Foto: Marcelo Camargo/Arquivo/Agência Brasil
Estatuto prevê prisão para quem oferece serviço de segurança clandestino 04 de setembro de 2022 | 16:38

Estatuto prevê prisão para quem oferece serviço de segurança clandestino

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Multa de até R$ 90 mil para infrações cometida por vigilantes envolvendo discriminação como de origem, sexo ou cor. Detenção de 1 a 3 anos de quem explorar serviço de segurança armada irregular. Punição para pessoa física ou jurídica que contratar empresas clandestinas.

Essas são algumas das mudanças previstas no projeto de lei que cria o Estatuto da Segurança Privada e da Segurança das Instituições Financeiras que, após tramitar por cerca de cinco anos no Senado, poderá ser posto em votação com o fim de divergências entre representantes do setor.

Esse novo marco legal é apontado por especialistas como o principal instrumento para se combater a clandestinidade na área, que avança país afora, ao dar instrumento à PF (Polícia Federal) para punir empresas clandestinas com multa e indiciamento de pessoas envolvidas em exploração irregular de serviços.

A legislação atual, publicada há quase 40 anos, não concede tais ferramentas de controle.

Conforme reportagem da Folha, o mercado de segurança clandestina no país tem, atualmente, um exército estimado em mais de 600 mil pessoas, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, ou mais de 1 milhão, segundo estimativa de representantes das empresas (Fenavist) e dos empregados (CNTV).

Além de garantir ferramentas de controle à PF, o novo estatuto é considerado importante por regulamentar oito atividades de segurança privada. Entre elas, as guardas de muralhas em estabelecimentos prisionais e, ainda, empresas especializadas em monitoramento eletrônico.

A nova lei abre, ainda, a possibilidade de os vigilantes usarem armas mais modernas, como pistolas e fuzis.

O acordo entre todos os principais representantes do setor foi selado, segundo o presidente da ABTV (Associação Brasileira de Transporte de Valores), Ruben Schechter, com uma carta enviada ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD), no final de junho deste ano. Nela, há um pedido conjunto para a “aprovação imediata de um regime de urgência para votação deste parecer em plenário”.

Em seu corpo, a carta menciona uma nota técnica, aprovada pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça) em março deste ano, fruto de um grupo de estudo, na qual cobra uma maior celeridade do Congresso na aprovação dessa lei, por ser de interesse também da PF.

“A celeridade na apreciação do mencionado projeto de lei representa medida oportuna e de extrema relevância para o adequado controle e fiscalização do segmento da segurança privada, armada ou desarmada, regular ou irregular, e, por conseguinte, para a eliminação de todas as formas de discriminação, com a promoção do respeito aos direitos humanos no exercício da atividade”, diz voto do conselheiro Mário Guerreiro, aprovado por maioria no conselho.

O presidente da ABTV diz que tem expectativa de uma possível votação ainda neste ano.

“Chegamos a um acordo formalizado entre as partes nesse sentido. Então, agora, estamos aguardando o Congresso. Qual é a nossa expectativa? Que passadas as eleições, que é um período mais delicado no Congresso, a gente converse com o presidente Rodrigo Pacheco para ver se ele consegue, eventualmente, avocar esse processo, por meio de um acordo de lideranças, para ser votado em plenário”, diz Schechter.

Uma divergência entre as empresas de transporte de valores e os bancos era apontada, por especialistas ouvidos pela Folha, como o único entrave para que esse projeto não fosse posto em votação. Ele foi aprovado pela Câmara no final de 2016 e, deste então, tramita no Senado.

O impasse, segundo a ABTV, era porque as empresas de transporte não queriam que os bancos fossem controladores de empresas de segurança, principalmente de transporte de valores, porque essa participação seria prejudicial a uma saudável concorrência.

Os bancos teriam, ainda segundo ele, aceitado esse pedido e, assim, colocou-se fim à celeuma.

“As instituições entenderam que não tinha sentido continuar dessa forma”, diz Schechter.

Atualmente, ainda segundo o presidente da ABTV, os bancos são acionistas de uma firma de transporte. “O problema não é a existência da empresa, mas o dono dela. Não queremos acabar com a empresa. Queremos acabar com o oligopsônio que as instituições financeiras exercem nesse mercado, regulando ele por intermédio de uma empresa. A empresa pode continuar existindo, mas com novos donos, novos sócios”, diz.

Procurada, a Febraban afirma que o projeto de lei, em sua versão atual, expressa o entendimento de todos os segmentos afetados diretamente pela nova proposta de lei. “Ao mudar o marco legal da segurança privada, o texto terá impacto na segurança da estrutura física das agências bancárias, na logística de guarda e transporte do numerário e na integridade dos clientes”, diz nota.

