23 novembro 2024
Lucas Faillace Castelo Branco é advogado, mestre em Direito (LLM) pela King’s College London (KCL), Universidade de Londres, e mestre em Contabilidade pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). É ainda especialista em direito tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET) e em Direito empresarial (LLM) pela FGV-Rio. É diretor financeiro do Instituto dos Advogados da Bahia (IAB) e sócio de Castelo e Dourado Advogados.
Há quem imagine que a função do juiz é julgar o caso de acordo com o seu senso de justiça. E há juízes que pensam assim. Mas se o juiz devesse julgar de acordo com seu senso de justiça, as leis seriam, em boa medida, desnecessárias. Então, o juiz deve julgar de acordo com a lei, pouco importando se o resultado da interpretação se conforma com seu senso de justiça. E a interpretação não deve ser manipulada para que o resultado se amolde ao seu desejo.
Em uma sociedade multicultural, querer que o juiz julgue de acordo com seu senso de justiça significaria eliminar a segurança jurídica, pois pessoas com visões de mundo diferentes têm, de boa-fé, percepções de justiça diferentes. No judiciário, deve-se almejar a uniformidade do direito. Assim, a lei, boa ou ruim, é a lei que se tem, e não cabe ao juiz buscar corrigi-la.
Aristóteles já reconhecia que a aplicação da lei aprovada, concebida para casos gerais e não todos os particulares possíveis, poderia levar a resultados injustos. Desse modo, ele admitia que o juiz corrigisse a lei para adaptá-la à situação particular, como mandamento de justiça (epikeia). Entretanto, tal faculdade não é dada aos juízes nos sistemas legais modernos.
É claro que toda lei exige interpretações. É justamente por isso que existem os métodos e os cânones hermenêuticos. Eles tornam a interpretação a menos pessoal possível, evitando que a vontade do juiz prevaleça sobre a vontade da norma. O esforço do juiz, então, centra-se na aplicação de técnicas de interpretação, devendo ele aceitar o produto desse esforço.
Há juízes, por exemplo, que, para afastar a aplicação de uma regra, valem-se de princípios jurídicos, como se estes devessem se conformar às regras, e não o contrário. Esse proceder é, evidentemente, indevido, e é reflexo justamente da tentativa de fazer prevalecer a vontade do julgador em prejuízo da lei legitimamente aprovada.
Situação diversa é a do juiz quando ele se confronta com situações de conflito de direitos constitucionais moldados por princípios. Nesses casos, usa-se a técnica da ponderação. Por meio dela, há maior possibilidade de se inserir uma visão pessoal à decisão, embora, por certo, ela deva ser fundamentada em valores reconhecíveis na sociedade em questão, a partir da interpretação do texto constitucional.
Contudo, tal margem de discricionariedade é reduzida significativamente se, sobre o tema em apreço, já existir entendimento da corte constitucional. Assim, em última análise, são os magistrados das cortes constitucionais que imprimem um tom menos objetivo às decisões judiciais.
Isso é tão verdadeiro que se sabe que o perfil ideológico do candidato à corte constitucional é importante. A visão de mundo de seus membros afeta o resultado da interpretação. Isso faz parte do jogo democrático e deve ser encarado com naturalidade.
Entretanto, não se deve confundir o perfil ideológico do candidato e o seu compromisso com certos valores com troca de favores. O nomeado não contrai dívida com o grupo que o indicou, no sentido de livrar seus caudatários da força da lei.
É preciso compreender que, dada essa amplitude de interpretação das normas constitucionais que encerram valores, faz completo sentido, por coerência ao sistema político democrático, que os membros da suprema corte sejam indicados pelo presidente, eleito pelo povo, e confirmados pelos membros do senado, também eleitos pelo povo.
Preserva-se, assim, alguma legitimidade democrática no julgamento de questões de alta carga valorativa apreciadas pela suprema corte. Afinal, a interpretação constitucional, especialmente quando envolve princípios, é um compósito de considerações jurídicas envolto em considerações políticas, filosóficas, históricas, desencadeada pela leitura do texto constitucional.
Aventar um mecanismo de nomeação diferente é relegar para pessoas não investidas de legitimidade popular a escolha dos membros de um tribunal que, querendo ou não, tem certa feição política e cujas decisões têm impacto relevante na formatação da sociedade que se pretende construir.