Karla Borges

Economia

Professora de Direito Tributário, graduada em Administração de Empresas (UFBA) e Direito (FDJ) ,Pós-Graduada em Administração Tributária (UEFS), Direito Tributário, Direito Tributário Municipal (UFBA), Economia Tributária (George Washington University) e Especialista em Cadastro pelo Instituto de Estudios Fiscales de Madrid.

Por que o IPTU de Salvador permanece inconstitucional?

O Município do Salvador promoveu um aumento abrupto e desproporcional no Imposto Predial e Territorial Urbano – IPTU desde 2013, repercutindo nos exercícios seguintes. A reação dos soteropolitanos e de alguns segmentos da sociedade provocaram  mudanças ao longo desse período na cobrança do imposto, todavia, a Planta Genérica de Valores (PGV) continua excessivamente elevada e foi majorada em 27,89% para o exercício de 2018. As modificações implementadas, através de novas leis, só favoreceram a tributação dos terrenos da cidade e as bases de cálculo e alíquotas do imposto só vinham sendo conhecidas por norma infralegal.

A Constituição Federal (CF) dispõe que cabe a lei complementar estabelecer normas gerais em matéria tributária. O Código Tributário Nacional (CTN) reza que somente a lei pode fixar a alíquota do tributo e a sua base de cálculo. Coube a Instrução Normativa 12/13 de 20 de dezembro de 2013, a fixação da base de cálculo e a respectiva alíquota do IPTU de Salvador, situação que fere frontalmente o ordenamento jurídico brasileiro, pois nesse caso concreto, há necessidade de lei em sentido formal. Inclusive, o Supremo Tribunal Federal (STF) já pacificou que reajuste do valor venal dos imóveis para fim de cálculo do IPTU não dispensa a edição de lei, a não ser no caso de correção monetária, não cabendo ao Executivo interferir no reajuste.

A própria Lei de Salvador 8.464/13 remeteu à Secretaria da Fazenda a incumbência de publicar até 31 de dezembro de cada ano, as tabelas de alíquotas progressivas para os imóveis. Dessa forma, aquilo que deveria estar devidamente disposto em lei, foi delegado a uma norma do Poder Executivo, suprimindo a participação do Legislativo. O fato de a Lei 9.279/17 ter incluído as tabelas progressivas de imóveis para o exercício de 2018 corrige a disposição dos elementos que compõem a exação do ponto de vista formal, mas a inconstitucionalidade material permanece. Ademais, a disposição das tabelas em lei, só vem ratificar a inconstitucionalidade incorrida pelas instruções normativas anteriores das tabelas de 2014 a 2017 e não tem o condão de repará-las.

Além da grande lesão ao princípio da legalidade, outro princípio constitucional foi violado: o da capacidade contributiva, afinal a atualização da PGV não estava, nem está, compatível com o valor de mercado ao determinar um valor de imóvel que não seria possível comercializá-lo, um preço acima do que as pessoas podem pagar, um montante que nem o próprio Município seria capaz de arcar se quisesse comprá-lo. Ainda que o IPTU seja um imposto real, onde a presunção de riqueza é o próprio bem, o valor venal está totalmente incompatível com o preço que este alcançaria para venda à vista.

A atualização da PGV é legítima e obrigatória, desde que o valor venal fixado reflita o valor de mercado, mas na sua composição, o Município utilizou parâmetros não permitidos como a renda “per capita” preponderante com o objetivo de estabelecer fatores de valorização a serem aplicados nos valores unitários padrão de construção (VUP-C). A tabela de conversão de códigos de classificação de padrão construtivo das edificações, assim como os atributos para determinação desse padrão (Anexos VII e VIII da Lei 8.473/13) não foram constituídos com clareza, culminando num valor de metro quadrado de construção que o contribuinte não consegue apurar e que impacta na base de cálculo do imposto.

As travas previstas no artigo 4º da Lei 8.473/13 ferem o princípio da isonomia tributária, uma vez que estabelecem percentuais de aumento diferenciados de acordo com a área e a utilização do imóvel. Os imóveis cadastrados a partir de 2014, por exemplo, não possuem travas, assim, pode-se ter um apartamento exatamente igual ao outro, no mesmo local e com o mesmo tamanho com valor de IPTU quatro vezes maior, só porque a torre foi entregue depois da lei e o imposto não possui travas. Ademais, a progressividade utilizada para as travas em função das áreas dos imóveis residenciais, não residenciais e de terrenos não é permitida pela Constituição Federal. O imposto poderá ser progressivo de acordo com o valor venal e as alíquotas diferenciadas pela localização e uso, jamais por tamanho.

Uma grande defasagem no valor venal dos imóveis de Salvador não justifica um aumento exacerbado. Ainda que a PGV estivesse desatualizada, não há argumento que explique uma elevação dessa natureza. A atualização deveria ser escalonada, obedecendo aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Responsabilidade fiscal é uma coisa, efeito confiscatório é outra. A questão é que o imóvel em Salvador ficou muito acima do valor de mercado, impossibilitando aos contribuintes honrarem o pagamento do seu IPTU. Vários municípios brasileiros suspenderam as suas leis retornando aos patamares anteriores diante da reação da população. Para os soteropolitanos, resta-lhes aguardar a decisão do Tribunal de Justiça da Bahia.

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