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O presidente eleito de Taiwan, Lai Ching-te, sorri para correligionários do lado de fora da sede do Partido Democrático Progressista 13 de janeiro de 2024 | 15:00

Taiwan elege candidato ainda mais anti-China como presidente

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Lai Ching-te, 64, do Partido Democrático Progressista (PDP), candidato mais favorável à independência da ilha, venceu as eleições e será o presidente de Taiwan nos próximos quatro anos, após votação neste sábado. A posse só acontece em 20 de maio.

Ele alcançou 40,1% dos votos, contra 33,5% de Hou Yu-ih (Kuomintang, KMT) e 26,5% de Ko Wen-je (Partido do Povo de Taiwan, PPT). Lai é o atual vice-presidente, e sua eleição representa a inédita terceira vitória seguida para um partido na ilha. Em pronunciamentos, Hou e Ko reconheceram sua vitória. Defensores da retomada dos contatos com a China, os dois chegaram a anunciar uma chapa única, mas não conseguiram acordo sobre quem seria o candidato.

O porta-voz do Escritório para Assuntos de Taiwan, Chen Binhua, disse em Pequim que os resultados mostram que o PDP “não pode representar a opinião pública na ilha”. Afirmou que as eleições “não vão impedir a reunificação”, acrescentando: “Nossa determinação é firme como uma pedra”.

Em seu discurso de vitória, com pausas para tradução em inglês, Lai começou saudando a própria eleição. “Nós mostramos ao mundo o quanto valorizamos a nossa democracia”, disse. “Este é o nosso compromisso inabalável”.

Depois acrescentou que foi uma mensagem à “comunidade internacional de que, entre democracia e autoritarismo, ficamos do lado da democracia. A República da China [nome oficial da ilha], Taiwan, vai continuar a caminhar ao lado das democracias ao redor do mundo”.

Especificamente sobre Pequim, afirmou: “Sob a premissa de igualdade e paridade, usaremos intercâmbios para substituir o obstrucionismo, o diálogo para substituir o confronto e buscaremos com confiança intercâmbios e cooperação com a China. Isto fará avançar o bem-estar das pessoas de ambos os lados do Estreito de Taiwan e alcançar o nosso objetivo de paz e prosperidade comum”.

Ressalvou, porém, que, “ao mesmo tempo, estamos também determinados a salvaguardar Taiwan das contínuas ameaças e intimidações por parte da China”.

Lai agradeceu os telefonemas de congratulação dos dois adversários e, citando o desempenho de ambos na eleição para o legislativo, disse esperar “trabalhar juntos”. Ainda sem os números finais, é certo que não haverá partido com maioria, o que deve forçar uma composição para a escolha de primeiro-ministro e parte do gabinete.

“O PDP não manteve uma maioria, isso significa que nós temos que trabalhar duro”, detalhou. “Eu defenderei o espírito de união democrática. Independentemente do partido, devemos escolher as pessoas pelo talento. E priorizaremos questões que sejam consenso entre todos os partidos.”

Em seu pronunciamento aceitando a derrota, Hou havia aconselhado Lai a buscar unidade com os partidos de oposição, diante dos “desafios, a crise no estreito, as relações complicadas entre EUA, China e Taiwan, para que o povo possa viver com segurança”.

Marcadamente contrário à China, Lai durante a campanha buscou se afastar de declarações anteriores, em que descrevia a si mesmo como “um trabalhador pragmático pela independência”. Passou a dizer que Taiwan já é independente, como República da China. Mas deslizes na reta final mostraram que sua capacidade de moderação é limitada.

No único debate entre os candidatos, há duas semanas, ele falou que não se pode confiar na Constituição da República da China para negociar com Pequim, indicando que poderia buscar mudanças. Foi uma divergência frontal com a postura histórica da presidente Tsai Ing-wen, também do PDP, mas de ala mais conciliatória.

“Esse tipo de comentário de Lai no mínimo levanta dúvidas quanto à sua capacidade de manter disciplina ao abordar questões sobre o estreito”, avaliou Amanda Hsiao, analista do “think tank” europeu Crisis Group, durante a transmissão da apuração na TV pública de Taiwan. Agora, o presidente eleito pareceu fazer uma correção: “Manter a paz no estreito é uma missão importante para mim. Respeitarei a Constituição da República da China”.

Não à toa, Lai foi contido e falou pausadamente. Para Hsiao, tanto Pequim como Washington vão medir as palavras dele até a posse, “num teste de como Lai se comporta, sobre segurança nacional e outros assuntos”. Ela acredita que o pronunciamento mais significativo, para tanto, será aquele a ser feito no próprio dia 20 de maio.

A eleição foi acompanhada com atenção por China e EUA, inclusive com uma reunião que tratou do tema em Washington, na véspera, entre o chefe do Departamento Internacional do Partido Comunista, Liu Jianchao, e o secretário de Estado, Antony Blinken.

Em Pequim, também um dia antes, a porta-voz do Ministério do Exterior, Mao Ning, afirmou que, “qualquer que seja o resultado, ele não vai mudar o fato básico de que Taiwan faz parte da China e de que só existe uma China”. Foi horas depois de o Ministério da Defesa chinês afirmar que iria “esmagar qualquer plano separatista”.

Nas primeiras horas da votação, que começou às 8h de sábado (21h de sexta em Brasília), a hashtag Eleição em Taiwan chegou ao alto da rede social chinesa Weibo, com mensagens em apoio à reaproximação. Mas ela acabou sendo derrubada, passando a entrar o aviso de que “o conteúdo deste tópico não está sendo exibido, de acordo com as normas”.

As urnas foram fechadas às 16h (5h em Brasília). O comparecimento foi inferior ao da última eleição, 69% contra 75% em 2020. Um dos motivos seria a desmobilização dos jovens taiwaneses, atentos a problemas como moradia, que não tiveram ressonância na campanha.

Ao longo do dia, os candidatos votaram sem incidentes nos seus distritos, Lai em Tainan, cidade no sul da ilha; Hou em Nova Taipé, onde é prefeito, e Ko em Taipé, a capital taiwanesa, onde foi prefeito, cidades no norte. O atual prefeito da capital, Chiang Wan-an, votou ao lado do vice de Hou, Jaw Shaw-kang. Bisneto do ex-líder Chiang Kai-shek, Chiang ganha estatura no KMT, a partir de agora.

Nelson de Sá/Folhapress
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