a única democracia que serve é aquela em que sua vontade predomina, a qualquer custo. Visões de mundo contrárias, imagina-se, devem ser aniquiladas. Cada um quer colonizar o outro para enfiar-lhe por goela abaixo sua pauta.
Mas convém dizer que falta de educação não é característica dos caudatários de um partido ou linha ideológica. Os maus educados estão distribuídos igualmente em todos os lugares. De tempos em tempos, um segmento se sobressai no noticiário.
Por outro lado, nenhum sistema de ideias está imune a crítica. A democracia, ou qualquer forma de governo, pode e deve ser criticada. Não só como ideia. Os agentes do estado responsáveis por fazer a roda gigante girar merecem vigilância constante por meio da crítica ácida. Isso, entretanto, não se confunde com a hostilização de pessoas, mediante xingamentos e ameaça de agressão, corpo a corpo, ultrapassando-se o limite do civilizado e adentrando-se na ilegalidade.
Um dos temas intrigantes no direito é o direito à privacidade de pessoas públicas. Uma das facetas do tema diz respeito a veiculação de fotografias de pessoas públicas pela imprensa, muitas vezes em momento de intimidade com a família, ainda que em local público. Tais conflitos envolvem a ponderação de interesses: a do público em obter informação, de um lado, e o direito à privacidade da pessoa pública, de outro.
O interesse público ganha peso a depender do valor informacional do que se veicula. Se há o propósito único de entreter, “matar a curiosidade”, sem o potencial de contribuir para o debate de interesse geral da sociedade, o direito à privacidade deve prevalecer. Por isso não se deve confundir interesse público com interesse do público, este sempre ávido por bisbilhotices.
Um caso interessante foi o da princesa Caroline de Mônaco, em razão de uma série de fotos publicadas por tabloides, sem o seu conhecimento, retratando sua vida cotidiana. O caso chegou à Corte Europeia de Direitos Humanos, que reverteu a decisão dos tribunais alemães, considerando que houve violação do artigo 8º da Convenção Europeia de Direitos Humanos.
Como a princesa não estava exercendo função oficial de Estado e o conteúdo das fotografias não contribuía para um debate de interesse geral, ela não tinha que tolerar, no contexto, a vigilância da imprensa. Prevaleceu a proteção da privacidade e da vida familiar.
Há algumas peculiaridades do caso que mereceriam destaque. Basta sublinhar, aqui, que nenhuma figura pública perde totalmente o direito à privacidade, ainda que esteja em público.
Se é assim para fotografias feitas de forma não invasiva, à socapa, por veículo de imprensa, com muito mais razão quando indivíduos munidos de câmera molestam outros cidadãos em bares, restaurantes, hotéis, impedindo o tempo de lazer com os seus e tolhendo-lhes a liberdade de ir e vir. Aí há clara violação do direito à privacidade e de outros direitos, com possíveis repercussões criminais, merecendo correção judicial. Quanto à falta de educação, essa é mais difícil de ser corrigida.