21 dezembro 2024
Se por um lado abundam até aqui nomes cotados para a corrida presidencial de 2022 —em um cenário de fragmentação na disputa pela cadeira ocupada por Jair Bolsonaro (sem partido)—, por outro um vácuo começa a ser notado: as mulheres sumiram da lista.
Contando o candidato à reeleição, ao menos 12 homens constam nas principais tabelas de apostas, justo no momento em que a participação feminina no poder é mais discutida, e estimulada, do que nunca.
São tratados como postulantes hoje, entre outros: Fernando Haddad (PT), Ciro Gomes (PDT), João Doria (PSDB), João Amoêdo (Novo), Luciano Huck e Sergio Moro (ambos sem partido).
O quadro, a um ano e sete meses do pleito, difere do visto à mesma altura em eleições passadas. Sobretudo desde 2010, ano em que o Brasil elegeu a primeira mulher presidente, Dilma Rousseff (PT), líderes femininas fazem parte das opções testadas e articuladas desde cedo pelos partidos.
Em março de 2008, por exemplo, pesquisa Datafolha sondou a aceitação a Dilma, a Marta Suplicy (então no PT) e Heloísa Helena (então no PSOL). No ano seguinte, se juntou ao grupo Marina Silva (então no PV), que foi postulante em 2010, 2014 e 2018, algo que agora parece difícil se repetir.
Desta vez, uma das poucas mulheres que ganharam notoriedade nas conversas foi uma personagem de fora do universo político, a empresária Luiza Trajano. A presidente do conselho de administração do Magazine Luiza tem sido assediada por partidos, mas por ora resiste a se candidatar.
PT, PSB, PSDB e PDT são algumas das legendas que já fizeram acenos a Luiza. Oficialmente, ela responde que não tem planos eleitorais e que seu foco no momento é a campanha Unidos pela Vacina, que ela criou para tentar unir esforços no combate à pandemia de Covid-19.
Além do histórico de liderança no setor privado e da boa relação com governos, a empresária é valorizada por características como habilidade de comunicação e tino de gestão, segundo entusiastas da candidatura.
Dirigentes partidários, pré-candidatos e articuladores de campanhas ouvidos pela Folha nos últimos dias arriscaram palpites diferentes para a tímida presença das mulheres no xadrez de 2022.
Todos eles falaram sobre o tema em anonimato e evitaram mencionar nomes, por alguns motivos: disseram que o momento é de indefinição, que é possível o aparecimento de competidoras com potencial e que não pretendem melindrar eventuais apoiadoras ou vices.
Uma das hipóteses está ligada à saída de cena ou à perda de capital político de veteranas como as quatro já citadas. Ao mesmo tempo, a renovação geracional se deu em um ritmo aquém do desejado, apesar de mecanismos de fomento e da pressão social por representatividade.
Desde 2018, as legendas têm que preencher com mulheres no mínimo 30% das vagas nas chapas para o Legislativo. Desde 2020, é obrigatória a destinação de 30% do fundo eleitoral para essas candidaturas.
Nas duas últimas eleições, contudo, os resultados para o Executivo deram sinais frustrantes: só um estado elegeu uma governadora —o Rio Grande do Norte, com Fátima Bezerra (PT)— e apenas uma capital passou a ter uma prefeita —Palmas (TO), com Cinthia Ribeiro (PSDB).
A ausência de mulheres em altos postos nos estados, de onde geralmente se projetam para uma disputa de alcance nacional, é vista como um dos fatores que podem aprofundar o vácuo já existente.
Para um ex-governador de um estado do Sudeste que está envolvido nas negociações sobre 2022 e foi consultado pela reportagem, o apagão demonstra que as medidas tomadas para ampliar a presença feminina levam tempo para produzirem efeito concreto.
Um político do Nordeste também mergulhado nos bastidores da próxima eleição relatou a mesma impressão, dizendo que políticas afirmativas são incapazes de mudar a cultura de uma hora para outra.
