Foto: Marcos Correa/PR/Arquivo
Presidente Jair Bolsonaro: plataforma para ganhar a eleição e manter faixa do eleitorado cativo 21 de maio de 2020 | 09:52

Método para ganhar e cativar, não para governar, por Raul Monteiro*

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Não dá mais para questionar que haja método nos desatinos do governo e de seu representante máximo. As agressões, as grosserias, o ataque permanente às instituições, os conflitos internos e externos, a afronta deliberada ao chato discurso do politicamente correto e a produção inesgotável de crises, tudo de alguma forma obedece a um formato que já foi testado e vem sendo empregado em países onde governos populistas e aparentemente nacionalistas ascenderam ao poder sob o mesmíssimo e falacioso discurso anti-sistema, com todos os penduricalhos que agrega, baseado em uma estratégia que emprega fundamentalmente dados antes insondáveis sobre o eleitorado.

É por isso que o presidente estimula igualmente a todos que, no seu entorno, principalmente os ministros, aos olhos da normalidade política e social, parecem tão tresloucados quanto ele, a propagarem mensagens que afrontam os cânones da ciência e consensos civilizatórios longamente estabelecidos, como se pretendessem refundá-los em bases incompatíveis com a modernidade, apelando ao que há de mais bizarro e irracional. Sob Bolsonaro, só se cria, deliberadamente, gente que possa potencializar o clima de confronto permanente comum a sua trajetória, mas ampliado exponencialmente desde que chegou à Presidência da República.

Se o governo perdeu um pouco do ‘conteúdo’ para continuar distraindo a platéia, aparece um Abraham Weintraub, que não conseguiria um emprego de ministro de Educação em lugar nenhum do mundo, para gerar uma polêmica absolutamente desnecessária, ainda mais numa pandemia como a atual, sobre a realização ou não do Enem. A provocação rapidamente ganha as posições mais destacadas nas redes sociais, impulsionada tanto por gente como um dos filhos políticos do presidente quanto por seus apoiadores, tirando o foco do que importa: não se tem uma programação sequer para milhares de alunos das universidades sem aulas no país neste período.

A inação ocorre em pleno uso das ferramentas digitais que municípios como Salvador já adotam para não deixar sem atividade, por exemplo, 33 mil alunos da rede municipal. A demissão de Regina Duarte, que enterrou a biografia pela estupidez de minimizar a tortura no país na ditadura na tentativa de se manter na pasta, segue o mesmo script, assim como a piada, no dia em que o país registrou, em 24 horas, mais de mil óbitos pela Covid-19, de que a direita toma cloroquina e a esquerda, tubaína, para tratar uma doença perigosíssima tida como uma ‘gripezinha’ pelo presidente, a classificação ela própria uma provocação destinada a gerar polêmica.

Enquanto isso, as filas na Caixa não diminuem e brasileiros e brasileiras pobres, informais ou pequenos empresários não conseguem contar com o apoio do Estado para não mergulharem de vez na miséria. Mas se o roteiro não tem nada de imprevisível, baseando-se numa agenda que prioriza o caos, como em outros governos onde já vem sendo experimentado, exige um enfrentamento igualmente profissional, o que nem a oposição nem a imprensa, convertida em oposicionista ante o risco que o modelo representa para a sua sobrevivência, têm conseguido fazer, mostrando que, se é útil para ganhar uma eleição e manter uma faixa do eleitorado cativa, não gera governança.

* Artigo do editor Raul Monteiro publicado na edição de hoje da Tribuna.

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