Foto: Najara Araújo/Câmara dos Deputados/Arquivo
Plenário da Câmara dos Deputados 09 de agosto de 2021 | 22:01

Bolsonaro envia ao Congresso PEC para parcelar dívidas da União

economia

O presidente Jair Bolsonaro enviou ao Congresso a proposta que parcela o pagamento de dívidas judiciais do governo com empresas, servidores e beneficiários da Previdência, abrindo espaço no Orçamento de 2022 para turbinar o Bolsa Família (rebatizado de Auxílio Brasil) em ano eleitoral. Como mostrou o Estadão, a proposta vai diluir o desembolso dos “superprecatórios”, acima dos R$ 66 milhões, ao longo de dez anos. Valores até R$ 66 mil ficarão livres do parcelamento.

O envio da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) foi anunciado pela Secretaria-Geral da Presidência da República no início da noite desta segunda-feira, 9. No comunicado, a pasta confirma que haverá também mudança no cálculo de correção de dívidas judiciais – outra medida que abrirá espaço para mais gastos do governo no ano que vem.

A PEC cria ainda um fundo a ser abastecido com recursos de venda imóveis, dividendos de empresas estatais, alienação de participações societárias, concessões e partilha de petróleo. Segundo o governo, os valores poderão ser usados para abater dívida pública ou antecipar o pagamento dos precatórios parcelados. As despesas do fundo ficarão fora do teto de gastos, a regra que limita o avanço das despesas à inflação.

No comunicado enviado pela Secretaria-Geral, não há menção ao pagamento de um “bônus” às famílias beneficiárias do Auxílio Brasil com recursos do fundo, como vinha sendo estudado pelo governo. Segundo um integrante da equipe econômica, essa medida não está no texto encaminhado pelo Executivo e será discutida no Congresso para eventual inclusão.

Precatórios

A PEC prevê que as chamadas requisições de pequeno valor (precatórios de até R$ 66 mil) ficarão livres do parcelamento. Entre R$ 66 mil e R$ 66 milhões deve haver um regime de transição, em que o pagamento em prestações será possível sempre que o total de precatórios (descontadas as requisições de pequeno valor) superar 2,6% da receita corrente líquida da União. Nesse caso, o critério será pelo parcelamento das dívidas em ordem decrescente, ou seja, do maior para o menor valor. Acima de R$ 66 milhões, o parcelamento será a regra.

O governo também propôs uma mudança no cálculo de correção de dívidas judiciais. A PEC mudará o índice de correção para Selic, hoje em 5,25% ao ano. Atualmente, os precatórios tributários já têm seus valores atualizados pela Selic, mas os alimentares (que incluem benefícios previdenciários ou que envolvam salários de servidores) são corrigidos por IPCA (que acumula alta de 8,35% em 12 meses) mais o juro da poupança (equivalente hoje a 3,675% ao ano). Na prática, a atualização fica acima de 11% ao ano.

Para 2022, são estimados R$ 30 bilhões em precatórios previdenciários e R$ 13,7 bilhões em dívidas judiciais relacionadas a gastos com pessoal da União. É quase metade dos R$ 89,1 bilhões previstos para o ano que vem. No comunicado, a Secretaria-Geral da Presidência cita que o custo com correção de precatórios alimentares pode chegar a IPCA mais 6% ao ano.

Segundo uma fonte ouvida pela reportagem, o texto da PEC deve assegurar, de forma expressa, que a nova regra já valerá para as dívidas a serem pagas em 2022 – que se referem a ações julgadas em anos anteriores.

Nos bastidores, há a avaliação de que, embora o indexador atual (IPCA mais poupança) seja elevado, a medida pode acabar sendo questionada no Supremo Tribunal Federal (STF).

Até março de 2020, os precatórios eram corrigidos pela Taxa Referencial (TR, hoje zerada) mais o juro da poupança, mas no ano passado o STF entendeu que a atualização monetária precisa ser feita pelo IPCA-E. Em comentário na semana passada, a Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado apontou que, entre 2009 e 2021, a diferença entre os dois indexadores foi de 75 pontos percentuais. A troca, portanto, contribuiu para elevar a conta dos precatórios, que teve um crescimento de 61% na estimativa de 2022 em relação a 2021.

O presidente da Comissão Especial de Precatórios da OAB Nacional, Eduardo de Souza Gouvea, criticou o parcelamento das dívidas judiciais e afirmou que o governo contraria entendimento já consolidado no STF sobre a atualização monetária desses valores. Segundo ele, a corte desde 1992 se posiciona dizendo que a correção precisa “atualizar o valor da moeda”, ou seja, repor ao menos a inflação. Hoje, a Selic está abaixo do IPCA.

Gouvea disse ainda que os débitos tributários só são corrigidos pela Selic porque é aplicado o princípio da isonomia, uma vez que a taxa básica de juros é usada pela União para cobrar de seus devedores dívidas tributárias. Para ele, as medidas mostram que o governo federal quer “destruir o valor” dos precatórios e “forçar um deságio” para que ela possa quitar esse passivo com descontos benevolentes.

“O governo fala que os cidadãos esperam 30 anos pelo julgamento. Essa PEC causa novas lesões pelos próximos 30 anos”, afirmou o representante da OAB.

Entenda o parcelamento:

– Acima de R$ 66 milhões: poderão ser pagos em dez parcelas, sendo 15% à vista e o restante em parcelas anuais.
– Outros precatórios: poderão ser parcelados se a soma total for superior a 2,6% da receita corrente líquida da União, sendo o critério sempre os de maior valor. Segundo informações do Ministério da Economia, com essa regra, em 2022, seriam parcelados precatórios acima de R$ 455 mil.
– Até R$ 66 mil (requisições de pequeno valor): serão pagos à vista.

Estadão Conteúdo
Comentários