13 dezembro 2024
Mais popular e mais diversa. É como Fernando Guerreiro define a festa cívica do 2 de Julho pela independência da Bahia, que chega ao terceiro ano pós-pandemia, segundo ressalta, mais forte do que nunca. Nesta entrevista exclusiva ao Política Livre, o presidente da Fundação Gregório de Mattos (FGM), responsável pela organização da festa, detalha a programação que se estende por toda semana, para além do desfile desta terça, cuja expectativa de participação popular fica ainda maior considerando que 2024 é um ano eleitoral, no qual os políticos fazem questão de participar do evento.
Guerreiro conta ainda como surgiu a ideia de incluir apresentações do Balé Folclórico da Bahia no cronograma deste ano, fazendo uma releitura e também uma homenagem a Lia Robatto, coreógrafa e dançarina que criou o espetáculo “Aos pés do Caboclo” quase 50 anos atrás.
Na seara da gestão e da política, Guerreiro diz que seu “grande sonho” é implantar um teatro municipal e afirma que a jornada de 12 anos à frente da FGM lhe dá a sensação de “missão cumprida”. A relação institucional com o governo estadual é “pacífica”, embora as questões políticas, como observa, “acabam atrapalhando profundamente a cultura”. Leia a seguir a entrevista completa:
Estamos na terceira edição do 2 de Julho desde o retorno da pandemia. Você percebe alguma mudança na dinâmica da festa?
O 2 de Julho é uma festa que vai se reinventando a cada ano, vai se transformando e a minha observação é que ela ficou mais popular, ela começou a atrair mais a atenção da população, ficou mais diversa. Muita gente está saindo de outros bairros para ver o desfile, o interesse político aumentou, a quantidade de atrações, a diversidade também cresceu, principalmente com o advento dos 200 anos, que acabou chamando muito a atenção. A torcida agora é para que realmente o estudo do 2 de julho passe a fazer parte do currículo escolar com destaque. Isso para mim é uma prioridade.
Sempre que se fala do 2 de Julho você enfatiza o fato de ser uma festa do povo, como efetivamente é. Existe algo na programação deste ano que reforça esse aspecto?
Sem dúvida, o povo é quem manda no 2 de julho. Os historiadores já dizem que essa foi uma revolta eminentemente popular, a burguesia não estava no meio, as grandes lideranças de classe mais alta também não. Então o tema desse ano enfatiza isso, os personagens que são destacados na decoração também. E estamos fazendo um espetáculo, com o Balé Folclórico da Bahia, “Aos pés do Caboclo”, que basicamente reforça a participação do negro e do indígena nessa grande revolta e que acaba destacando mais uma vez a participação popular. Além disso, a gente sempre procura absorver manifestações populares que já existem em torno do 2 de julho. Dois exemplos, o concurso de fachada, que foi uma coisa que surgiu do povo, dos moradores de Santo Antônio, e o concurso de fanfarras e balizas, que começou de um movimento LGBTQIAPN+ lá no Rosário e a gente transformou num grande concurso.
Desde o ano passado a festa passou a contar com apresentações de dança e teatro. A primeira experiência foi com o Bando de Teatro Olodum e desta vez temos o Balé Folclórico. Como surgiu essa proposta e como foi a experiência?
Foi uma proposta nossa de a gente trazer outras linguagens também, porque sempre a gente vê show em evento, festival, show musical, nada contra, mas eu acho que o 2 de Julho é uma festa diversa, é uma festa que mantém, por exemplo, uma decoração, que esse ano vai ser feita por Ray Vianna [artista plástico], que todas as outras festas perderam. Então queremos manter essa raiz multicultural. No ano passado, a experiência com o Bando de Teatro Olodum foi maravilhosa e esse ano trouxemos o Balé Folclórico da Bahia para recriar um grande clássico da dança e do teatro e da performance baianos. É “Aos pés do Caboclo”, que Lia Robatto montou em 77, ou seja, 46 anos atrás, e que foi recriada brilhantemente pelo Balé Folclórico da Bahia, com a participação de mais de 300 pessoas, entre 150 artistas e 150 técnicos. E o resultado tá surpreendente, maravilhoso. A ideia é que a gente continue sempre mesclando, trazendo para o 2 de Julho espetáculos mais performáticos, que misturem dança, teatro, música e artes plásticas. Além disso, a gente trouxe também painéis de grafite, arte de rua, nós temos um enorme painel ali no percurso, na Lapinha, e um outro grande painel em Pirajá.
