Foto: Dida Sampaio/Estadão
Projeto de Orçamento de 2021 prevê uma perda de arrecadação de R$ 307,9 bi com isenções tributárias e outros benefícios financeiros e de crédito 13 de dezembro de 2020 | 11:10

Corte de renúncias para ampliar rede de proteção pós-auxílio esbarra em lobb

economia

É fácil criar, mas difícil acabar com elas. Essa máxima é recorrente em Brasília para explicar por que o governo não consegue cortar as renúncias tributárias – uma montanha de dinheiro que retira todos os anos 4% do Produto Interno Bruto (PIB) dos cofres públicos. Para 2021, a previsão do projeto de Orçamento é de uma perda de arrecadação de R$ 307,9 bilhões com isenções tributárias e benefícios financeiros e de crédito.

Incluída na Proposta de Emenda Constitucional (PEC) emergencial, a redução das renúncias é apontada como uma medida de contrapartida para ampliar a rede de proteção social pós-auxílio emergencial concedido durante a pandemia da covid-19.

A proposta é ousada: cortar nos próximos cinco anos o que levou 15 anos para chegar. Em 2005, os chamados subsídios tributários estavam em 2% do PIB. Bateram a marca de 4,5% no biênio 2014-2015, caíram para 4,2% do PIB em 2019 sem nenhuma mudança significativa, apesar do discurso de 10 entre 10 parlamentares e de autoridades do governo de que é precisar diminuir esses benefícios – a maior deles apontado como privilégios para setores e grupos específicos de contribuintes.

Antes mesmo do relatório do senador Márcio Bittar (MDB-AC) ser protocolado oficialmente, a proposta já enfrenta resistências. O parecer encaminhado pelo senador aos colegas na semana passada deixava de fora da tesourada as renúncias com o Simples, a Zona Franca de Manaus, os fundos regionais e produtos da cesta básica. Na sexta-feira, depois de pressão dentro e fora do Congresso, Bittar afirmou que deixará o relatório da PEC emergencial para 2021.

É o típico caso em que todos defendem o ajuste das contas públicas, mas a proposta não avança. O próprio presidente Jair Bolsonaro em decisão de outubro concedeu benefício tributário para a indústria de refrigerante na Zona Franca de Manaus.

A votação da PEC ficou para 2021 porque um dos pontos sem consenso foi justamente a velocidade dessa tesourada. Um argumento contrário que vem ganhando força é o de que a retirada dos incentivos, na prática, vai forçar um aumento dos impostos.

Apesar de sensível ao lobby dos setores, o Congresso encampou o discurso de rever subsídios ao ver nisso uma oportunidade de usar o corte de renúncias como forma de neutralizar a repercussão negativa que teria uma flexibilização no teto de gastos (que limita o avanço das despesas à inflação). O teto hoje é considerado uma superâncora de credibilidade de que o governo fará o ajuste nas contas, e uma mudança na regra poderia alimentar a desconfiança dos investidores. Um compromisso firme com a redução dos subsídios, historicamente um tabu dentro do Parlamento, poderia virar bandeira para atenuar esse risco.

“Com esse Congresso, isso não passa porque os maiores beneficiados dos privilégios estão lá. Eles não vão aprovar uma norma que vai tirar deles mesmos”, diz o presidente da Associação Nacional dos Auditores da Receita Federal (Unafisco), Mauro Silva. Para ele, os parlamentares vão tentar “jogar” essa conta para a classe média. “Eles vão querer tirar redução de despesas médicas, educação, aposentados. Esses não têm representação no Congresso”, diz Silva, que divulgou na semana passada o “Privilegiômetro Tributário”, uma fonte de consulta rápida, que aponta o valor, no dia da consulta, que o governo deixou de arrecadar em razão da concessão de benesses tributárias a um grupo de contribuintes, sem que exista contrapartida adequada.

