Foto: Paulo Pinto/Arquivo/Agência Brasil
O presidente Lula 22 de abril de 2024 | 11:29

Governo Lula tenta desarmar ‘pauta-bomba’ de R$ 70 bilhões; bônus para juízes gera maior gasto

economia

O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva inicia a semana sob risco de enfrentar uma “pauta-bomba” no Congresso e ainda sem conseguir se acertar com os dois principais atores do Legislativo: os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Ambos detém o poder de controlar a pauta de votação no plenário das duas casas.

A gestão petista tenta agir em várias frentes para conter os impactos das propostas legislativas sobre as contas do Executivo. Uma delas envolve atuação direta do próprio Lula. Ele sinalizou que pretende conversar diretamente com Pacheco e Lira esta semana. A relação com o Congresso segue azedada com Lira declaradamente rompido com o articulador político oficial do Planalto, o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha.

Segundo cálculos do governo, projetos em tramitação no Legislativo podem gerar despesas adicionais de R$ 70 bilhões aos cofres públicos apenas este ano. A maior parte viria de um projeto patrocinado por Pacheco, a chamada Proposta de Emenda Constitucional que concede a integrantes do Judiciário o direito de receber um bônus a cada cinco anos de trabalho, chamado de quinquênio. Só o pagamento dessa fatura a magistrados e também para integrantes do Ministério Público está orçada em R$ 40 bilhões.

O governo negocia com o presidente do Senado e com o relator da PEC do Quinquênio, senador Eduardo Gomes (PL-TO), a possibilidade de alterar o texto da proposta no plenário da Casa, restringindo as categorias beneficiadas pelo adicional por tempo de serviço.

As conversas são preliminares, mas envolvem a possibilidade de diminuir as categorias beneficiadas, limitando os benefícios a tribunais superiores, por exemplo, ou vedar a aplicação do aumento para aposentados.

O líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), é quem foi destacado para a missão. Além das conversas para alterar o texto, também há uma articulação do Palácio do Planalto junto a alguns senadores da base governista para convencê-los de que a PEC acabou abrangendo muitas categorias, o que levaria a um impacto fiscal muito grande.

Apesar de Wagner estar dedicado a negociar a proposta, existe um grupo no governo cético sobre a possibilidade de a proposta avançar. Na Secretaria de Relações Institucionais, principalmente, há a interpretação de que Pacheco está pressionado por integrantes do Judiciário, setor onde tem bom trânsito, a dar andamento à proposta, mas que não a levará até o fim.

Em entrevista ao Estadão/Broadcast, o senador Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB), que também vice-presidente do Senado e um dos parlamentares a votar a favor da PEC na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa, disse estar disposto a discutir seu posicionamento no plenário da Casa.

“Tenho de ter responsabilidade. Estamos vivendo um momento em que o governo e nós, enquanto agentes políticos, nos deparamos com essa realidade fiscal. Não podemos desconhecê-la. Um passo dado como esse, na dimensão em que está se propondo”, afirmou o senador.

Além de Veneziano, outros senadores governistas, como Ana Paula Lobato (PSB-MA) e Angelo Coronel (PSD-BA), também votaram a favor da proposta na CCJ. O foco do governo está em convencer esses senadores a não seguirem o mesmo posicionamento no plenário.

O principal argumento usado é o impacto fiscal da medida. Jaques Wagner (PT-BA) citou, durante a sessão da CCJ, que dados repassados pelo Ministério da Fazenda indicam que, a depender da quantidade de categorias beneficiadas, o custo do quinquênio pode passar dos R$ 40 bilhões por ano.

Para garantir que a PEC não seja aprovada, o governo precisa que ao menos 31 senadores se ausentem ou votem contra o texto, já que é preciso ter 49 votos para aprovar a proposta. A PEC do Quinquênio iniciará, na próxima semana, o ciclo de cinco sessões de debates antes de ser votada em plenário.

A volta de Haddad para conter o Congresso
Em outra frente de atuação, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, antecipou sua volta ao Brasil dos Estados Unidos para tentar articular pessoalmente o desarme da “pauta-bomba” no Congresso. A preocupação é grande porque trata-se de um volume suntuoso para as contas públicas e pode prejudicar o objetivo do governo de cumprir suas metas fiscais.

“Pauta-bomba” é uma expressão usada para denominar projetos que geram gastos públicos e que estão na contramão do ajuste fiscal. Dentre elas, estão o pagamento de quinquênios para juízes e promotores, a desoneração previdenciária de municípios e o Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse).

O governo tem ciência de que muitos dos projetos se trata apenas de “bode expiatório” para pressionar por negociações. Daí, a avaliação de que quanto antes o ministro estiver em Brasília, fazendo articulações pessoalmente, maior a chance de conter a empreitada e evitar que novos itens sejam incluídos.

Reclamação generalizada de deputados
Nos últimos dias, aumentaram as reclamações de deputados sobre a falta de liberação de emendas parlamentares impositivas. Nessas modalidades, como as individuais e de bancada estadual, o pagamento é obrigatório, mas o governo controla o ritmo.

Para ter maior controle sobre as emendas, o Congresso aprovou na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2024 um cronograma para empenho de todas emendas impositivas e de pagamento das que são ligadas à saúde e à assistência social. Lula, contudo, vetou esse dispositivo.

O governo chegou a fazer um acordo político para manter o veto, com a promessa de que liberaria R$ 14,5 bilhões em emendas desse tipo até o fim de junho. No entanto, até agora, segundo fontes do Congresso ouvidas pelo Estadão/Broadcast, apenas cerca de R$ 2,7 bilhões foram pagos. Os deputados avaliam que o ritmo está muito lento, o que pode levar à derrubada do veto.

Na sexta-feira, 19, o instituto República.org divulgou manifesto contra a PEC. Para o instituto, a proposta “perpetua as desigualdades no serviço público e aumenta a já conhecida discrepância salarial entre as carreiras do funcionalismo”.

“Somos totalmente favoráveis à valorização dos servidores públicos brasileiros, essenciais ao bom funcionamento do Estado e aos serviços à população. E este é mais um motivo para sermos totalmente contra privilégios setoriais, que só aumentam as enormes injustiças existentes na administração pública”, afirma no manifesto, chamado de ‘O Brasil não merece a vergonha da volta dos quinquênios’.

O República.org é um instituto apoiado por meios filantrópicos. Apartidário, tem como principal objetivo discutir melhorias no serviço público brasileiro e buscar formas de engajamento, qualificação e valorização desses servidores brasileiros.

A principal linha argumentativa do instituto contra a PEC está na discrepância salarial entre as diversas carreiras do serviço público e na ausência de critérios de produtividade e desempenho para a valorização dos trabalhadores.

“Metade dos servidores brasileiros recebe salário igual ou menor a R$ 3.400 mensais. Precisamos, sim, repor perdas salariais, depois de 42% de inflação desde 2016 – mas quinquênios e supersalários não são a maneira de fazê-lo. A PEC só aumenta o fosso que separa uma elite do funcionalismo de sua base”, afirma.

Célia Froufe, Sofia Aguiar, Iander Porcella e Gabriel Hirabahasi/Estadão Conteúdo
Comentários