As comemorações da independência da Bahia vão além do desfile cívico do 2 de Julho. O que ainda teremos de programação a partir de quarta-feira (3)?
No dia 2, às 17h, tem o encontro de Filarmônicas sob a batuta de Fred Dantas, que acontece no Campo Grande. Quarta, dia 3, a gente tem um show de Gerônimo, que já é tradicional, com a participação especial de Emanuelle Araújo e, na sequência, o Baile da Independência comandado pelo maestro Fred Dantas e outras orquestras convidadas. No dia 4, nós temos um evento que eu sempre destaco, que eu acho sensacional. A gente tem um show especialmente criado por Mariene de Castro com a temática do caboclo, que vai ser apresentado lá no Campo Grande, sempre às 18h30. E no dia seguinte, sexta-feira, dia 5, nós temos o advento da volta da cabocla, que é um acontecimento que parte da população da Bahia não conhece. A cabocla fica, do 2 de julho até o dia 5, no Campo Grande, e volta para a casa dela na Lapinha no dia 5, em grande festa com a banda do Mestre Reginaldo. E quando ela chega na Lapinha tem uma multidão esperando e a gente tem lá um samba de caboclo. Imperdível!
Como estão os planos de construir um teatro municipal? A propósito, o Teatro Castro Alves, que é gerido pelo Estado, está fechado desde o incêndio que atingiu o teto do prédio em janeiro do ano passado.
O Teatro Municipal, digamos, que é um grande sonho meu, a gente está aí conversando com o prefeito Bruno Reis (União Brasil) que, diga-se de passagem, tem demonstrado uma sensibilidade ímpar, para ver a possibilidade (de implantá-lo). Depende de um local adequado, depende de orçamento, de investimento. Então, a gente tem algumas possibilidades, mas Salvador precisa ter um teatro municipal, já passou da hora. Lembrando que em agosto do ano que vem nós teremos a reinauguração do teatro Vila Velha completamente reformado, belíssimo, muito bem equipado tecnicamente, junto com a reforma de todo o Passeio Público, que vai se juntar com o Centro Cultural Banco do Brasil e formar um grande corredor cultural.
Como tem sido a relação institucional com o Governo do Estado no campo da cultura?
Olha, a relação com o governo estadual institucionalmente falando, pacífica, mas sem grandes novidades. Eu diria que poderíamos estar fazendo muito mais coisas juntos, mas infelizmente tem questões políticas no meio que acabam atrapalhando profundamente a cultura. Eu adoraria estar mais próximo, eu adoraria parceirizar, mas não é fácil.
Você está na FGM desde a primeira gestão de ACM Neto e permaneceu com o prefeito Bruno Reis. Como resume essa experiência de 12 anos? Deseja seguir na vida pública no futuro?
Eu diria que esses 12 anos de gestão pública, para mim, têm sido absolutamente enriquecedores, uma experiência muito enriquecedora mesmo, porque também ao lado de líderes que entendem a importância de fomentar a cultura. Eu estou aprendendo tudo na prática. Conhecer o outro lado – eu era artista e agora estou do outro lado. Entender todos esses mecanismos e, principalmente, eu me sinto hoje muito realizado de ver que deixaremos um legado para a cidade de Salvador. Nós já temos um sistema de cultura totalmente organizado, com mapeamento cultural, com os editais, uma lei de patrimônio, um plano municipal de cultura, um conselho funcionando, uma política de editais a todo vapor, 11 Bocas de Brasa, com possibilidade de, no ano que vem, chegarem a 15. Ou seja, uma sensação muito grande de missão cumprida, e muito mais coisa a fazer. Mas esses 12 anos foram de construções e aprendizados. E se eu vou ficar ou não, vamos deixar o fim do ano chegar. E outra coisa fundamental, eu ficar ou não também depende do convite, né? Vamos ver o que vem por aí.
Política Livre