Foto: André Motta de Souza/Divulgação
Sede da Petrobras no Rio de Janeiro 17 de abril de 2024 | 17:00

Delator do caso Trafigura escalou o pai para receber propina de contrato com Petrobras

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Um dos investigados pelo Departamento de Justiça (DoJ) dos Estados Unidos, no caso que levou a empresa suíça Trafigura a admitir pagamento de propina na Petrobras, também prestou depoimento à extinta Operação Lava Jato. O ex-funcionário da estatal Rodrigo Garcia Berkowitz revelou aos investigadores brasileiros ter escalado o próprio pai para receber propina, em dinheiro vivo, da multinacional.

Em 28 de março, o DoJ anunciou que a empresa suíça, uma das maiores empresas de comércio de commodities do mundo, havia se declarado culpada e concordado em pagar mais de US$ 126 milhões para encerrar uma investigação sobre um esquema de corrupção envolvendo a Petrobras. A reportagem identificou que o acordo da Trafigura com o departamento americano reproduz informações semelhantes àquelas relatadas por Rodrigo Berkowitz à Lava Jato.

As declarações do executivo foram levadas a um processo aberto no Brasil em 2018. Em outubro de 2020, Berkowitz prestou depoimento à Justiça Federal em Curitiba, por videoconferência, e repetiu trechos da delação premiada firmada com a Lava Jato. A ação que acusa ex-executivos da Trafigura de pagarem propina de US$ 1,5 milhão a um ex-dirigente da Petrobras está parada.

No Brasil, a Trafigura ainda é alvo de um procedimento administrativo da Controladoria-Geral da União (CGU), aberto desde dezembro de 2020. O órgão apura “supostas irregularidades praticadas pelas empresas” do grupo. À reportagem, a CGU informou que o processo interno tem relatório final emitido “e encontra-se, no momento, no órgão de assessoria jurídica”. A investigação está sob sigilo.

“Ainda não há qualquer sanção administrativa imposta pela CGU nem um prazo determinado para decisão do mérito do processo. A prescrição da pretensão punitiva está prevista, a princípio, para 31 de dezembro de 2025″, registrou a controladoria.

O que o ex-funcionário da Petrobras disse nos EUA e no Brasil

Rodrigo Berkowitz trabalhou na área de trading de óleo e combustível, em Houston (Texas), pela Petrobras America, e com comércio externo pela estatal no Brasil. Berkowitz fechou um acordo com o DoJ e também prestou depoimento aos investigadores brasileiros, nos Estados Unidos, sob supervisão de autoridades federais do órgão americano. A delação premiada com a Lava Jato foi assinada em dezembro de 2019 e previu a devolução de R$ 2,3 milhões.

O executivo relatou à Lava Jato que ficava com 80% de “toda propina” e os outros 20% eram entregues a outro funcionário da Petrobras identificado por “Sardinha”. Segundo o delator, os valores direcionados a ele próprio eram entregues ao colega da estatal, uma vez que Berkowitz não estava no Brasil.

“Em determinado momento”, narrou, um executivo ligado à Trafigura pediu a troca de intermediário. O delator contou que “Sardinha” era considerado uma pessoa “pouco” discreta e ficava “perigoso continuar entregando dinheiro para ele”.

“Eu falei, ‘olha, se for uma outra pessoa, eu só teria como indicar o meu pai mesmo’ e ele concordou, eu falei com meu pai, o meu pai talvez tenha se encontrado com ele uma, duas vezes e pegou quantias em dinheiro com ele”, contou Berkowitz.

“Ele (o executivo da Trafigura) tinha medo de que aquilo vazasse de alguma forma e ele pediu pra que eu trocasse a interlocução, a quem ele deveria entregar, encontrasse uma pessoa que ele deveria entregar e foi quando eu indiquei o meu pai e ele concordou.”

Rodrigo Berkowitz disse à Lava Jato que o pai o questionou se ele continuaria “recebendo isso de forma corriqueira”. “Eu falei: ’sim pai, vou’. Foi quando ele falou ‘olha, acho que seria interessante a gente abrir uma empresa no exterior’”, relatou o delator. “Eu de pronto falei ‘não posso abrir no meu nome e não pode abrir no seu nome também, eu acho que fica inviável’.”

Segundo Berkowitz, a saída foi abrir a empresa em nome de um amigo de infância dele. O ex-funcionário da Petrobras contou ter combinado que o amigo receberia 1% “de tudo que entrasse nessa empresa”. “Acabou que a Pimelir (nome da empresa) não foi utilizada para receber propinas da Trafigura, foi posteriormente para receber de outra companhia”, narrou.

Um relato semelhante consta do acordo fechado pela Trafigura com o Departamento de Justiça americano e tornado público. O órgão preservou as identidades de ex-executivos da empresa suíça e da Petrobras, mas deixou a menção a Berkowitz. Três investigados foram chamados de “co-conspiradores”.

“Por volta de 2010, o Co-Conspirador 1 pagou subornos a Berkowitz em nome da Trafigura ao entregar dinheiro no Brasil para um parente de Berkowitz. Eles normalmente se encontravam no escritório da Trafigura no Rio de Janeiro para a entrega do dinheiro, que o parente então guardava em nome de Berkowitz até que ele pudesse buscá-lo no Brasil”, registrou o DoJ no acordo.

À Lava Jato, Rodrigo Berkowitz também citou um encontro em um evento da indústria de óleo combustível, em outubro de 2011, em Miami com investigados pelo Departamento de Justiça americano. A conferência foi mencionada no acordo entre a Trafigura e o DoJ. O documento registra que Berkowitz se reuniu com outros investigados em Miami, “onde eles discutiram o esquema e concordaram que a Trafigura continuaria a pagar propinas, por barril”.

Em comunicado publicado em seu site também em 28 de março, a Trafigura afirmou que concluiu uma investigação, divulgada pelo Departamento de Justiça “sobre a conduta de ex-funcionários e/ou agentes no Brasil, que ocorreu há, pelo menos, 10 anos”. “Essa conduta foi e é inconsistente com os princípios, termos contratuais e Código de Conduta da empresa”, afirmou a empresa.

Julia Affonso/Estadão
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