Foto: Fábio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil
A ministra da Saúde, Nísia Trindade 11 de abril de 2024 | 18:30

Governo ainda tenta salvar Nísia, mas já tem possível substituto dentro do Ministério da Saúde

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Diante dos sucessivos desgastes que a ministra da Saúde, Nísia Trindade, vem enfrentando nas últimas semanas, o governo Lula já avalia o nome do médico sanitarista Adriano Massuda para assumir o ministério caso a permanência de Nísia se torne insustentável.

Professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e ex-secretário-executivo substituto do ministério na gestão de Alexandre Padilha entre 2011 e 2012, Massuda foi nomeado secretário de Atenção Especializada à Saúde (SAES) da gestão Nísia há duas semanas, após a crise nos hospitais federais no Rio derrubar o então secretário Helvécio Magalhães.

Fontes do Ministério da Saúde, do PT e do Congresso ouvidas pelo reportagem afirmaram que a escolha de Massuda para o posto não foi apenas uma medida para acalmar os ânimos com uma figura que goza de prestígio na academia e na vida pública, mas também uma estratégia para preparar o sanitarista caso não seja possível segurar Nísia no cargo. A reportagem tentou falar com Adriano Massuda, mas ele não retornou o contato.

De acordo com uma das fontes, Massuda é visto como um “jogador em aquecimento”, indicado pelo próprio Padilha, hoje ministro das Relações Institucionais, para ficar de sobreaviso caso a troca realmente seja necessária. Segundo fontes, no cenário de hoje, é incerto se a ministra resistiria a uma eventual reforma ministerial.

“Ele foi colocado lá e mandaram que se preparasse. Se piora a situação dela (Nísia), ele assume. O governo não quer vácuo para não dar ideia ao Centrão. Rei morto, rei posto”, disse uma das fontes, sob anonimato. O Ministério da Saúde tem o terceiro maior orçamento da União (R$ 231 bilhões).

A saída vem sendo estudada para que a pasta, uma das mais importantes e de maior orçamento do governo, continue sob controle de aliados do PT mesmo com uma eventual saída da Nísia e a pressão do Centrão para indicar um substituto.

Massuda é próximo à Padilha e, além de ter ocupado o posto de substituto da secretaria-executiva no primeiro governo da presidente Dilma Rousseff, foi também secretário de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do ministério em 2015, no segundo mandato de Dilma, durante a gestão do ministro Arthur Chioro, outro quadro antigo do partido.

A eventual escolha de Massuda também reduziria o risco de críticas de sanitaristas e cientistas, que veem Nísia como uma acadêmica e gestora respeitada – e um símbolo importante da defesa da ciência e da saúde pública após a gestão de Jair Bolsonaro.

Assim como a atual ministra, Massuda também tem trajetória de destaque como pesquisador e professor: além da docência na FGV, fez mestrado e doutorado em Saúde Coletiva na Unicamp, foi professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e pesquisador-visitante na Escola de Saúde Pública da Universidade Harvard, nos Estados Unidos. Foi ainda consultor da Organização Panamericana de Saúde (Opas) entre 2016 e 2019.

Na vida pública, além dos cargos no ministério, foi secretário municipal da Saúde de Curitiba entre 2013 e 2015, durante a administração do então prefeito Gustavo Fruet (PDT).

Nísia já fez 6 trocas no alto escalão em menos de 2 meses; Secretária de Vigilância está na mira

A chegada de Adriano Massuda foi uma das trocas importantes que Nísia fez em sua equipe nas últimas semanas, após sucessivas crises e uma cobrança dura do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na última reunião ministerial, realizada em 18 de março. Em menos de dois meses, foram ao menos seis trocas, incluindo dois dos oito secretários da pasta.

Na reunião, a ministra ouviu do chefe que deveria melhorar sua comunicação em relação à epidemia de dengue e foi cobrada pela crise nos hospitais federais do Rio. Do presidente, ouviu que ainda tinha a confiança do governo, mas que deveria trocar quem tivesse que trocar para resolver a crise.

Helvécio Magalhães, exonerado em 19 de março, foi a queda que mais surpreendeu os servidores da pasta e membros do PT, apurou a reportagem. Outro quadro antigo do partido, ele foi secretário do Ministério da Saúde durante o governo Dilma e, antes disso, ocupou cargos em mandatos de Fernando Pimentel (PT) em Minas Gerais quando o político foi prefeito de Belo Horizonte e governador do Estado.

Magalhães, no entanto, não resistiu ao desgaste pelos problemas nos hospitais do Rio. Em reportagem veiculada no Fantástico, da TV Globo, em março, ele teve seu nome envolvido na indicação de uma representante de uma empresa de construção civil para reuniões e eventual prestação de serviço nos hospitais. A situação foi denunciada por funcionários ao Ministério Público Federal (MPF).

Na esteira da crise nos hospitais federais do Rio, a ministra demitiu também o diretor do Departamento de Gestão Hospitalar (DGH), Alexandre Telles. Entrou em seu lugar a superintendente do Ministério da Saúde no Rio de Janeiro, Maria Aparecida Braga.

