Foto: Waldemir Barreto/Arquivo/Agência Senado
Plenário do Senado 19 de julho de 2021 | 08:28

Para juristas, voto é chance de Senado retomar prerrogativa e escolha não garante atuação futura

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A indicação de André Mendonça para a vaga no Supremo Tribunal Federal (STF) é mais uma oportunidade para que o Senado recupere sua prerrogativa de julgar o postulante em vez de meramente homologar o nome indicado pelo presidente da República. Essa é a opinião de Floriano de Azevedo Marques, diretor da Faculdade de Direito do Largo São Francisco da USP.

“O Senado, ao longo do tempo, foi renunciando da sua prerrogativa de fazer esse julgamento e virou um órgão de mera carimbagem e ratificação do presidente. O que vai contra o sistema constitucional, porque, se fosse só homologar a indicação do presidente, não faria sentido ter sabatina, por exemplo.”

Para Azevedo Marques, Mendonça tem conhecimento jurídico incontroverso. “Não me parece que tenha uma reputação discutível, nunca vi qualquer denúncia de improbidade, de corrupção.” Do ponto de vista constitucional, segundo ele, o advogado-geral da União preenche os requisitos para a indicação, “mas teve no seu histórico jurídico, principalmente no último período como autoridade pública, posturas e aderiu a teses que podem não corresponder àquelas que o Senado entenda como mais adequadas para estarem representadas no Supremo”.

Azevedo Marques disse que o STF é a instância dos poderes que decide “para a guarda e tutela da Constituição”. “Eu diria que o Supremo, e mais ainda nesse momento, é o fiador da estabilidade do regime do estado democrático de direito. E é um arranjo interessante, porque o Supremo não tem armas, mas, sem estar armado, ele dá a última palavra.”

Para o professor de Direito Constitucional e membro da Academia Brasileira de Letras Joaquim Falcão, nenhum processo, em nenhum país, garante a atuação futura do ministro. “Sobretudo no nosso atual Supremo conflituado. O Supremo precisa antes se apaziguar.” Segundo ele, as cortes supremas não são independentes em lugar nenhum. Elas são controláveis “pelo sentimento de justiça do povo, como alerta o juiz da Suprema Corte dos EUA Stephen Breyer, e pelos mecanismos de controle, como processo por crimes de responsabilidade e outros meios institucionais”.

Para Falcão, a ideia de um STF absoluto e arbitrário é antidemocrática. “Hoje em dia, o Supremo precisa ser independente não do Legislativo e do Executivo, mas de suas próprias ambições que retiram progressivamente sua legitimidade.” A questão seria, portanto, o quanto Mendonça poderia agravar ou não essa tendência, avaliou.

Outro ponto questionado pelos analistas é o fato de Mendonça ser apresentado como um ministro “terrivelmente evangélico”. “A designação de um ministro ‘terrivelmente evangélico’ só fez a indicação de que esse ministro vai estar na Corte Suprema do País falando em nome deste grupo, quando, na verdade, ele tem que falar em nome do conjunto da sociedade brasileira”, afirmou o cientista político e professor da Universidade de São Paulo José Álvaro Moisés.

O cientista político e professor do Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP), da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), Fernando Fontainha, lembrou, no entanto, o que considera ser uma característica das indicações ao STF feitas por Bolsonaro: a trajetória acadêmica “leve”, sem obras de repercussão escritas pelos indicados. “A indicação também tem semelhanças com a de outros ministros nos governos do PT, como Dias Toffoli, que não tinha, à época, pós-graduação.”

Ele lembrou que Fernando Henrique Cardoso nomeou Nelson Jobim e Gilmar Mendes, que antes compuseram o gabinete de governo. “Essa é uma tradição forte na indicação de presidentes da República. Mendonça é advogado-geral da União, um órgão diretamente ligado à Presidência da República. Bolsonaro não está reinventando a roda.”

Para Fontainha, apesar de tudo, Mendonça não deve ter dificuldade para ser referendado pelo Senado. “Alguma barganha está em jogo.” Para ele, é necessário verificar como estão em curso os acordos do governo Bolsonaro com o Centrão. “Eu interpreto o levantamento de objeções na sabatina, sobretudo quando acontece em um momento anterior à sabatina, como um chamado à composição e para observar a disposição do governo Bolsonaro em ceder. Está em jogo o quanto Bolsonaro quer fazer Mendonça ministro. O quanto o Bolsonaro não quer sair dessa disputa desmoralizado por ter indicado um nome e esse nome ser eventualmente recusado.”

Cassia Miranda e Mattheus Cavalcanti/Estadão Conteúdo
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