Foto: Wilton Júnior/Arquivo/Estadão
Sede da Eletrobras 28 de março de 2025 | 11:05

Eletrobras vendeu para irmãos Batista usina com concessão vencida há dez anos

economia

A Eletrobras vendeu para os irmãos Wesley e Joesley Batista uma usina térmica que já não era sua havia uma década. A conclusão do negócio, avaliado em cerca de R$ 822 milhões, está indefinida porque a empresa não possui um contrato de concessão válido da usina desde 2015.

A Folha levantou detalhes sobre o caso que, no limite, pode até levar à anulação da venda, dado o malabarismo administrativo que a transação passou a exigir.

A usina de Santa Cruz, localizada no bairro de mesmo nome, no Rio de Janeiro, entrou no pacote bilionário de aquisições que a Âmbar Energia, empresa do grupo J&F Investimentos, dos irmãos Batista, fez em junho do ano passado.

No entanto, a Eletrobras já não tinha mais formalmente poderes para vender a planta devido à falta de contrato válido.

A térmica Santa Cruz é uma usina antiga, inaugurada em 1967 e que pertencia à Furnas, empresa do grupo Eletrobras. À época, foi construída para atender à demanda crescente de energia do Rio de Janeiro, com queima de óleo combustível.

A planta operou dessa forma por décadas, até que, em 2004, teve um novo contrato assinado com a Eletrobras, convertendo suas turbinas para funcionar com gás natural. Sua potência foi ampliada e passou a gerar 350 megawatts, o suficiente para abastecer até 1,48 milhão de residências.

Mas essa concessão chegou ao fim e nenhuma medida concreta foi tomada entre a Eletrobras e o MME (Ministério de Minas e Energia) para prosseguir com o acordo. O MME é o responsável por autorizar a renovação da concessão ou, caso entenda mais viável, fazer uma nova licitação da usina, já que se trata de um bem público que foi concedido por um determinado período.

Mesmo sem concessão renovada, a térmica Santa Cruz seguiu operando pelas mãos da Eletrobras. Como a usina tinha contratos de venda de energia firmados com distribuidoras pelos anos seguintes, a Eletrobras manteve a operação, entregando energia regularmente.

Procurada pela reportagem, a Eletrobras afirmou que pediu ao ministério a prorrogação da concessão da térmica Santa Cruz no dia 5 de julho de 2013, ou seja, dois anos antes do contrato original vencer. Depois disso, nada foi feito e não há registro de nenhuma outra mobilização para resolver o caso.

Já o ministério declarou à Folha que não pode fazer nada a respeito, pelo fato de não possuir nenhuma informação sobre o tema. “Informamos que o processo não passou pelo Ministério de Minas e Energia (MME). Não sendo de conhecimento desta pasta, não é possível opinar sobre o assunto”, declarou a pasta.

A Folha questionou a Âmbar sobre a situação da compra firmada com a Eletrobras, mas a empresa não se manifestou sobre o caso.

A Eletrobras declarou que a prorrogação da concessão foi solicitada dentro do prazo legal e que a falta de deliberação pelo MME não alterou sua condição de “prestadora regular dos serviços”, ainda que de forma precária, do ponto de vista da lei (nº 12.783/2013). A lei citada pela empresa, de fato, dá respaldo jurídico parcial para que ela continue a operar provisoriamente, enquanto a concessão não é renovada.

Uma autorização precária de operação, no entanto, não equivale a uma nova outorga, tampouco confere à Eletrobras o direito de vender a usina. Não há base legal para manter a prestação por quase dez anos sem decisão do poder concedente.

A venda da termelétrica para os irmãos Batista foi anunciada em junho de 2024, quando a Âmbar comprou a planta de Santa Cruz e outras 12 usinas localizadas na região amazônica, por um valor total que pode chegar a R$ 4,7 bilhões. O acordo envolve um pacote de 2,1 Gigawatts em usinas térmicas, incluindo os 350 Megawatts da planta carioca. O preço de R$ 822 milhões de Santa Cruz refere-se, basicamente, ao preço médio de cada Megawatt negociado no pacote.

O caso passou a ser analisado pela Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), já que Santa Cruz foi vendida sem uma outorga válida, o que pode gerar problemas jurídicos. A conclusão da procuradoria-geral da Aneel é que a transação entre Eletrobras e Âmbar poderá prosseguir, mas isso depende de duas ações básicas.

Primeiro, é preciso que o MME –que diz não ter conhecimento sobre o assunto– autorize a renovação da concessão em nome da Eletrobras, e não só daqui para frente, mas de forma retroativa, já que há flagrante vácuo jurídico na gestão da usina.

Feito isso, será necessário, então, que o ministério também autorize o modelo de operação da usina, deixando de ser uma concessão de bem público para atuar como um “produtor independente de energia”.

“A solução jurídica viável seria a expedição de nova outorga em favor da Eletrobras para, em momento posterior, realizar-se a transferência da titularidade da outorga à J&F”, afirma a procuradoria da Aneel. “A possibilidade de transferência de titularidade da outorga pressupõe a existência de uma outorga vigente.”

André Borges/Folhapress
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