O outro secretário que caiu, este um pouco antes, em 22 de fevereiro, foi o médico Nésio Fernandes, então titular da Secretaria de Atenção Primária à Saúde (SAPS), responsável pela gestão de programas como o Mais Médicos. Servidores do ministério disseram que Fernandes estava gerando insatisfação interna por conduzir ações sem alinhamento prévio com a ministra e demais secretários.

Antes da demissão, Fernandes e o secretário-executivo da pasta, Swedenberger Barbosa, mais conhecido como Berger, chegaram a protagonizar uma saia justa durante uma reunião pública da Comissão Intergestores Tripartite (CIT), que reuniu representantes das secretarias municipais e estaduais de saúde e do ministério, no início de fevereiro.

No encontro, o então secretário de Atenção Primária fez uma apresentação sobre novo modelo de financiamento da área e, em seguida, foi desautorizado em público por Berger, que afirmou que não era possível pactuar os valores anunciados por Fernandes já que o orçamento ainda estava em processo de elaboração após aprovação no Congresso e vetos do presidente.

Fernandes foi substituído pelo também médico Felipe Proenço, que já era secretário-adjunto da SAPS e tinha a confiança do governo por ter sido o coordenador do programa Mais Médicos em sua primeira versão, ainda no governo Dilma, em 2013.

Com as trocas dos secretários – e ainda sem a certeza se Nísia será substituída por Massuda e, se for, quando isso aconteceria – a expectativa é que novas demissões ocorram nas próximas semanas nessas secretarias para que os novos titulares montem uma equipe de sua confiança.

Após a reunião ministerial, Nísia demitiu ainda a Diretora do Departamento de Atenção Primária à Saúde Indígena da Secretaria de Saúde Indígena (Sesai), a líder indígena e administradora Maria do Carmo Andrade Filha, mais conhecida como Carmem Pankararu. Segundo fontes internas, a demissão, ocorrida no dia 25 de março, estaria relacionada ao fracasso da ação federal em território Yanomami, onde o número de mortes aumentou em 2023 em relação a 2022 mesmo com o decreto de emergência sanitária na região – o governo diz que os dados da gestão anterior estavam subnotificados.

Foi colocada no cargo Maria Lucilene Martins Santos, também indígena e que já atuava na pasta como coordenadora-geral de Participação e Controle Social na Saúde Indígena.

Também no final de março, foi exonerada do cargo de coordenadora-geral de Vigilância das Doenças em Eliminação a médica Sandra Maria Barbosa Durães. A demissão ocorreu após reportagem do jornal Folha de S.Paulo revelar que o ministério havia deixado faltar medicamentos para hanseníase. Sandra é professora da Universidade Federal Fluminense (UFF) com carreira dedicada justamente à pesquisa da doença. O nome do seu substituto ainda não foi publicado.

Fecha a lista de trocas a saída de Márcia Luz da Motta da chefia de gabinete de Nísia. Psicóloga e mestre em Saúde Coletiva, ela era próxima da ministra desde a época que Nísia liderava a Fiocruz. Na edição do Diário Oficial da União de 4 de abril, quando sua exoneração foi publicada, consta que a saída foi a pedido, mas, nos bastidores, servidores dizem que a mudança foi recomendada pelo Planalto para ajudar no choque de gestão que o governo quer fazer na Saúde.

Assumiu como chefe de gabinete o bacharel em direito José Guerra, que ocupou cargos no governo federal nos mandatos de Lula e Dilma, inclusive na Casa Civil e Secretaria da Presidência da República. Em 2023, ele foi chefe de gabinete da então ministra do Esporte Ana Moser.

Nos corredores do Ministério da Saúde, alguns servidores tratam como provável mais uma demissão: a da secretária de Vigilância em Saúde e Ambiente (SVSA), Ethel Maciel. Ela já vinha sendo pressionada pelos números recordes de epidemia da dengue, que já acumula mais de 3 milhões de casos e 1.256 mortes. Oposição e alguns secretários de Saúde reclamaram que o ministério demorou muito a agir e errou ao não começar uma grande mobilização ainda no ano passado, quando projeções já davam conta de que 2024 teria um surto de grandes proporções.

Embora Ethel tenha uma carreira acadêmica respeitada – é enfermeira epidemiologista e professora da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) -, ela é alvo de críticas dentro da própria pasta por, assim como Nísia, ter uma conduta mais teórica e acadêmica do que prática.

Críticas são feitas também à ênfase dada pela secretária às suas aparições nas redes sociais. Ethel teria lançado uma campanha do Ministério da Saúde primeiro em suas contas privadas, em vez de privilegiar as redes da pasta, o que teria gerado desconforto internamente.

Na última semana, duas notícias abalaram ainda mais a imagem de Ethel: a redução de gastos do Ministério da Saúde com campanhas de comunicação contra a dengue e o fato de a secretária ter passado um mês de férias, parte dele em viagem ao exterior, durante janeiro, quando explodiu a epidemia de dengue no País.

Paula Ferreira/Fabiana Cambricoli/Estadão
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