23 novembro 2024
Os oposicionistas que maldisseram a CPI da Covid, alegando que não cumpriria papel de relevância no enfrentamento ao governo Jair Bolsonaro (sem partido), devem hoje estar a se maldizer a não querer mais. Exatamente porque, dando curso a análises e conclusões que os depoimentos até agora permitiram, o colegiado está promovendo mais revelações do que o esperado pelo governo e seus apoiadores, construindo, para quem quer ver e ouvir, uma aterradora percepção sobre o nível de irresponsabilidade com que as autoridades nacionais atuaram, ou não atuaram, na gestão da pandemia do século no Brasil.
O momento mais impactante das investigações até agora foi a descoberta de que o governo rejeitou, seguidas e repetidas vezes, a vacina considerada mais eficiente para controlar a doença para, por meio de agentes públicos que passaram a ver nas compras uma forma para ganhar dinheiro ilícito fácil, tentar adquirir um imunizante indiano sem maiores referências de eficácia através de empresas que em tese se prestariam ao papel de intermediar os negócios por modos e maneiras que até agora, infelizmente, os senadores não conseguiram efetivamente desvendar.
Antes de trabalharem em cima da suspeita de que se armara um esquemão para adquirir as vacinas de um fabricante obscuro do qual não se sabe sequer se possui regras de compliance, os senadores foram ligando os pontos das informações fornecidas pelos depoentes e construindo sua percepção de que o governo gostaria de ter relegado para um qualquer último plano a obrigação de investir na imunização da população brasileira até o momento em que um grupo cujas ligações com o núcleo dirigente ainda não estão claras perceber que surgia no horizonte uma oportunidade ímpar de faturar gordas comissões com a aquisição dos imunizantes.
De todas as revelações surgidas até agora no colegiado, a mais recente, no entanto, que apontou para o fato de um texto produzido por um servidor do Tribunal de Contas da União ter sido forjado para sustentar a tese estapafúrdia de que havia um superdimensionamento deliberado de registros de mortes por Covid 19, supostamente com o objetivo de de aterrorizar a população e sustentar a defesa dos protocolos de proteção contra o coronavírus, é o que mais tem causado espanto, dada a primariedade da montagem que sustentou a alegação por meses e o grau de criminalidade que, intencionalmente, representou.
Ouvir, na própria CPI, de um simples funcionário do TCU, como um documento foi produzido por ele, sem a menor pretensão científica, encaminhado ao seu pai, um militar amigo do presidente da República, e repassado a este até servir de elemento para contestar a gravidade de uma doença que caminha para matar mais de 600 mil pessoas no país até o fim do ano, sem que o país se levante em explosiva revolta, é algo verdadeiramente assustador. Mas não cabe desesperança. Quem sabe um dia o Brasil também se torne um país onde homens se submetem às leis e não, de boa vontade, a outros homens.
* Artigo do editor Raul Monteiro publicado na edição de hoje da Tribuna.
Política Livre