Jacó Lula da Silva

Economia

Mario Augusto de Almeida Neto (Jacó) é técnico em agroecologia. Nascido em Jacobina, aos 17 mudou-se para Irecê, onde fundou e coordenou o Centro de Assessoria do Assuruá (CAA) e a Articulação do Semiárido Brasileiro (ASA). Como deputado estadual (2019-2022), defende as bandeiras do semiárido baiano, agricultura rural e movimentos sociais. Ao assumir a cadeira na Assembleia Legislativa da Bahia, incorporou o "Lula da Silva" ao seu nome, por reconhecer no ex-presidente o maior líder popular do País. Na Alba, é presidente da Comissão de Direitos Humanos e Segurança Pública e membro titular das Comissões de Saúde, Defesa do Consumidor, Agricultura e Política Rural e Promoção da Igualdade.

O tempero da revolta

Infelizmente, voltamos a ouvir falar muito sobre a fome no Brasil. Sobre a fome e seus efeitos devastadores na vida da população. Conforme estudo realizado pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Pessan), intitulado “Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil”, divulgado em 2021, mais de 40 milhões de brasileiros (20,5% da população) não contam com alimentos em quantidade suficiente, o que chamamos de insegurança alimentar moderada. E pouco mais de 19 milhões estão passando fome, ou seja, em um quadro de insegurança alimentar grave.

A insegurança alimentar é um termo mais bonito e rebuscado para dizer que o povo está na fila dos açougues para catar osso e cabeça de peixe para comer; para não chocar a sociedade dizendo que muita gente só come uma vez por dia; para dizer de maneira bonita que tem gente revirando lixo pra comer os restos.

O estudo da Rede Passan ainda revela algo que há muito denunciamos: a situação da fome no Brasil se agravou por conta da política de desgoverno adotada pelo presidente Bolsonaro. Em dois anos da sua gestão, o número de pessoas passando fome quase dobrou, saindo de 10,3 milhões para 19,1 milhões.

Esse dado alarmante traduz os reais interesses da política econômica capitaneada pelo ministro Paulo Guedes: priorizar os grandes empresários e setor financeiro, em detrimento do empobrecimento de uma parcela significativa de brasileiras(os) – um levantamento feito pela empresa Economatica comprova que os 4 maiores bancos brasileiros tiveram lucro recorde em 2021, chegando a R$ 81,63 bilhões (o maior lucro desde 2006). Como disse a escritora Maria Carolina de Jesus, “quem inventou a fome são os que comem.”

Prova cabal disso é o Brasil de volta ao mapa da fome. Obviamente, a gestão de Bolsonaro frente à pandemia da Covid-19 agudizou ainda mais a crise econômica, política e social, empurrando grande parcela do povo brasileiro para uma situação de miserabilidade, desemprego e insegurança alimentar severa.

A fome é termômetro. Se há pessoas sem ter o que comer, num país rico e produtivo como o Brasil, é sinal de que estamos falhando na gestão dos recursos e produzindo uma série de violações e crimes humanitários ao desrespeitar direitos e princípios fundamentais.

A fome dói. E “no vazio do garfo e da faca, o tempero é a revolta”, já dizia Sérgio Vaz. O que esperar de uma população empobrecida e esfomeada? Revolta. Muita revolta.

A Defensoria Pública do Estado da Bahia divulgou recentemente dados que revelam o aumento significativo de furtos famélicos. Furto famélico é aquela subtração (sem nenhuma violência) de itens básicos para sobrevivência de uma pessoa, como, por exemplo, comida, itens de higiene e remédios. De 2017 a 2021, se comparado ao número de furtos gerais, os flagrantes de crimes famélicos quase dobraram, subindo de 11,5% para 20,25%. Os furtos famélicos geralmente acontecem em supermercados ou lojas de grande porte e sempre têm como objeto um bem de valor ínfimo se comparado ao lucro daquele estabelecimento.

Embora seja um crime enquadrado juridicamente no princípio da insignificância, segundo o próprio Supremo Tribunal Federal, o furto famélico ainda produz inúmeras consequências nas vidas daqueles e daquelas que, num ato de desespero frente às violações a suas dignidades, se veem levados a violar o patrimônio de uma empresa: um registro na ficha criminal quando da prisão decretada, por exemplo, fecha diversas portas no mercado de trabalho; mas uma possível descoberta do crime pode ser motivo de linchamento e humilhações.

Recentemente houve o caso de Rosângela, mãe de cinco filhos e em situação de vulnerabilidade, que furtou dois pacotes de macarrão instantâneo e teve sua prisão preventiva decretada. O Superior Tribunal de Justiça reformou a decisão e, considerando a insignificância desse furto em sua natureza famélica, concedeu-lhe a liberdade. Ao sair, ela disse “meu sonho é ser gente”.

Na Bahia tivemos o caso emblemático dos jovens que furtaram peças de carne no Atakarejo. Eles foram torturados pelos seguranças do local e entregues ao poder paralelo do tráfico de drogas para ter uma “punição adequada”. A família que, horas antes, fora convocada por esses jovens a pagar a quantia para serem liberados, disse da impotência que sentiu por não ter o dinheiro exigido. Bruno e Yan Barros, tio e sobrinho, foram mortos.

No caso do Atakarejo, nós, através da presidência da Comissão de Direitos Humanos e Segurança Pública da Assembleia Legislativa, atuamos para haver a tipificação do crime de Yan e Bruno como furto famélico, ao tempo em que atuamos para garantir a celeridade e comprometimento nas investigações, salvaguardando a integridade das vítimas e de seus familiares. Foi a situação de vulnerabilidade que levou Yan e Bruno a transgredir, foi a fome que os levou a furtar… E nada justifica a morte desses dois.

A fome tem muitas caras e nenhuma delas é agradável: desumaniza, violenta, fere, é dolorida. Mas, acima de tudo, a fome é um problema coletivo.

Precisamos encarar este problema com seriedade suficiente para enfrentá-lo e superá-lo, como já fizemos uma vez. É necessário colocar a pauta de combate à pobreza no centro do debate e reajustar os programas sociais que distribuam a renda de maneira efetiva, como foi o Bolsa Família ou o Programa Fome Zero.

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