Lucas Faillace Castelo Branco

Direito

Lucas Faillace Castelo Branco é advogado, mestre em Direito (LLM) pela King’s College London (KCL), Universidade de Londres, e mestre em Contabilidade pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). É ainda especialista em direito tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET) e em Direito empresarial (LLM) pela FGV-Rio. É diretor financeiro do Instituto dos Advogados da Bahia (IAB) e sócio de Castelo e Dourado Advogados.

A (boa) hipocrisia inglesa

Certa feita um amigo brasileiro queixou-se dos ingleses por sua imensa hipocrisia. Achei estranho, considerando que os brasileiros não ficam para trás. Refletindo sobre o assunto, cheguei à conclusão de que o amigo adicionou à má hipocrisia a boa hipocrisia, de modo que só assim os ingleses superassem os brasileiros.

A hipocrisia, no sentido pejorativo, consiste na contradição entre a crença ou o padrão moral professado e a prática do indivíduo. A má hipocrisia é traço ruim de caráter. O hipócrita põe o dedo em riste para o comportamento alheio, critica-o a torto e a direito, escandalizando-se facilmente, mas, no final das contas, faz exatamente o que contesta, especialmente à socapa.

A hipocrisia boa, não. Ela é uma contradição aceitável entre o pensamento e o comportamento. Marca do mundo civilizado, contribui para a convivência equilibrada e harmoniosa entre as pessoas. A civilização não admite que expressemos nosso pensamento cotidiano tal como nos vêm a mente a respeito de nossos semelhantes. A sinceridade a todo instante não é bem-vinda e pode relevar má-educação, afinal de contas, ninguém seria amigo de ninguém sendo sincero o tempo todo. É o “sincericídio”.

A boa hipocrisia é clássica aos ingleses. É aquela que permite que as instituições funcionem adequadamente. Em uma desavença, no lugar de chamar o interlocutor de imbecil, idiota e mais uma porção de xingamentos censuráveis, desaguando, quiçá, nas vias de fato, o inglês formula uma frase elegante de discordância – que nem parece discordância – escamoteando seu real pensamento sobre o interlocutor. O outro, igualmente, rebate no mesmo tom. E assim ficam em uma espiral de hipocrisia fina e elegante. Todos vão para casa sem maiores danos.

No Brasil, falta a boa hipocrisia. As pessoas têm essa mania horrível de relevar o que pensam recorrendo-se ao instinto primitivo. Falta treinamento e sangue frio. Falta a hipocrisia inglesa referida. Todos estão cansados de testemunhar as mais altas autoridades brasileiras (mas não só elas), de diferentes esferas, engalfinharem-se como se fossem colegiais em briga de recreio.

Na esfera pública, havendo a obrigação da convivência com toda a sorte de gente, é preciso até mesmo elogiar o interlocutor vil, exaltá-lo – talvez em fina ironia a ponto de deixar a sinceridade em estado de dúvida, pelo contraste com as características da pessoa real. É preciso tratá-lo como se ele sempre se manifestasse com a mais pura boa-fé e, então, discordar educadamente.

Se for rebatido com agressividade, deve-se recorrer novamente à boa hipocrisia: espante-se, incrédulo, com a atitude alheia, proferindo novos elogios ao honorável interlocutor, cujo comportamento, naquele instante, não é revelador de sua personalidade, e discorde, mais uma vez, educadamente. Os danos e os vexames públicos serão minimizados.

Precisamos de mais hipocrisia, pelo menos a inglesa.

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