Lucas Faillace Castelo Branco

Direito

Lucas Faillace Castelo Branco é advogado, mestre em Direito (LLM) pela King’s College London (KCL), Universidade de Londres, e mestre em Contabilidade pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). É ainda especialista em direito tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET) e em Direito empresarial (LLM) pela FGV-Rio. É diretor financeiro do Instituto dos Advogados da Bahia (IAB) e sócio de Castelo e Dourado Advogados.

A Revolução Gloriosa

Quando da morte de Carlos II, assume o trono Jaime II, seu irmão e filho de Carlos I. Porque o partido realista formava maioria no parlamento (os Tories anglicanos), o novo rei encontrou inicialmente amplo apoio. Por outro lado, o receio do papismo e do absolutismo cresceu. Sua mulher, Maria de Módena, era católica e, embora o Rei tivesse assumido o trono por meio de uma cerimonia protestante, não tardou em frequentar abertamente missas católicas.

Uma tentativa de apear Jaime II, encabeçada pelo conde de Argyll e pelo Duque de Monmouth, filho ilegítimo de Carlos II, falhou. O Duque foi derrotado na batalha de Sedgemoor e seus leais companheiros executados, evento que ficou conhecido como “Bloody Assizes” (ou Inquéritos Sangrentos). Esse cenário serviu para Jaime II criar um exército católico sob o pretexto de tentativa de revolução, até mesmo como forma de intimidar o Parlamento. De fato, o Rei exigiu que o “Test Act” (ou Ato de Prova), lei que impunha prova de lealdade à Igreja Anglicana, fosse abolido, a fim de permitir que católicos assumissem postos na administração pública. Naturalmente, o Parlamento resistiu, o que fez Jaime II suspender a sessão, passando a governar sem parlamento, além de exonerar ministros Tories.

Em 1686, Jaime II instituiu ilegalmente a “Court of Ecclesiastical Commission”, com o fim de eliminar a oposição clerical e romanizar a Igreja Anglicana. Em 1687, suspendeu as leis contra os católicos e os dissidentes (protestantes não alinhados com a Igreja Anglicana). Estes últimos, embora perseguidos pela Igreja Anglicana, preferiam a ela a ter que conviver em um país oficialmente católico. Parlamentares Tories, como Danby, ante as atitudes do Rei, encetaram conversa com os Whigs exilados, com objetivo de arquitetar um golpe. Assumiria o trono a princesa protestante Maria, filha do Rei, casada com Guilherme III, Príncipe de Orange, da Holanda.

Em 1688, Jaime II fez publicar a Declaração de Indulgência, que negava efeitos às leis punitivas aos católicos e Dissidentes. A Declaração deveria ser lida nas igrejas nos primeiros dois domingos de cada mês. O Arcebispo da Cantuária, William Sancroft, e mais seis bispos, peticionaram ao Rei solicitando a reconsideração da medida. Furioso porque os clérigos se negavam a ler a Declaração, Jaime, alegando sedição, mandou-os para a Torre de Londres (mais tarde, levados a júri, foram inocentados). A partir daí, toma vulto o sentimento geral dos ingleses de que o protestantismo e as liberdades estavam sofrendo séria ameaça. Contudo, havia um certo alento, pois ambas as filhas de Jaime, suas sucessoras presuntivas, Maria e Ana, eram protestantes fervorosas. Esse sentimento logo se esvaneceu quando Maria de Módena, a segunda mulher do Rei, deu à luz a um novo príncipe.

Uma carta foi enviada a Guilherme de Orange para que ele socorresse a Inglaterra da tirania e do catolicismo. Agora com um inimigo em comum, os Tories e os Whigs se aliaram. Guilherme não negou apoio, mesmo porque a aproximação com a Inglaterra significava um aliado contra a França católica. Sem resistência alguma, Guilherme marchou, conquistando espaço, sem derramar sangue, daí por que se fala, também, de revolução incruenta. Jaime, sua mulher e o príncipe partiram para a França.

Guilherme então foi feito líder provisório do governo por lideranças parlamentares aliadas e, por sugestão dos Whigs, convocou uma assembleia mandando citar todos os parlamentares sobreviventes do reinado de Carlos II. A reunião veio a se chamar Convenção, e não simplesmente Parlamento, pois, tecnicamente, a ordem não partira de um rei. A Convenção tinha por objetivo justamente estabelecer um acordo entre a realeza e o Parlamento. Uma vez eleitos os membros da Convenção Parlamentar, um impasse surgiu: agora que o inimigo em comum não era mais uma ameaça, as desavenças entre Tories e Whigs emergiram novamente. Os Tories acreditavam no direito divino do rei e queriam estabelecer a regência. Como Jaime ainda estava vivo, permaneceria rei formalmente, mas Maria e Guilherme governariam de fato. Os Whigs queriam soterrar de vez o direito divino do rei e enfatizar a preeminência do Parlamento. A regência, realmente, trazia um problema para o interesse de ambos grupos. O filho de Jaime com Maria de Módena continuava na linha sucessória, o que poderia causar desavenças futuras.

A solução encontrada pela Convenção foi engenhosa. Votou-se um documento declarando que Jaime, ao refugiar-se na França, havia abdicado ao trono, deixando-o vazio. Redigiu-se também a Declaração de Direitos de 1689, listando os malfeitos de Jaime, mas, para não ofender os sentimentos dos Tories e dos clérigos, a culpa foi atribuída aos ministros. Guilherme, por sua vez, foi claro em suas intenções: ou governaria junto com sua mulher ou retornaria para a Holanda.
A Convenção assentiu e o casal aceitou o trono assinando a Declaração de Direitos de 1689.

Dessa forma, curiosamente, um não-rei convocara uma assembleia que não era o Parlamento, para que ela, ao fim e ao cabo, não tendo sido legalmente instituída, conferisse legitimidade a quem a convocou. A Convenção, então, convola-se, formalmente, em Parlamento, de forma que os atos praticados por Guilherme antes da coroação foram validados retroativamente, como se rei fora desde a ordem de convocação, legitimando, por sua vez, a instalação do próprio Parlamento, que se inicia por um ato real.

A esse processo se chama Revolução Gloriosa. Por ele, estabeleceu-se definitivamente a monarquia constitucional inglesa, com a prevalência do Parlamento sobre a Monarquia. O protestantismo foi assegurado, juntamente com as caras liberdades inglesas. O direito divino do rei foi definitivamente posto para debaixo do tapete e a figura do rei passou a ser vista, pouco a pouco, como apenas uma peça da burocracia estatal, a qual poderia muito bem ser dispensada pelo poderoso Parlamento.

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