Foto: Divulgação/Justiça Federal-PR
Eduardo Appio foi afastado após suposto telefonema a filho de ex-relator da operação; Gabriela Hardt, que condenou Lula, irá substitui-lo 24 de maio de 2023 | 07:08

Reviravolta na Lava Jato e retorno de juíza aliada de Moro ressuscitam embate político

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A decisão do TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região) de afastar o juiz responsável pela Lava Jato em Curitiba provocou uma reviravolta na operação, deixando processos novamente nas mãos de uma juíza alinhada ao senador Sergio Moro e reacendendo o debate político sobre a investigação iniciada no Paraná.

Na segunda-feira (22), a Corte Especial Administrativa do tribunal retirou o juiz Eduardo Appio de suas funções provisoriamente em decorrência de uma investigação sobre um suposto telefonema para o filho do ex-relator da Lava Jato, no qual ele fingiria ser outra pessoa.

Nos últimos meses, Appio travou uma série de embates com lava-jatistas, com decisões que contrariaram antigos expoentes da força-tarefa e declaração de simpatia pelo presidente Lula (PT), que chegou a ficar preso por 580 dias, entre 2018 e 2019, após condenação decorrente da operação.

Agora afastado, ele será substituído inicialmente por Gabriela Hardt, que mostrou alinhamento com Moro na época em que ele ainda era juiz e que condenou Lula no processo do sítio de Atibaia (SP), em 2019 —em sentença que também foi anulada quando o Supremo Tribunal Federal reviu os processos do petista dois anos depois.

A reviravolta inflamou os debates políticos sobre a Lava Jato.

Moro e o ex-procurador Deltan Dallagnol (Podemos-PR), que teve mandato de deputado federal cassado na semana passada no Tribunal Superior Eleitoral, aproveitaram o afastamento de Appio para criticar o magistrado, que costuma se referir aos dois em tom negativo.

Políticos próximos ao governo petista questionaram a medida, vendo uma suposta blindagem do TRF-4 a antigas autoridades da operação.

O TRF-4 fixou o prazo de 15 dias para que Appio apresente sua defesa prévia no caso. O juiz afirmou que está em férias e que prefere não se manifestar no momento sobre o assunto.

O magistrado da Lava Jato havia tido atrito com o ex-relator Marcelo Malucelli em abril, após ter suas decisões revistas em segunda instância. O ex-relator passou a ser questionado na época sobre seu elo com o ex-juiz Sergio Moro.

O filho de Malucelli, o advogado João Eduardo Barreto Malucelli, é sócio do senador e da deputada federal Rosangela Moro (União Brasil-SP) no escritório Wolff Moro Sociedade de Advocacia.

No telefonema que virou objeto da investigação, ocorrido em 13 de abril, o interlocutor aparentemente tenta confirmar o vínculo de João Eduardo com Malucelli. Também questiona ao fim: “O senhor tem certeza que não tem aprontado nada?”, no que foi interpretado como possível ameaça.

Durante a ligação, o homem gravado disse que era um servidor da área da saúde do tribunal, que havia encontrado valores a devolver a Malucelli relativos a despesas médicas inseridas no Imposto de Renda, mas que não queria incomodar o juiz de segundo grau.

Também diz que está ligando de um número não identificado porque utiliza a chamada via Skype “para economizar valores da Justiça Federal” —procedimento que não existe.

Uma perícia da Polícia Federal apontou resultado que “corrobora fortemente a hipótese” de que a voz analisada é de Appio.

O corregedor regional da Justiça Federal da 4ª Região, Cândido Alfredo Silva Leal Júnior, afirmou que, em 13 de abril, Appio acessou um processo no qual era possível ver os dados do advogado João Eduardo Barreto Malucelli, como o número de celular.

Minutos depois do acesso, ocorreu o telefonema para o celular de João Eduardo no qual o juiz teria fingido ser um funcionário do TRF-4. João Eduardo desconfiou do contato, colocou a ligação em viva voz, e outra pessoa começou a gravar o diálogo. O vídeo com a conversa foi entregue à polícia.

