Foto: Fabio Motta / Estadão
Mariana, em Minas Gerais 31 de janeiro de 2019 | 07:15

Mineradoras foram alertadas em 2014 sobre ‘perda de estabilidade’ da barragem de Mariana, diz investigação

brasil

O Ministério Público Federal de Minas obteve, por meio de cooperação internacional, um documento que revela que desde 2014 as mineradoras Vale e Samarco vinham sendo alertadas sobre a perda de estabilidade dos rejeitos na barragem de Fundão, em Mariana. A estrutura se rompeu em 2015, provocando a maior tragédia ambiental do País – o mar de lama que soterrou o distrito de Bento Rodrigues, atingiu outras 40 cidades de Minas e Espírito Santo, além de ter contaminado a Bacia Hidrográfica do Rio Doce. A investigação foi anexada aos autos de ação penal em que executivos da Vale, BHP Billiton e Samarco, respondem por homicídio de 19 moradores que morreram em meio à enxurrada de rejeitos. Na sexta-feira, 25, outra barragem da Vale se rompeu, em Brumadinho, a 50 km de Belo Horizonte, gerando mais uma tragédia ambiental e, desta vez, matando 84 pessoas, segundo os últimos dados do corpo de bombeiro de Minas. O documento obtido pela Procuradoria da República em Minas é uma carta do professor Peter K. Robertson, pesquisador de renome mundial, autor de de manuais de engenharia, e especialista em liquefação de solo. Segundo a Procuradoria, o acadêmico chegou a prestar serviços para Samarco, e sua carta à mineradora, ainda em outubro de 2014, apontava que ‘as estruturas da Barragem de Fundão, da Samarco, corriam risco de liquefação (fenômeno que, hoje, sabemos todos, veio a ser considerado cientificamente a causa do maior desastre ambiental brasileiro)’. “A Samarco, por ganância corporativa, cometeu a maior atrocidade ambiental da história brasileira e não poderia se beneficiar de sua própria torpeza, isto é, do fato de ter ocultado das autoridades (entre outras coisas) importante apontamento de renomado professor a respeito da liquefação em Fundão”, afirma o procurador da República Gustavo Henrique de Oliveira. A liquefação foi o fenômeno apontado pela Cleary Gottlieb Steen & Hamilton LLP, auditoria independente contratada por Samarco, Vale e BHP Billiton para identificar os fatores que levaram ao rompimento da barragem de Fundão, que atingiu distritos de Mariana, Minas Gerais, além de regiões do Espírito Santo. De acordo com o procurador da República Gustavo Henrique de Oliviera, o documento chegou ao conhecimento das autoridades em agosto de 2017, quando 22 executivos das mineradoras já haviam sido denunciados pelo crime de homicídio. O ex-funcionário da Samarco, André Fahel, em março de 2017, explicou ao Ministério Público Federal,que havia na Samarco, em grupo de profissionais do qual ele fazia parte, estudos a respeito de empilhamento seco de rejeitos, isto é, de modelos de disposição de rejeito sem utilização de água’. Segundo ele, neste contexto, a ‘companhia trouxe para o caso, dentre outras pessoas, o Professor Peter K. Robertson, uma autoridade mundial em liquefação’. “Segundo o profissional, um produto intermediário deste trabalho foi o estudo sísmico, corroborando o que consta da denúncia, que faz menção expressa ao estudo realizado pela Terratek sobre o assunto”, afirma a Procuradoria. “Ainda segundo a ata de reunião, ao produto desse trabalho tiveram acesso os membros da Gerência de Geotecnia (DAVIÉLY, WAGNER e GERMANO), bem como da Diretoria (KLEBER TERRA e RICARDO VESCOVI), sendo que o ITRB teria sido refratário à iniciativa”, diz o procurador. Daviely Rodrigues Silva (gerente), Kleber Terra (diretor), Wagner Milagres Alves (gerente) e Germano Silva Lopes (gerente), e Ricardo Vescovi, presidente afastado da Samarco, citados na ata, estão entre os denunciados pela Procuradoria. Por chamada online, a Procuradoria afirma que chegou a ‘conversar brevemente’ com Robertson, que chegou a entregar às autoridades em agosto de 2016, uma carta enviada a Fahel, com quem trabalhou na Samarco. Em razão do tom extremamente técnico dos estudos do especialista, o Ministério Público Federal requereu trabalho de perícia para identificar se o documento seria útil no âmbito da ação que busca responsabilizar os executivos pela tragédia de Mariana. “Em resumo, o consultor dr. Robertson, apesar de não ter indicado que a liquefação de Fundão era iminente, apontou que a construção/alteamento sobre rejeitos finos traria riscos palpáveis à estabilidade, bem como por perda de tensão, em determinadas condições de operação de carga, mudança de nível piezométrico ou atividade sísmica. E que o assunto deveria ser melhor estudado para se buscar solução de estabilidade”, afirmaram os peritos ao Ministério Público Federal, após análise da carta do especialista. Após constatada a relevância do documento à investigação, a Procuradoria pediu cooperação internacional com os Estados Unidos, para buscar documentos em poder de Peter k. Robertson. Em outubro de 2018, a documentação foi anexada à ação penal contra os executivos das mineradoras.

Estadão
Comentários