Mas pontuou: ainda que estejam fora das cabeças de chapa em 2022, mulheres serão procuradas com afinco para os postos de vice. Uma das razões é pragmática, já que ter uma figura feminina ao lado do candidato é tido como chamariz para as eleitoras, que são 52% do total de votantes.
A bem-sucedida dobradinha de Kamala Harris com Joe Biden na eleição dos Estados Unidos aparece, na ótica dos estrategistas, como modelo a ser replicado.
“Os partidos já entenderam que as mulheres são maioria no eleitorado e um público importante se o objetivo é ganhar eleições”, comenta a cientista política Daniela Rezende, do Núcleo Interdisciplinar de Estudos de Gênero da Universidade Federal de Viçosa (UFV), em Minas.
“Esse reconhecimento da importância das mulheres, entretanto, ainda não avançou, já que na maioria das legendas ainda prevalece a noção equivocada de que mulher é ‘ruim de voto'”, segue ela, acrescentando que a solução para o gargalo passa por mudar o comportamento das instituições.
Dos 13 candidatos na eleição brasileira de 2018, duas foram mulheres: Marina Silva (Rede) e Vera Lúcia (PSTU). Fechadas as urnas, as postulantes figuraram, respetivamente, no 8º e no 11º lugar. Entre os 11 homens, cinco escolheram vices do gênero oposto —um recorde.
Haddad, que foi derrotado por Bolsonaro no segundo turno, teve como companheira de chapa Manuela D’Ávila (PC do B), que abriu mão da candidatura própria para formar a aliança na época.
À Folha Marina diz que é preciso esperar o amadurecimento dos debates sobre 2022. “No Brasil, temos mulheres com muitas capacidades e possibilidades. Infelizmente, as eleições para as prefeituras nas capitais não trouxeram um avanço, mas isso não é uma realidade estática.”
A ex-senadora e líder da Rede, que em 2018 foi engolida pelos adversários e obteve 1% dos votos, desconversa sobre a possibilidade de se candidatar novamente, embora se declare disponível para um arranjo partidário de oposição.
“Meu plano é sempre contribuir, para que a gente possa ajudar o Brasil a sair dessa situação terrível em que nos encontramos. Se a gente tiver uma boa proposta, a gente pode juntar as melhores pessoas e verificar, entre elas, quem tem as possibilidades de derrotar o Bolsonaro.”
Para Vera Lúcia, que cogita uma nova candidatura, o problema está longe de ser escassez de liderança feminina, já que mulheres estão à frente de grandes movimentos e causas. A exclusão, segundo ela, é reflexo direto do machismo nas instituições, inclusive partidos.
“A concorrência em 2018 não se deu em pé de igualdade nem na condição de gênero nem na de classe social. Pela primeira vez, uma mulher, nordestina, negra e pobre, com um programa socialista, concorreu à Presidência e, mesmo assim, poucos brasileiros me conhecem e menos ainda o programa do PSTU”, diz.
Crítica do capitalismo, a ex-presidenciável acredita que a lógica de ganho eleitoral está no centro da busca da maioria das legendas por candidatas. O peso delas nas chapas “tem mais a ver com a quantidade de votos e de dinheiro que elas podem aportar”, opina.
Na avaliação da cientista política Debora Gershon, a predominância de homens nas opções para presidente da República é, em última análise, fruto das barreiras históricas para a população feminina.
“Há uma enorme quantidade de representantes preparadas para assumirem posições de comando no Legislativo e no Executivo, a despeito do fato de que a formação política não tem sido prioridade para boa parte das legendas tradicionais”, afirma.
Segundo a acadêmica, que é pesquisadora do OLB (Observatório Legislativo Brasileiro), as mulheres representam cerca de 45% dos filiados a partidos no país, embora ocupem pouco mais de 20% dos cargos de direção nas siglas. “A desigualdade de gênero precisa ser seriamente enfrentada”, diz.
Ainda de acordo com Debora, a perpetuação das candidaturas laranjas femininas é sintoma de que cota e distribuição proporcional de recursos, embora sejam ações importantes, não resolvem sozinhas o problema. “O fundamental é mudança de cultura partidária e fiscalização.”
Folhapress