O corregedor indicou que o magistrado de primeira instância pode ter violado ao menos seis normas previstas no Código de Ética da Magistratura e na Lei Orgânica da Magistratura.

Segundo Leal Júnior, ao fazer ligação utilizando identificador bloqueado e se passando por terceira pessoa, o juiz Appio estaria infrigindo trecho da lei no qual o magistrado tem o dever de “manter conduta irrepreensível na vida pública e particular”.

Ainda dentro do Código de Ética da Magistratura Nacional, o corregedor também indica violação ao artigo 37, que não permite “procedimento incompatível com a dignidade, a honra e o decoro de suas funções”, e ao artigo 4º, que exige do magistrado um comportamento “eticamente independente”, que “não interfira, de qualquer modo, na atuação jurisdicional de outro colega”.

O corregedor também apontou que houve a publicação, no perfil de um advogado e professor de direito, de um print de tela do sistema da Justiça Federal com dados pessoais do filho do ex-relator da Lava Jato.

De acordo com técnicos do TRF-4, o print só pode ter sido realizado por “usuário logado com o perfil de magistrado”. A postagem ocorreu no mesmo dia do telefonema.

A ordem de afastamento de Appio incluiu a imediata suspensão de acesso do juiz às dependências da Justiça Federal e a sistemas, como a rede corporativa interna. Ele também precisa devolver desktop, notebook e celular funcionais utilizados.

A decisão foi questionada pelo senador Renan Calheiros (MDB-AL), para quem o juiz “rastreia fraudes da Lava Jato” e, por isso, há “algo de podre” nas circunstâncias.

Ivan Valente, deputado federal do PSOL-SP, disse que tudo indica se tratar de “mais uma armação política”. “Dallagnol e Moro comemoraram, isso já diz muita coisa.”

Appio assumiu a 13ª Vara Federal de Curitiba em fevereiro e, desde então, se notabilizou por medidas controvertidas, como revisões de decisões antigas da operação. Também concedeu uma série de entrevistas a respeito dos processos —à Folha disse que a Lava Jato teve momentos “dignos de comédia pastelão”.

Em entrevista nesta semana, ele afirmou que usava o login “LUL22” no sistema da Justiça em protesto contra a prisão de Lula.

Entre suas determinações no período, anulou sentença expedida em 2017 contra o ex-governador do Rio Sérgio Cabral e mandou prender o delator Alberto Youssef, doleiro que foi pivô da Lava Jato. Ambas as medidas foram revistas pelo próprio TRF-4.

Também promoveu audiências por videoconferência com o advogado Rodrigo Tacla Duran, preso em 2016 e que costuma fazer acusações contra antigas autoridades da operação, como de extorsão.

Moro, em entrevista à GloboNews, chamou Appio de “emocionalmente desequilibrado” e disse que soube da gravação quando ela foi feita, em abril.

“Fiquei perplexo, recolhemos o material e entregamos ao tribunal, que fez toda a apuração. Nós nos distanciamos completamente, até para evitar qualquer tipo de questionamento”, disse Moro.

O ex-juiz da operação disse também, em rede social, que nunca tinha ouvido falar de situação na qual “o juiz de um processo teria ligado ao filho de um desembargador, que revisava suas sentenças, fingindo ser uma terceira pessoa para colher dados pessoais e fazer ameaças veladas”.

Em rede social, Deltan compartilhou o vídeo da gravação do telefonema atribuído ao juiz afastado e comentou que “essa é a nova Lava Jato do governo da vingança de Lula”.

“Não lutam mais para combater a corrupção, mas para se vingar de quem a combate”, escreveu Deltan.

Com o afastamento de Appio, a juíza substituta Gabriela Hardt assume temporariamente os casos da Lava Jato, dois meses após ter voltado ao noticiário ao atuar em investigação sobre plano de ataque contra Moro elaborado pelo PCC. A juíza, na ocasião, mandou prender 11 suspeitos.

Ela tirou o sigilo do caso pouco depois de Lula afirmar em entrevista que via “uma armação” na operação da Polícia Federal sobre o tema.

Catarina Scortecci / Folha de São Paulo
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