Elias de Oliveira Sampaio

Políticas Públicas

Economista do Ministério da Economia. Mestre em Economia e Doutor em Administração Pública pela UFBA. Autor de diversos trabalhos acadêmicos e científicos, dentre eles o livro Política, Economia e Questões Raciais publicado - A Conjuntura e os Pontos Fora da Curva, 2014 a 2016 (2017) e Dialogando com Celso Furtado - Ensaios Sobre a Questão da Mão de Obra, O Subdesenvolvimento e as Desigualdades Raciais na Formação Econômica do Brasil (2019). Foi Secretário Estadual de Promoção da Igualdade Racial (Sepromi) e Diretor-presidente da Companhia de Processamento de Dados do Estado da Bahia (Prodeb), Subsecretário Municipal da Secretaria da Reparação de Salvador (Semur), Pesquisador Visitante do Departamento de Planejamento Urbano da Luskin Escola de Negócios Públicos da Universidade da Califó ;rnia em Los Angeles (UCLA), Professor Visitante do Mestrado em Políticas Públicas, Gestão do Conhecimento e Desenvolvimento Regional da Universidade do Estado da Bahia (Uneb). Professor, Coordenador do Curso de Ciências Econômicas e de Pesquisa e Pós-Graduação do Instituto de Educação Superior Unyahna de Salvador.

Igualdade racial enquanto política pública de estado

Em 2010, o presidente Lula sancionou a lei 12.288 que instituiu o Estatuto da Igualdade Racial, estabelecendo um conjunto de Diretrizes e Políticas Públicas para a redução progressiva das desigualdades raciais que têm persistido ao longo da história da sociedade brasileira.

A dimensão continental do país, o diferenciado nível de empoderamento dos seguimentos que militam com a questão e sua articulação com poder público constituído, nos permite afirmar que, o Estatuto Nacional, é uma condição necessária mas não suficiente para a aplicação de seus dispositivos no nível subnacional. Na verdade, para a eficácia desses dispositivos faz-se necessário a criação e o aprimoramento de arcabouços institucionais estaduais, locais e até mesmo regionais para poder se pensar em garantir a efetividade desse instrumento de políticas públicas nos espaços federativos brasileiros.

Nesse sentido é que chamamos atenção para o Projeto de Lei  Projeto de Lei  20.785/2014, que institui o Estatuto da Igualdade Racial e Combate a Intolerância Religiosa, que encontra-se na Assembléia Legislativa do Estado da Bahia, para apreciação e votação após nove anos em que passou por várias discussões naquela Casa e que em março de 2013, foi encaminhado ao Executivo Estadual, com a indicação da necessidade dos ajustes pertinentes para atualização e correção de pontos considerados inadequados para  uma iniciativa do legislativo.

Vale lembrar, que o Projeto de Lei original (14.692/2005), de iniciativa do Deputado Estadual Valmir assunção (PT), foi fruto de uma profunda discussão com o Movimento Negro através da campanha “Na Fé e na Raça”, tramitou na Assembleia Legislativa por cerca de 6 (seis) anos. Retornou ao debate pelas mãos do Deputado Bira Coroa (PT) e mais uma vez teve a profunda participação do Movimento Negro através do Comitê Pró-Aprovação do Estatuto. No âmbito do Executivo estadual, coube à SEPROMI – Secretaria de Promoção da Igualdade Racial a tarefa de realizar os ajustes considerados pertinentes do ponto de vista  do executivo estadual, após escuta ao Movimento Negro Baiano e interação com áreas de governo.

