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Dado é do último relatório do Ministério da Saúde, de 12 de março, que não cita a ButanVac 26 de março de 2021 | 21:19

Brasil tem 16 projetos de pesquisa de vacina nacional, todos ainda com testes em animais

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Além do Butantan, outras instituições de pesquisa brasileiras também já obtiveram bons resultados com suas próprias candidatas a vacinas contra a Covid-19 – por enquanto, apenas na fase pré-clínica, que consiste em avaliar o potencial dos candidatos a imunizantes em animais, bem como seus possíveis riscos.

Segundo relatório de 12 de março de 2021 do Ministério da Saúde, há 16 projetos de pesquisa para o desenvolvimento de uma vacina em andamento no país –todos em fase pré-clínica, quando os testes são realizados em células ou animais. É o relatório mais recente da pasta sobre o tema. Desde novembro, quando a Folha fez a mesma consulta, o dado não mudou.

Em comparação, os EUA têm 62 vacinas em fase pré-clínica e 15 em fase clínica, a China tem 22 e 13 em cada uma das categorias e o Canadá tem 14 e 6, respectivamente. Reino Unido, Rússia e Japão também realizam testes em humanos —ao todo são 79 estudos clínicos no mundo, incluindo outros países.

Segundo o site da pasta, as vacinas são desenvolvidas no Brasil por Bio-Manguinhos/Fiocruz (duas vacinas), Instituto René Rachou (Fiocruz/MG) e Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Vacinas, Instituto Butantan (três vacinas), Instituto do Coração (Incor) da Faculdade de Medicina da USP e USP, Instituto de Ciências Biomédicas da USP (três vacinas), Universidade Federal de Viçosa, Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP, Universidade Federal do Paraná (UFPR), Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos da USP, empresa Farmacore em parceria com PDS Biotech e Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP-USP) e Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Entre as três vacinas atribuídas ao Butantan não está a ButanVac, que foi anunciada como 100% nesta sexta-feira mas foi desenvolvida nos Estados Unidos, na Escola de Medicina Icahn do Instituto Mount Sinai, segundo afirmou a instituição à Folha.

A parceria entre a empresa de biotecnologia brasileira Farmacore, a americana PDS Biotech e a USP de Ribeirão Preto também foi anunciada nesta sexta, mas pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, como pronta para iniciar os testes clínicos – o pedido para começar os trabalhos já foi feito na Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), segundo o ministério.

A Anvisa confirmou ter recebido pedido de estudos clínicos de fase 1 e 2 —quando são avaliadas a segurança e a capacidade da vacina em gerar uma resposta imune— da vacina Versamune-CoV-2FC.

Em nota, a Anvisa disse que a análise “considerará a proposta do estudo, o número de participantes e os dados de segurança obtidos até o momento nos estudos pré-clínicos que são realizados em laboratório e animais”.

Coordenada pelo pesquisador Célio Lopes Silva, da USP, a pesquisa também usa uma proteína do vírus para provocar a resposta do sistema imune, mas a empacota numa nanopartícula (ou seja, com dimensão nanométrica, medindo apenas bilionésimos de metro) chamada Versamune. Segundo a PDS Biotech, a nanopartícula foi projetada para “treinar” com mais eficácia o sistema de defesa do organismo, em especial as células T, que podem ser ainda mais importantes que os anticorpos na proteção contra vírus.

Segundo o ministério, “a vacina demonstrou capacidade de ativar todo o sistema imunológico” nos testes pré-clínicos. ?

No ICB-USP (Instituto de Ciências Biomédicas da USP), por exemplo, a equipe coordenada pelo biólogo Gustavo Cabral de Miranda está trabalhando com um sistema baseado nas chamadas VLPs (sigla inglesa de “partículas semelhantes a vírus”). É algo como uma “casca de vírus”, que carrega consigo a proteína do causador da Covid-19 que o ajuda a se conectar às células humanas que invade. A ideia é que, em contato com essa molécula e com o falso vírus, o organismo dos pacientes consiga aprender a se defender do Sars-CoV-2, impedindo que a pessoa desenvolva a doença.

“Por ser um vírus ‘fake’, podemos considerar que é uma abordagem mais segura, com menos efeitos colaterais”, diz o pesquisador. “Além disso, a gente pode ‘brincar’ com essa partícula, adicionando a ela elementos que direcionem a resposta do sistema imune [de defesa do organismo] da maneira desejada. E é algo que pode ser adaptado com facilidade para outros vírus no futuro.”

Isso valeria, inclusive, para as temidas novas variantes do coronavírus – bastaria atualizar a versão da proteína. “Eu até brinquei com uma doutoranda que veio trabalhar com a gente: precisamos pensar em como formular isso de um jeito capaz de lidar com as novas variantes. Ela me perguntou: ‘Que variantes?’. Respondi: as que certamente vão aparecer”, diz Miranda.

Segundo ele, o trabalho, financiado pela Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), obteve resultados promissores em testes com camundongos. Cabral diz esperar que os dados lhe garantam financiamento para estudos com primatas e, mais tarde, com seres humanos.

Resultados igualmente animadores têm vindo do trabalho de cientistas da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) mineira e da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), diz Ricardo Gazzinelli, pesquisador ligado a ambas as instituições.

A equipe começou os trabalhos testando a viabilidade de diferentes plataformas, mas acabou optando por dar continuidade aos testes de uma vacina feita com uma proteína-quimera, que recebe essa denominação por resultar de uma fusão de duas moléculas diferentes que existem no Sars-CoV-2 natural (tal como a Quimera mitológica, que era formada por partes de diferentes animais).

Por estarem tentando obter patentes (registros de propriedade intelectual) relativas aos componentes da vacina, os pesquisadores ainda não podem dar muitos detalhes sobre a composição da molécula, embora adiantem que ela também inclui a proteína usada pelo vírus para se ligar às células.

Além disso, como forma de estimular ainda mais a preparação do sistema imune dos pacientes, o imunizante incluirá um pedaço sintético de material genético viral, uma molécula de RNA (“prima” do DNA) de fita dupla, tal como existe em certos vírus (não é o caso do causador da Covid-19, que tem fita simples).

“Pelo que vimos até agora, trata-se de uma combinação muito imunogênica [capaz de produzir imunidade], não apenas protegendo todos os animais vacinados como evitando qualquer manifestação clínica da doença”, afirma Gazzinelli. O próximo passo será a produção de um lote piloto do produto, que tenha condições de ser utilizado em futuros testes com pacientes humanos.

Reinaldo José Lopes / Folha de São Paulo
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