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Luiz Carlos Efigênio Pacheco, o Pandora, dono da Transwolff, é preso em operação que liga o PCC a empresas de ônibus 10 de abril de 2024 | 19:31

Dinheiro do PCC foi usado para licitações em SP e em compra de 50 ônibus, diz Promotoria

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Dinheiro obtido por meio de tráfico de drogas e outros crimes atribuídos ao PCC (Primeiro Comando da Capital) foram usados por duas empresas de ônibus para vencer licitações de transporte público na cidade de São Paulo e para a compra de ao menos 50 coletivos, de acordo com o Ministério Público.

As ilegalidades foram detalhadas em denúncia elaborada pelo Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado de São Paulo) contra as empresas Transwolff e UPBus, que transportam cerca de 700 mil passageiros por dia e receberam mais de R$ 800 milhões da Prefeitura de São Paulo em 2023.

Em operação deflagrada nesta terça-feira (9), foram denunciadas 26 pessoas pelos crimes de organização criminosa, lavagem de capitais, extorsão e apropriação indébita. Ao menos quatro acusados foram presos, entre eles, Luiz Carlos Efigênio Pacheco, o Pandora, dono da Transwolff, além de outras três pessoas ligadas à empresa.

O envolvimento de dinheiro do crime organizado com o sistema de transporte público paulistano foi apontado pelos promotores em transação ocorrida em 2015, quando a Transwolff precisou de um grande aporte financeiro para participar de uma licitação municipal.

Na então gestão do prefeito Fernando Haddad (PT), o certame exigia comprovação de capital mínimo de R$ 25 milhões para as empresas se tornarem aptas a concorrer.

Para se adequar à exigência, a Transwolff, que, até então, operava na zona sul da cidade por meio de contratos emergenciais, se associou à empresa MJS Participações Ltda.

As investigações mostram que a MJS foi usada para ocultar a injeção milionária de dinheiro na Transwolff, que teve salto no capital social de R$ 1 milhão para R$ 55 milhões em 2015. Os valores foram obtidos por meio de depósitos em dinheiro fracionados e sem origem demonstrada, segundo denúncia do Gaeco.

Parte dos depósitos incorporados ao capital social da Transwolff foram feitos via financiamentos de baixos valores em um pequeno banco da zona sul de São Paulo, do qual os sócios da empresa de ônibus também eram correntistas.

Outra parte veio de empréstimos feitos por 88 pessoas físicas e empresas individuais, sem qualquer capacidade econômica, das quais 39 eram ou se tornaram funcionários da Transwolff. “Tudo a evidenciar o propósito de dissimular e ocultar a origem ilícita do dinheiro”, diz trecho da denúncia do Gaeco.

Auditores da Receita Federal identificaram que a MJS Participações “não desempenhou nenhuma atividade operacional, não teve funcionários, não adquiriu nem alienou nenhum bem imóvel, não possuiu ônibus e não figurou como emitente ou destinatária de nenhuma NF [nota fiscal]”, segundo trecho da denúncia. A empresa foi extinta em 2019 e teve como sócios Pandora e Moisés Gomes Pinto.

Logo após a entrada da MJS, a Transwolff assinou um contrato emergencial com a SPTrans para explorar duas linhas de ônibus na zona sul da cidade.

Entre 2015 e 2022, após o aporte milionário da MJS, a empresa de ônibus incluiu 397 pessoas como cooperados, “algumas delas indicadas pelo PCC”, que passaram a receber repasses, de acordo com os promotores.

A MJS também fez depósitos regulares a Robson Flares Lopes Pontes, integrante do PCC, segundo o Gaeco. Ele é irmão de Gilberto Flares Lopes Pontes, o Tobé, um dos líderes da facção criminosa morto em 2021.

Um restaurante localizado no bairro de Socorro, na zona sul, foi usado no esquema de lavagem de dinheiro de Transwolff, segundo os promotores. A pessoa jurídica era responsável por emitir notas fiscais frias para justificar a contabilidade de parte das movimentações da empresa de ônibus.

O restaurante tinha contrato fictício de fornecimento de refeições a funcionários da Transwolff, diz a denúncia.

Entre 2015 e 2019, o comércio movimentou R$ 11,2 milhões em notas fiscais. Entre os produtos adquiridos, porém, os auditores da Receita encontraram alimentos em quantidades insuficientes para todas as refeições supostamente vendidas. Além disso, notas fiscais de compras de sacos de arroz e de feijão só foram emitidas ao longo de 2016, e não houve novas compras nos anos seguintes.

No mesmo período de quatro anos, o restaurante comprou 41,5 mil embalagens de marmita, sendo que as movimentações financeiras foram referentes à venda de 358 mil refeições.

Cheques enviados pela MJS à Transwolff no valor total de R$ 26.285.000 foram usados para a compra de 50 ônibus, em 2015. Os promotores afirmam que a transação foi feita para lavar dinheiro do crime. Posteriormente, em 2019 a mesma empresa doou 45 desses veículos como pagamento de supostos empréstimos feitos por empresas individuais de pessoas ligadas à própria Transwolff.

Em apenas um ano, de 2017 a 2018, o patrimônio de Pandora saltou de R$ 15 para R$ 80 milhões, segundo informações obtidas via quebra de sigilo bancário. A movimentação foi alvo de alerta do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) já que os valores eram incondizentes com sua ocupação.

Pandora foi indiciado em 2006 por formação de quadrilha sob a acusação de ter financiado o resgate do preso Nivaldo Eli Flausino Alves, o Branco, apontado como líder do PCC na época.

ACIONISTAS TERIAM USADO VEÍCULOS ANTIGOS PARA ENTRAR EM EMPRESA

Também em 2015 a UPBus, outra empresa de ônibus investigada no esquema, teve aumento de capital social de R$ 1 milhão para R$ 20,4 milhões, segundo registro na Junta Comercial. A denúncia do Ministério Público aponta que os novos sócios pagaram a entrada na empresa com veículos usados.

“A admissão de uma grande quantidade de pessoas físicas, cada uma delas individualmente proprietária de um veículo, sem qualquer valor agregado para a companhia, constituiu operação no mínimo atípica para os parâmetros de mercado, visto que cada uma dessas pessoas passou a exercer papel relevante no quadro societário da empresa entregando veículos que, em sua maioria eram usados e contavam, com muitos anos de uso”, afirma a investigação.

Ainda de acordo com a denúncia, a viação possui diversos acionistas com envolvimento direto com a cúpula do PCC ou com suspeitos de crimes. Entre os citados nominalmente está Anselmo Becheli Santa Fausta, o Cara Preta, apontado como um líder da da facção criminosa, assassinado a tiros em dezembro de 2021.

A denúncia aponta Silvio Luiz Ferreira, 46, o Cebola, como um dos dirigentes da UPBus. Ele não foi encontrado pela polícia durante a operação de terça e é considerado foragido.

A Receita Federal também encontrou indícios de que os veículos não foram declarados pelos três sócios iniciais.

Em um dos casos, um dos sócios declarou ter um único automóvel, mas teria integralizado cinquenta e três ônibus. Um outro sócio deixou de declarar dez coletivos. Um outro declarou dois, dos três ônibus pertencentes a ele.

Segundo a Receita, dos 77 novos sócios admitidos não houve identificação de aquisição de ônibus para 33 deles. O órgão analisou as declarações de imposto de renda dos primeiros cinco novos acionistas que constam da lista, e concluiu que nenhum deles teria capacidade econômica para a aquisição dos bens.

As duas empresas foram procuradas pela reportagem, mas não responderam.

Mariana Zylberkan/Paulo Eduardo Dias/Folhapress
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