A proposta ora em discussão no legislativo, além de garantir parte substancial da proposta original, contempla avanços no âmbito estadual, entre os quais: a própria criação da SEPROMI desde 2006; da Comissão Estadual para a Sustentabilidade das Comunidades Tradicionais (Decreto 13.247/2011); a Regularização Fundiária de Fundos e Fechos de Pasto e de Comunidades Quilombolas em terras públicas estaduais (Lei 12.910/2013); a instituição da Rede de Combate ao Racismo e à Intolerância Religiosa, e o  Centro de Referência para Combate aos Crimes de Racismo e Intolerância Religiosa NELSON MANDELA (Decreto 14.297/2013); o decreto 14.720/2013, de 29 de agosto, que institui a Política Estadual de Atenção Integral à Saúde da População Negra; além da Política Estadual para o incentivo do Empreendedorismo de  Negros e Mulheres no Estado da Bahia.

Dois aspectos merecem destaque no Projeto de Lei. O primeiro deles é a criação do Sistema Estadual de Promoção da Igualdade Racial. Esse Sistema propõe um arranjo institucional inédito no Estado e, talvez, no país, na forma e no conteúdo de tudo que foi produzido até então, por parte do poder público, ao incorporar todas as iniciativas de políticas transversais existentes sobre o tema, com a devida ênfase aos avanços realizados a partir de 2003, no nível nacional e 2007 no Estado da Bahia.

O segundo aspecto, diz respeito a uma demanda histórica dos movimentos sociais negros, que é a criação de uma fonte de financiamento específica para as políticas de promoção da igualdade. Nesse caso, o Estatuto propõe o Sistema de Financiamento para as Politicas de Promoção da Igualdade Racial, buscando avançar, não apenas na definição de uma fonte de financiamento, mas, principalmente,  na consolidação dos diversos dispositivos orçamentários e financeiros que já existem nas diversas peças programáticas de financiamento de políticas, nos diversos órgãos do aparelho de estado, considerando as suas respectivas particularidades e relações intragovernamentais e intergovernamentais consolidadas ou em fase de consolidação, o que, do ponto de vista da gestão pública garantiria a sustentabilidade financeira das políticas e diretrizes já em execução. O elemento novo e estratégico de tudo isso é a destinação de, no mínimo, 10% do orçamento do Fundo de Combate a Pobreza, para aplicação em projetos finalísticos das politicas públicas propostas pelo Estatuto, o que representará um incremento liquido mínimo de R$ 50 milhões por ano, para ser aplicado nas políticas previstas pelo Estatuto. Ou seja, o Poder Executivo do Estado da Bahia, está se propondo através de uma lei, reestruturar o modelo de parte significativa do financiamento de suas políticas públicas para garantir o foco e a efetividade nas políticas de combate ao racismo e de promoção da igualdade.

A questão fundamental é que todo esse novo arranjo institucional implicará, necessariamente, em externalidades positivas para além dos seguimentos prioritários a serem beneficiados, visto que, ao destacar atenção às mulheres negras, à juventude negra e os povos e comunidades tradicionais, seguimentos que historicamente sofrem dos piores indicadores sociais, fruto do racismo, do machismo e demais formas de intolerância, além concorrer para o seu empoderamento, o resultado final das políticas propostas pelo PL, será o aprimoramento do combate à pobreza e exclusão da maioria  da população baiana.

Por outro lado, o rearranjo orçamentário e financeiro proposto para dar sustentabilidade ao Estatuto, não exigirá o esforço de captação de nenhum centavo a mais do orçamento direto do Estado para esse fim, a despeito de proporcionar uma profunda reorganização e alavancagem de outras fontes de financiamento. Na verdade, a proposição em debate contribui, profundamente, para um novo modelo de gestão orçamentária governamental no sentido da reestruturação do uso otimizado de tudo que já existe, considerando as curvas de aprendizado especificas de cada área do governo que passou a tratar sobre esse tema nos últimos anos, quando da introdução da garantia de direitos como principio endógeno à formulação e execução de politicas públicas.

O resultado final esperado é que o Estatuto, quando de sua aprovação, concorrerá para a mais profunda experiência de Politicas Públicas de Estado para estruturar o enfrentamento das desigualdades na Bahia, condição única para se poder garantir o nosso processo de desenvolvimento.

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