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O presidente Lula 19 de março de 2024 | 12:26

Governo oferece emenda ‘pague 1, leve 2′ para financiar PAC, mas adesão pode ser limitada; entenda

economia

O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) lançou um plano para financiar o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) com emendas parlamentares, na tentativa de atrair recursos indicados por deputados e senadores para as obras de interesse do Executivo. O governo, porém, disputa espaço com outras formas mais rápidas e livres de envio de dinheiro para Estados e municípios, o que pode limitar a adesão do Congresso ao PAC.

Uma portaria publicada no último dia 14 determina que os parlamentares poderão usar emendas para financiar obras do PAC em cidades selecionadas pelo governo. É uma forma de patrocinar o programa, apadrinhar o recurso e, ao mesmo tempo, direcionar emendas para projetos estruturantes e investimentos nos Estados e municípios.

O parlamentar que aceitar terá o direito de indicar uma emenda a mais na mesma modalidade, a que ele não teria acesso antes – por isso, nos bastidores, vem sendo chamada de “pague uma, leve duas”. As emendas do PAC, no entanto, só podem ir para obras e cidades aprovadas pelos ministérios do governo, e não para onde o congressista bem entender, como ocorre com outros tipos de emenda.

Além disso, os recursos devem demorar mais para ser pagos em relação às modalidades mais usadas pelo Legislativo para mandar dinheiro às bases eleitorais dos políticos atualmente.

As verbas podem bancar projetos como compra de ônibus escolar, implantação de creches e equipamentos para postos de saúde nos ministérios da Saúde, dos Esportes e da Educação. Outras pastas contempladas pelo PAC, como o Ministério das Cidades, ficaram de fora. Haverá uma modalidade específica para emendas do programa Minha Casa, Minha Vida, de acordo com o governo.

O programa pode receber todos os tipos de emendas: as individuais, indicadas por cada deputado e senador; as de bancada, indicadas pelo conjunto de parlamentares de cada Estado; e as de comissões, escolhidas pelos colegiados temáticos da Câmara e do Senado. Neste ano, esses recursos podem chegar a R$ 53 bilhões, um valor recorde em relação a anos anteriores.

A portaria garante que o governo vai empenhar (ou seja, reservar no Orçamento e deixar a obra pronta para começar) a emenda do PAC até o dia 30 de junho deste ano. A intenção é garantir uma execução rápida do recurso e, assim, atrair o interesse dos deputados e senadores. Não há prazo, no entanto, para o pagamento efetivo do recurso e a transferência do dinheiro aos Estados e municípios, que é a última etapa da emenda e depende do andamento da obra.

Para quem colocar emendas no Ministério dos Esportes, haverá um incentivo ainda maior por parte do governo. A cada três indicações colocadas na pasta, o parlamentar terá acesso a mais uma emenda bancada com recursos direitos do Executivo. É como se fosse um combo para ampliar a troca entre o ministério, chefiado pelo ministro André Fufuca (PP-MA), que é deputado licenciado, e os congressistas.

O PAC tem um orçamento de R$ 54 bilhões em 2024. Os três ministérios que poderão receber emendas somam R$ 12,4 bilhões no programa.

A nova modalidade não aumenta os recursos do PAC, que já tem verbas reservadas no Orçamento, mas usa o dinheiro da emenda para financiar o programa e coloca o nome do congressista na obra, em ano de eleições municipais. Além disso, como o Orçamento também já tem um montante reservado para emendas parlamentares, o uso dos recursos de uma emenda para o PAC “libera” o dinheiro da emenda para o governo usar em outras coisas.

Congresso quer dinheiro antes das eleições e tem acesso a formatos mais rápidos
Neste ano, líderes do Congresso pressionam o governo pelo pagamento das emendas antes das eleições municipais para beneficiar candidatos a prefeito e vereador nos municípios. Conforme o Estadão revelou, o Legislativo quer dar um drible na lei eleitoral para gastar até R$ 24 bilhões em verbas durante a campanha. O ano eleitoral deve dificultar a adesão dos parlamentares ao PAC, pois eles têm acesso a outras modalidades de transferência mais rápidas e diretas.

Com os recursos mais usados atualmente pelos congressistas – a emenda Pix e as verbas para o custeio de postos de saúde e hospitais –, o dinheiro cai mais rápido que o do PAC e poderá ser repassado ainda no primeiro semestre. Na emenda Pix, que vai somar R$ 8 bilhões neste ano, o pagamento é feito antes de qualquer projeto e pode ser usado em qualquer obra ou serviço. Além disso, o deputado ou senador escolhe livremente para onde enviar.

Outro impasse para as emendas do PAC é que os parlamentares já indicaram o destino de suas emendas em 2024. O prazo para essa indicação terminou no dia 23 de fevereiro. O deputado que patrocinar o programa do governo, portanto, vai ter que tirar dinheiro de um município ou de uma obra que com os quais ele já se comprometeu. Em ano de eleição, a mudança pode custar o apoio do político local ao seu representante no Congresso.

Após lançar o módulo de emendas do PAC, o governo abriu uma janela extraordinária para que os parlamentares possam mudar a destinação de suas emendas, inclusive aquelas que não forem destinadas ao programa, até o dia 22 de março.

Outro obstáculo é a resistência dos congressistas em carimbar recursos que o governo não depende das emendas para executar. O PAC tem um orçamento aprovado de R$ 54 bilhões em 2024. Se uma emenda for apresentada, o dinheiro vai sair do programa, que já está garantido e que o governo iria usar mesmo sem apoio do parlamentar. A vantagem só ocorre se a cidade e a obra de interesse do parlamentar já estiver no PAC e ele puder ser o padrinho do projeto. A baixa execução de recursos do programa no passado também pode desestimular deputados e senadores.

O governo Lula encaminhou um guia para atrair as emendas para o programa. No documento enviado aos parlamentares, o Executivo fala da “rapidez do empenho” e de “critérios rigorosos que garantem a qualidade dos projetos”. Além disso, promete entregar o bônus político para o congressista. “Seu nome será vinculado à obra, reconhecendo seu compromisso com a região”, diz o guia.

Em função da disputa e do interesse eleitoral dos deputados e senadores, o governo espera atrair mais emendas das comissões do Congresso e das bancadas estaduais, que costumam direcionar mais recursos para grandes obras e projetos estruturantes.

As emendas de comissão foram turbinadas após o fim do orçamento secreto, esquema revelado pelo Estadão, e somarão R$ 11 bilhões neste ano. A da Saúde da Câmara, por exemplo, é que mais têm recursos – R$ 4,5 bilhões – e é presidida pelo PT.

Procuradas, a Casa Civil e a Secretaria de Relações Institucionais não se manifestaram.

Daniel Waterman/Estadão Conteúdo
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