Foto: Reprodução/Arquivo
Presidenciável Jair Bolsonaro, do PSL 30 de agosto de 2018 | 07:45

Bolsonaro e o desapreço pela democracia, por Raul Monteiro*

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O teor da entrevista dada anteontem pelo candidato Jair Bolsonaro ao Jornal Nacional praticamente redefiniu o debate presidencial que o país – e não apenas os postulantes ao seu comando político – precisa enfrentar com o máximo de urgência e responsabilidade. Dada a posição de liderança do presidenciável do PSL nas pesquisas, quando o ex-presidente Lula (PT) não concorre, e as insinuações ou aviso que deu com relação à possibilidade de uma intervenção militar no país depois das eleições em que espera sair vitorioso, a discussão sem dúvida migrou sobre como tirar o país da crise para como evitar que se torne uma ditadura.

Aliás, se o candidato não se retratar diante da gravidade do que deixou no ar, ao endossar o posicionamento de seu vice, um general da Reserva, segundo quem as Armas podem impor uma saída ao país, o economista Paulo Guedes, considerado o cérebro econômico de sua campanha, deveria por bem, num ato de patriotismo e responsabilidade, afastar-se de forma clara do projeto de Bolsonaro, se é que tal existe e não passa, como ele deu a entender na entrevista, exclusivamente de um desejo de tomar o poder pelo poder. Nos 27 minutos em que foi sabatinado, o presidenciável do PSL confirmou que o nível de seu apreço pela democracia é baixíssimo.

Destilou toda a superficialidade do seu populismo por meio das teses que defende como se fossem essenciais, quando na verdade não passam de secundárias, ridiculamente acessórias. Qualquer adolescente minimamente informado sabe que é reativando a economia e diminuindo a desigualdade que se pode reduzir a violência, mas Bolsonaro prefere dizer que é armando, matando e condecorando quem mata. É claro que o candidato foi ajudado pela ingenuidade da dupla que o entrevistou, que deve ter aprendido depois daquela sabatina, tardiamente, que não é fácil constranger quem não tem valores e já domina há muito a arte da malandragem.

Constrangedor mesmo foi, para quem tem mais o que fazer e resolver num grande país apequenado pela crise, ver um candidato gastando o tempo precioso de sua audiência com uma bizarra discussão sobre um tal de kit gay, como se este fosse um tema do qual um presidente da República, cioso do seu ofício e papel, devesse se ocupar. Se Bolsonaro fosse pelo menos engraçado e espirituoso ou inspirasse alguma confiança de que de fato representa alguma, ainda que simplória, novidade, dava até para entender porque ainda tem gente deliberadamente se auto-enganando e dizendo sem a menor cerimônia que pretende vê-lo na Presidência.

Como candidato, sem dúvida ele tem o direito de dizer o que quiser. Aceitá-lo com o seu menosprezo pela democracia, único valor com que um país profundamente desigual e injusto como o Brasil ainda pode contar para construir coletivamente a saída para um período tão triste e difícil, depois de tê-la reconquistado com tanta luta e dor, é simplesmente desesperador. Como qualquer sociedade tem a classe política que merece, deve fazer sentido a aparição de sua figura popularesca. Achar que todos, mesmo aqueles que sabem que ele não deve ser levado a sério, deverão arcar com o ônus de sua escolha para presidente do país, é, no entanto, uma desumanidade.

* Artigo do editor Raul Monteiro publicado hoje na Tribuna.

Raul Monteiro*
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