Sobre o acordo feito com os representantes das empresas de transporte de valores, a Febraban afirma que “apesar de ter reservas em relação a alguns pontos, a exemplo da restrição aos acionistas das empresas de transporte de valores”, o texto “traz mais avanços do que inconvenientes, sobretudo na modernização da segurança física das agências e na adoção de novas tecnologias”.

Para o professor Cleber Lopes, coordenador do LEGS (Laboratório de Estudos sobre Governança da Segurança), da Universidade Estadual de Londrina, o atual texto do projeto de lei da segurança privada traz mudanças importantes nessa área, mas deixa de lado um tema relevante.

“Lamento que essa versão final não traga nenhum mecanismo para aumentar a punição quando o prestador de serviço irregular é policial. Isso foi retirado das versões iniciais. Sabemos que os policiais estão amplamente nesse mercado e seria uma maneira de tentar inibir a presença deles. Como uma punição maior, a empresa pensaria melhor sobre isso. Seria um avanço”, afirma o pesquisador.

Para o vice-presidente jurídico da Fenavist (Federação Nacional das Empresas de Segurança e Transporte de Valores), Jacymar Daffini Dalcamini, o impasse entre esses dois setores, único entrave para a votação do projeto, causava um desconforto por tratar-se de uma questão importante para ambos os lados, mas que prejudicava toda a categoria com 600 mil trabalhadores e de 2.500 empresas.

O advogado afirma estar otimista com a possibilidade votação, mas não tanto quanto Schechter.

“Eu tenho uma expectativa muito grande de que possamos votá-lo ainda no primeiro semestre de 2023. Eu, diria, que não vai mais do que três meses após a instalação da nova Mesa e vamos ter esse projeto no plenário do Senado para ser votado. Porque tem o apelo de muita gente.”

O presidente da CNTV (Confederação Nacional dos Vigilantes e Prestadores de Serviço), José Boaventura Santos, diz que a aprovação da lei é importante para reduzir clandestinidade, na qual há uma exploração muito grande dos trabalhadores.

“Esse é um projeto que nós, as empresas, a Polícia Federal, todo mundo defende a aprovação. Nós estamos dependendo da aprovação desse projeto, que é consensual. A única coisa que não é consensual é a questão do transporte de valores”, afirma ele.

Por meio de sua assessoria, o presidente do Senado não antecipa se atenderá o pedido feito do setor de segurança privada. Afirma que vai definir a pauta apenas após as eleições.

“Vamos identificar as prioridades das bancadas, em reunião de líderes que deve ocorrer logo após a realização das eleições, para definirmos a pauta com os projetos que serão apreciados”, diz nota.


ESTATUTO DA SEGURANÇA PRIVADA
O que é?

Projeto de lei que, se aprovado, altera o marco legal da segurança privada no país e traz uma série de novidades.

De quando é legislação atual?

A principal legislação que regulamenta o setor é a 7.102, de 1983.

Publicada há quase 40 anos, ela é tida como frágil para combater segurança clandestina porque, entre outros motivos, não prevê mecanismos efetivos para a PF controlar as empresas clandestinas.

Há muitas empresas clandestinas?

Atualmente, estima-se que mais de 600 mil pessoas trabalhem irregularmente como seguranças no país. O número de empresas clandestina gira em torno de 5.000, segundo sindicatos.

Quais as principais mudanças previstas na nova lei?

Crime

– Torna crime, passível de detenção de 1 a 3 anos (e multa), proprietário ou sócio de empresa que, sem autorização de funcionamento, “organizar, prestar ou oferecer serviços de segurança privada, com a utilização de armas de fogo”.

Como é hoje: não é crime a exploração de segurança clandestina, armada ou não.

Multa

– Torna passíveis de multa empresas que “oferecerem ou contratarem” serviço de segurança privada clandestina, sem arma.

Como é hoje: a PF não tem instrumento para multar empresas irregulares.

IMPORTANTE: Pessoas físicas ou jurídicas que contratarem serviços de segurança privada clandestina poderão sofrer as mesmas penas previstas contra a empresa de segurança infratora.

Racismo

– Triplica as multas aplicadas contra empresas “se a conduta do infrator [vigilante] envolver preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”. Valores podem ir de R$ 30 mil a R$ 90 mil

Como é hoje: não há essa previsão legal

Novas categorias

– A nova lei prevê a regulamentação de oito novos serviços de segurança privada, como guarda de muralha e empresas de monitoramento eletrônico.

Como é hoje: alguns serviços funcionam sem regulamentação, outros não existem.

Novas armas

– A nova lei prevê a autorização para compra de armas mais modernas, como o uso de fuzis para proteção de bases de valores. Atualmente, só há autorização para armas como revólver .38 e espingarda calibre 12

Fonte: Especialistas, representantes do setor e texto do projeto de substitutivo da Câmara nº 6, de 2016, ao projeto de lei do senado nº 135, de 2010

Rogério Pagnan/Folhapress
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