Lucas Faillace Castelo Branco

Direito

Lucas Faillace Castelo Branco é advogado, mestre em Direito (LLM) pela King’s College London (KCL), Universidade de Londres, e mestre em Contabilidade pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). É ainda especialista em direito tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET) e em Direito empresarial (LLM) pela FGV-Rio. É diretor financeiro do Instituto dos Advogados da Bahia (IAB) e sócio de Castelo e Dourado Advogados.

O ônus da impugnação específica: análise comparativa

Se, em uma ação judicial, o autor afirma um fato, o réu pode adotar os seguintes comportamentos: admiti-lo expressamente; silenciar-se, o que equivale a admiti-lo (em alguns casos, a presunção de veracidade do fato não contestado é inadmissível); negá-lo sem qualquer qualificação; ou negá-lo qualificadamente, apresentando fato modificativo, extintivo ou impeditivo do direito do autor.

O réu pode negar o fato afirmado não só quando acreditar que ele não ocorreu ou não ocorreu da maneira narrada, mas também quando desconhecer completamente o que se afirma. Fazendo isso, ele o torna controverso e, não havendo inversão do ônus da prova, cumprirá ao autor provar o que alegou.

Na prática, há várias maneiras de se impugnarem especificamente as alegações do autor. Parece-me que a do direito anglo-saxão é muito mais eficiente do que a da prática brasileira.

Nos Estados Unidos e na Inglaterra, tanto a inicial quanto a contestação têm seus parágrafos numerados (como toda peça processual). Isso facilita a maneira como as impugnações são feitas. Na contestação, o que se impugna em seu parágrafo 10, por exemplo, diz respeito as afirmações de fato que foram feitas no parágrafo de mesmo número da inicial.

Suponha que na inicial o autor tenha dito o seguinte no parágrafo 10, devidamente numerado:

“10. No dia 21 de outubro de 2020, o réu invadiu o computar da empresa autora, violando o segredo industrial “x”.

O réu impugnaria o fato afirmado no parágrafo 10 da inicial no parágrafo de mesmo número da contestação. Seguem possíveis exemplos:

“10. ADMITE”; ou
“10. ADMITE que houve a invasão, mas NEGA que houve a violação do segredo industrial ‘x’.”; ou
“10. NEGA”; ou
“10. NEGA, pois no referido dia o réu estava em coma no hospital por conta de um acidente.”

O autor, ainda, poderia ter escrito no parágrafo 11:

“11. O segredo industrial quebrado decorre de um contrato entre a empresa autora e a empresa Y, e esse contrato contém cláusula que dispõe que a revelação do segredo a terceiros implica multa contratual de um milhão.”

Caso o réu não tenha conhecimento da afirmação de fato citada, poderia contestar assim:

“11. O réu desconhece as afirmações do parágrafo 11 e dessa forma NEGA o que nela consta.”

Essa forma de contestar é estranha à nossa prática. Imagine-se páginas inteiras com vários “admite” e “nega” em sequência.

No Brasil, em regra, o réu inicialmente faz síntese do que o autor afirmou e, depois, apresenta sua versão. Isso é fonte de inúmeros problemas, mesmo aceitando-se que, embora não haja negativas expressas, as alegações do autor que forem incompatíveis com as do réu sejam tidas como controvertidas.

Primeiro porque, ao apresentar sua versão, o réu corre o risco de não impugnar algum fato específico que não seja realmente incompatível com o resto de sua narrativa.

Segundo porque, por vezes, é extremamente difícil saber exatamente se duas narrativas contêm pontos específicos propriamente incompatíveis, a fim de concluir-se pela existência de uma negativa implícita.

Assim, no final das contas, não é incomum remanescer nos autos um emaranhado, um novelo, um verdadeiro quebra-cabeças de afirmações com relação as quais se deve fazer esforço considerável para destrinchar-se o que foi e o que não foi realmente negado.

Uma consequência importante disso é que os juízes brasileiros, já assoberbados de processos, raramente cumprem o que determina o art. 357, II, do CPC (delimitação das questões de fato sobre as quais recairá a atividade probatória por ocasião do saneamento).

Não há nada mais fundamental em um processo do que a delimitação dos fatos controversos; sem isso o processo caminha para a instrução como um barco sem rumo. O reconhecimento dos fatos incontroversos também é fundamental para que o juiz possa decidir pelo julgamento antecipado do mérito (total ou parcial, dependendo da situação).

Alguém poderá bradar que o modo de contestar anglo-saxão carece de estilo. Mas processo não é concurso de beleza literária. O pragmatismo anglo-saxão é benéfico para todos os envolvidos e torna o processo muito mais racional, uma vez que se deixa patenteado o que foi realmente impugnado.

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