Redução dos benefícios é ‘carta de intenções’
Para o presidente do Insper, Marcos Lisboa, a proposta de redução dos benefícios é uma “carta de intenções” porque para reduzir cada um dos benefícios será preciso propor e conseguir aprovar novas leis. Segundo ele, não tem como cortar de forma linear as renúncias. Além disso, o economista lembra que ficaram de fora do relatório preliminar da PEC emergencial quase metade dos benefícios listados pela Receita como renúncias. Só o que o governo abre mão de tributos do Simples e da Zona Franca de Manaus, que foram poupados no parecer, soma R$ 100 bilhões.

“A discussão de fundo é se vamos para um regime tributário com regras uniformes, comuns, em que as famílias com a mesma renda vão pagar a mesma tributação”, avalia Lisboa, que considera que o melhor caminho é buscar uma reforma tributária eficiente em vez de “tentar reduzir tudo no caso particular”. “Cada setor vai falar primeiro começa com os outros e não comigo”, diz.

Para Emerson Casali, diretor da CBPI Produtividade Institucional, reduzir gasto tributário significa aumento de imposto direto ou indireto sobre os cidadãos, especialmente das classes média e baixa. “Muitas políticas públicas meritórias são viabilizadas pelos incentivos fiscais. A prioridade precisa ser um corte efetivo nos gastos administrativos, reduzindo um Estado cada vez mais pesado que a sociedade não aguenta mais carregar”, recomenda Casali.

O governo constituiu em novembro de 2018 o Comitê de Monitoramento e Avaliação dos Subsídios (CMAS), que lançou em maio do ano seguinte seu primeiro plano formal de análise de políticas em vigor. Entraram na mira os benefícios da Zona Franca de Manaus, da Conta de Desenvolvimento Energético (subsídio bancado com recursos arrecadados na conta de luz dos brasileiros), instituições filantrópicas de educação, lei da informática, Fies (o programa de financiamento estudantil) e alguns programas de crédito subsidiado.

Mais de um ano e meio depois, o comitê concluiu a análise apenas de dois desses programas: o Fies e as filantrópicas. Nos demais casos, os relatórios ainda estão em elaboração.

O comitê, no entanto, não tem poder para alterar as políticas. Seu campo de atuação é no sentido de responder a perguntas sobre eficácia dos programas e fazer recomendações para reforçar, redesenhar ou até extinguir a ação alvo do monitoramento. E tudo isso pode virar letra morta sem uma decisão política de levar adiante as mudanças.

No relatório sobre as instituições filantrópicas de educação, a conclusão do CMAP é que “a política pública, inicialmente voltada para pequenas instituições, custeadas por recursos da comunidade ou de subvenções públicas, hoje alcança grandes corporações, que possuem meios de sustentar-se, sem a necessidade de fomento estatal”. Além disso, segundo o documento, a extensão ampla do benefício tributário permite desvios de recursos para atividades de mercado, bem longe do resultado pretendido pela política. O governo já tentou diversas vezes rever os benefícios das filantrópicas, inclusive nas discussões da reforma da Previdência, já que a imunidade é constitucional. O setor, porém, tem um poderoso lobby e até hoje mantém os incentivos, que custam R$ 12,6 bilhões.

Em resposta ao comitê, o Ministério da Educação ressaltou que qualquer mudança depende de aprovação de uma lei complementar – com votos favoráveis de 257 deputados e 41 senadores – para regulamentar a imunidade constitucional. Segundo o ofício, a pasta trabalha, em conjunto com os ministérios da Cidadania e da Saúde, em uma proposta de revisão, mas nenhum órgão deu prazo para envio dessas medidas ao Congresso.

Em relação ao Fies, o CMAP recomendou que deve haver maior coordenação entre os cronogramas de diversas políticas de acesso ao ensino superior, como Sisu (para acesso a universidades públicas) e o Prouni (que oferta bolsas para vagas em faculdades privadas), por meio de um sistema unificado. O colegiado também recomendou a implementação de medidas para reduzir a inadimplência, que chegou a 41,7% no início de 2019, considerando alunos que já concluíram o curso. Embora tenha concordado com a necessidade de manter as cobranças dos atrasados, o MEC discordou da recomendação de unificação dos sistemas.

O governo já lançou um novo ciclo de avaliação de subsídios em 2020, que inclui o Simples Nacional, mas ainda não há previsão de quando os resultados serão apresentados.

Estadão
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