Lucas Faillace Castelo Branco

Direito

Lucas Faillace Castelo Branco é advogado, mestre em Direito (LLM) pela King’s College London (KCL), Universidade de Londres, e mestre em Contabilidade pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). É ainda especialista em direito tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET) e em Direito empresarial (LLM) pela FGV-Rio. É diretor financeiro do Instituto dos Advogados da Bahia (IAB) e sócio de Castelo e Dourado Advogados.

A liberdade de expressão e as tais instituições democráticas

A democracia, como qualquer outro regime, é um ideal cuja perfeição é impossível de se alcançar, simplesmente porque o homem é imperfeito. Por essa razão, nas democracias, sobram motivos para a crítica contundente, especialmente aos governantes e aos ocupantes de cargos públicos.

Os denominados ataques às instituições democráticas não constituem razões suficientes para qualquer espécie de censura ou reprimenda oficial. Instituições são abstrações, ou seja, não existem empiricamente. Já as pessoas que delas fazem parte, com seus inúmeros defeitos e poucas qualidades, como todos nós, existem empiricamente.

As instituições de um país são tão boas quanto os indivíduos que delas fazem parte. O que é verdadeiramente antidemocrático é valer-se da escusa de que elas estão sendo atacadas para se impedir a crítica a quem quer que seja.

Pensar diferente é conferir aos homens públicos, falíveis que são, aura sacrossanta, como se sua atuação fosse irretorquível sob qualquer ótica, ainda que estejam de boa-fé.

Como respostas aos ditos ataques, brada-se que eles têm o objetivo de destruir a democracia – frágil argumento que poderá ser sempre usado –, e não se cogita de que esses reparos possam ter o objetivo de denunciar desmandos e aperfeiçoar o regime democrático, ainda que feitos de forma ácida, torta e, até mesmo, injusta.

De qualquer forma, em perspectiva mais radical, há teóricos que chegam a sustentar que a liberdade de expressão em uma democracia confere o direito de se advogar a própria supressão da democracia.

Se voltarmos nossos olhos para a História, veremos que os grandes autores de nossa Civilização Ocidental criticaram, com boas razões, o regime democrático. Sócrates, Platão e Aristóteles são apenas alguns desses grandes autores.

Seus livros e suas ideias deveriam ser proibidos, então? Não seria possível, por exemplo, manifestação em favor do governo dos reis-filósofos? Não é possível defender-se um regime que não seja o democrático?

John Stuart Mill, patrono da liberdade de expressão, discordaria completamente do argumento de que manifestações antidemocráticas devessem ser banidas do debate público.

O filósofo inglês sustenta que mesmo as ideias falsas não devem ser objetos de censura. Se eu as elimino, não haverá o exercício de defesa das ideias verdadeiras que se lhe contrapõem.

Dessa forma, as pessoas irão se esquecer, pouco a pouco, das razões de defesa das ideias verdadeiras em face das falsas. Cedo ou tarde, então, as ideias falsas emergirão em ambiente propício, pois os argumentos de defesa já terão sido esquecidos e as ideias verdadeiras, por conseguinte, já terão se tornado um dogma morto (expressão usada por Mill).

A reação rigorosa às ideias consideradas equivocadas é, portanto, o melhor remédio para afastá-las e, ao mesmo tempo, para se manterem as boas ideias vivas, como a própria democracia (em minha opinião), com todos os seus defeitos.

Curiosamente, o único brasileiro que parece ter compreendido bem essa sorte de ideias foi um monarca cujo poder era imensamente maior do que qualquer figura pública brasileira da democracia de hoje: D. Pedro II.

De acordo com José Murilo de Carvalho, em biografia sobre o Imperador, o Brasil nunca experimentou tamanha liberdade de imprensa como sucedeu em seu reinado. D. Pedro era constantemente achincalhado e ridicularizado em diversos jornais, além de ter sido vítima de piadas e charges maldosas, até mesmo a respeito de sua aparência física e de inúmeras notícias inventadas (isso mesmo, “fake news”) e pagas.

Membros de sua família eram, também, constantemente atacados e ele sequer foi perdoado quando a diabetes agravou sua saúde. Em virtude da sonolência causada pela doença, um jornal o apelidou de Pedro Banana, e o retratava, em caricaturas, dormindo em reuniões oficiais.

Decorrente disso, foi duramente criticado por ser leniente com a imprensa, e, mesmo assim, em uma carta ao Duque de Caxias, disse: “a imprensa se combate com a imprensa”. O Imperador chegou a impedir o fechamento de um jornal por ter este ridicularizado os chefes militares da nação. D. Pedro, comenta Murilo de Carvalho, protestava “sempre que alguma violência era exercida contra os jornais”.

Sua atitude chegou ao cúmulo de não ser compreendido por diplomatas europeus. Murilo de Carvalho cita o seguinte trecho de Schreiner, ministro da Áustria, a respeito dos ataques pessoais que D. Pedro sofria: “causaria ao autor de tais artigos, em toda a Europa, e até mesmo na Inglaterra, onde se tolera uma dose bastante forte de liberdade, um processo de alta traição”. Já o ministro francês Amelot ressaltou a existência de uma ilimitada liberdade de imprensa no Brasil e de um “parlamentarismo exagerado”.

Obviamente, nenhum defensor sério da liberdade de expressão sustentaria a clara e dirigida ameaça à integridade física de pessoas sob a proteção desse valor. Esses casos devem ser tratados no âmbito criminal.

Por outro lado, é anacrônica a legislação que trata dos crimes contra a honra (injúria, difamação e calúnia), que não distingue os ataques verbais dirigidos em face de pessoas públicas enquanto pessoas públicas dos dirigidos às pessoas não públicas.

A afirmativa de que a liberdade de expressão sofre limitação em virtude de outros direitos, como o direito à honra, é correta, mas a constatação, atraente que seja, nada diz a respeito sobre onde se encontram esses limites. O uso da frase, sem qualificação, justifica qualquer ponto de vista.

Ademais, há pessoas públicas cujo comportamento é a própria causa do esboroamento de sua honra, de forma que não há como se conferir máxima proteção ao que, voluntariamente, se embotou.

O amplo espectro de manifestações que pode ser caracterizado no campo dos crimes contra a honra, incluindo as mais brandas concebíveis, introduz incerteza à atividade jornalística e à crítica dos cidadãos.

Essa flexibilidade possibilita o manejo de ações criminais com fins de perseguição política e de intimidação, em um país historicamente conhecido pelo mandonismo e pelo autoritarismo, que não foram exclusivos dos períodos militares.

O mais adequado seria o tratamento civil das graves ofensas, por meio de reparação pecuniária, quiçá se reservando à seara penal, por sua gravidade ímpar, apenas a calúnia, que se comete quando se imputa, de forma específica, a prática de um crime a outra pessoa.

Essas questões são polêmicas e discutíveis, mas é certo que a liberdade de expressão é valor que se invoca para se dizerem inconveniências, e não como licença para se dar bom dia.

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