13 dezembro 2024
O PSL, partido pelo qual o presidente Jair Bolsonaro foi eleito e do qual ele se desfiliou nesta semana, recebeu uma em cada quatro relatorias designadas de projetos na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da Câmara dos Deputados. É a maior concentração histórica por uma legenda do chefe do Executivo.
O levantamento foi realizado a pedido da Folha pelo OLB (Observatório do Legislativo Brasileiro), plataforma que cruza dados e acompanha o desempenho dos congressistas.
Os períodos considerados são sempre os nove primeiros meses de funcionamento do Congresso em cada mandato de um presidente, começando com Fernando Henrique Cardoso (PSDB).
Nesta quinta (21), Bolsonaro lançou oficialmente o Aliança pelo Brasil, partido que pretende criar. A legenda tem forte apelo ao discurso de cunho religioso, à defesa do porte de armas e de repúdio ao socialismo e ao comunismo.
A CCJ é uma das principais comissões da Câmara e desempenha papel importante no processo legislativo. É considerada uma vitrine e motivo de status para os deputados por ter entre suas atribuições, por exemplo, a análise da admissibilidade de pedidos de impeachment de presidentes.
No primeiro semestre, a comissão, que tem 66 membros titulares, virou um campo de guerra entre governo e oposição durante a discussão sobre admissibilidade da PEC (proposta de emenda à Constituição) que mudou as regras da Previdência.
Nas próximas semanas, devem entrar em pauta temas que foram retirados do pacote anticrime do ministro Sergio Moro (Justiça), como a ampliação das causas excludentes de ilicitude.
A análise de distribuição dos projetos mostra que 26,8% das relatorias foram designadas para deputados do PSL –são sete titulares e oito suplentes.
O número supera os 21,1% do PT no primeiro mandato da ex-presidente Dilma Rousseff e os 20,3% também para petistas no primeiro governo Luiz Inácio Lula da Silva.
Fernando Meireles, pesquisador do OLB, lembra que a CCJ, por mais que seja uma comissão técnica, acaba refletindo o jogo político e disputas entre governo e oposição. Pode ser usada, por exemplo, para vetar proposições que desagradam ao Planalto ou acelerar a tramitação de pautas que interessam ao Executivo.
Ele vê a concentração como um sintoma de primeiros mandatos, uma tentativa de o partido do governo pautar as discussões parlamentares e alinhá-las a seus interesses.
Ainda assim, se diz surpreso com o número de relatorias atribuídas a deputados do PSL na CCJ, principalmente porque muitas proposições do Planalto encontram eco em outras legendas no Congresso.
“O Bolsonaro, hoje, enfrenta uma situação diferente da Dilma, porque, por mais que tenha mais partidos no Congresso, em tese o PSL está mais próximo da centro-direita, de potenciais partidos que poderiam ajudar o governo”, diz.
O que poderia ser uma facilidade esbarra em uma das bandeiras de Bolsonaro. O discurso do Planalto de que adotou uma nova política que foge da negociação tradicional com outros partidos demanda, na avaliação de Meireles, um esforço para evitar que outros partidos interfiram na agenda do governo.
“Não existindo nenhum tipo de coalizão, é essencial controlar os pontos que podem ter algum tipo de poder de veto”, afirma.
Além da distribuição de relatorias, o PSL também ocupa os principais postos de comando na CCJ. O presidente, o deputado Felipe Francischini (PR), é do partido, assim como a primeira-vice-presidente, deputada Bia Kicis (DF), e a terceira-vice-presidente, Caroline de Toni (SC).
Somente o segundo-vice, Lafayette de Andrada (Republicanos-MG), foge à regra. “É um bom indício de que o partido tentou controlar ao máximo que pôde essa comissão”, diz Meireles.
A concentração de relatorias nas mãos do PSL pode estar com dias contados. E justamente por um problema envolvendo o partido: a crise provocada pelo racha entre a ala que apoia Bolsonaro e os deputados alinhados ao presidente da sigla, Luciano Bivar (PE).
Francischini é um dos que ficou ao lado dos bivaristas na disputa pela liderança do partido na Câmara, vencida pelo deputado Eduardo Bolsonaro (SP), filho do presidente. Bia Kicis e Caroline de Toni cerraram fileiras com a ala bolsonarista.
“Nada garante que Francischini distribuirá relatorias de acordo com o interesse do governo. Relatorias de projetos importantes ao Planalto podem parar nas mãos de bivaristas”, analisa o cientista político Carlos Melo, do Insper. “Ganhou ares de esquizofrenia. O PSL é [era] o partido do governo e de oposição ao governo.”
Ele traça um paralelo com a criação do PSOL, formado por uma ala de dissidentes do PT que foram expulsos do partido por discordarem das políticas do governo Lula. “Mas o Lula passou por cima disso. E o PT permaneceu um partido com 96 deputados e coeso.”
Enquanto isso, Francischini atribui a concentração de relatorias com deputados do PSL ao maior interesse deles e por uma proximidade maior. “Por eu ser do partido, acaba que eu tenho uma entrada maior, um diálogo maior, para pedir agilidade nos relatórios”, diz.
Segundo ele, parte principalmente dos deputados a iniciativa de pedir a relatoria de um projeto. “Quando o projeto tem pedidos, eu prezo por isso. Analiso quem pediu. Se apenas um deputado pediu, eu coloco para esse deputado, se mais deputados pediram, eu converso com todos para tentar construir um consenso e entender qual o posicionamento”, afirma.
No caso de projetos sem demanda, Francischini diz usar critérios práticos e escolher congressistas mais ativos na CCJ, que participam dos debates e têm um histórico de entregar relatórios sem erros técnicos.
Folha de S.Paulo