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O reverendo Amilton Gomes de Paula, presidente da Secretaria Nacional de Assuntos Humanitários (Senah) 01 de agosto de 2021 | 08:20

Alvo de CPI negociou vacinas ao Brasil com escritório e policial aposentado nos EUA

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Alvo da CPI da Covid no Senado, uma ONG autorizada pelo Ministério da Saúde a negociar a compra de vacinas para o Brasil buscou doses com uma empresa nos Estados Unidos gerenciada por um policial aposentado que chegou a ser afastado das ruas por suspeita de corrupção.

A sede da empresa, que foi aberta há seis meses e não comprovou ter meios de disponibilizar os imunizantes, é registrada no endereço dos fundos de um escritório de advocacia especializado em pequenas causas indenizatórias, localizado no Queens, em Nova York.

A reportagem esteve no local na semana passada e foi informada pelo sócio do escritório, Darmin Bachu, que a empresa que supostamente vende vacinas funcionaria em outro lugar, a poucos quilômetros dali. Nesse novo endereço fica um cinema de bairro, também gerenciado pelo policial aposentado.

Trocas de mensagens obtidas pela reportagem apontam que, em nome do governo brasileiro, a ONG Senah (Secretaria Nacional de Assuntos Humanitários), uma entidade privada, discutiu com a empresa americana a possibilidade de compra de vacinas da Pfizer e da AstraZeneca, além de luvas e seringas. A AstraZeneca nega que negocie venda para empresas privadas.

Criada em janeiro deste ano, a firma novaiorquina ganhou o nome de International Covid Solutions Corp e, segundo registros nos EUA, é presidida por Charles Ramesar e gerenciada pelo policial aposentado de Nova York Rudranauth Toolasprashad, conhecido como Rudy.

Já a Senah é comandada pelo reverendo Amilton Gomes de Paula, que foi convocado a depor na CPI da Covid e deve comparecer ao Senado na terça (3).

A ONG entrou no radar da comissão após outras negociações virem à tona. Com autorização do Ministério da Saúde, a Senah discutiu, por exemplo, a compra de 400 milhões de doses da vacina da AstraZeneca por meio da empresa Davati Medical Supply, também localizada nos EUA.

A chancela do governo para as negociações foi concedida por Laurício Monteiro Cruz, então diretor de Imunização do Ministério da Saúde, que acabou exonerado depois que o caso foi revelado.

O policial militar e vendedor de vacinas Luiz Paulo Dominghetti Pereira disse no início de julho que Roberto Ferreira Dias, então diretor de Logística do Ministério da Saúde, pediu propina para que a Davati fechasse o contrato com o governo brasileiro. Dias foi exonerado e nega as suspeitas.

Já a negociação da ONG com a International Covid Solutions Corp aconteceu em paralelo à feita com a Davati. Os representantes da Senah tratavam sobre a venda de vacinas com o gerente da empresa, Rudy, desde o início do ano.

Em um comunicado de fevereiro, Rudy diz à Senah que iria providenciar ao Brasil 4 milhões de doses do imunizante da AstraZeneca, 4 milhões de luvas e 4 milhões de agulhas e seringas para “agências governamentais e companhias privadas”.

No entanto, Rudy pede uma carta de comprovação, assinada pelo governo e empresas, com o compromisso de aquisição dessas vacinas, o que não aconteceu.

Em outro comunicado, de maio, a Senah afirma que iria se reunir com o governo brasileiro e que havia interesse oficial na compra dos imunizantes, mas acrescenta que seriam necessárias provas documentais da existência dessas doses, o que também não foi providenciado por Rudy.

Procurados, integrantes da ONG e da empresa nos EUA dizem que essas negociações não prosperaram e sinalizam desconfiança uns dos outros.

Segundo a imprensa americana, Rudy, que tem origem guianense, foi investigado num escândalo de suspeita de recebimento de propina no início dos anos 2000, mas acabou não sendo processado.

Reportagem do The New York Times afirma que, enquanto era investigado, ele teve que entregar a arma e o distintivo e passar a fazer trabalhos administrativos.

De policial, passou a gerente de cinema e da International Covid Solutions Corp, cujo endereço —o mesmo dos fundos do escritório de advocacia— é registrado em uma movimentada avenida do bairro Jamaica, no Queens, repleto de comércio e numerosa população de imigrantes.

Mas antes de conseguir identificar a casa, com numeração quase apagada em uma caixa de correio enferrujada, o visitante pode ler o anúncio: “Acidente? Ferido? Entre agora! Vamos conseguir o máximo de dinheiro para seus ferimentos”.

Na tarde de segunda-feira (26), a reportagem esteve no local e visitou o escritório de advocacia Bachu & Associates. Um funcionário explicou que, entre as salas apertadas, existem outras empresas —”talvez umas três ou quatro”— mas não sabia nada sobre a venda de imunizantes. “Estou sempre no telefone, bastante ocupado e, com a pandemia, tem muita gente trabalhando remoto”, afirmou.

Ele disse que havia ouvido falar em Rudy, mas não conhecia Charles Ramesar, e passaria o contato da reportagem para o chefe do escritório.

Além da empresa envolvida na negociação de vacinas com a Senah, o escritório de advocacia também é endereço de outra firma criada por Charles Ramesar, a Covid 19 Rapid Teste Nyc Inc., registrada 12 dias antes da criação da International Covid Solutions Corp.

Durante dois dias, a reportagem telefonou diversas vezes e visitou os endereços comerciais e residenciais registrados em nome dos supostos sócios da International Covid Solutions Corp, mas não os encontrou.

Por telefone, o advogado Darmin Bachu disse que representava a empresa e que seus clientes só falariam através dele. Bachu afirmou que, na verdade, a firma funcionava a menos de 3 km de seu escritório, minimizando as múltiplas e sobrepostas localidades e o fato de não haver nenhuma prova de existência da empresa e de seu acesso às vacinas para comercialização.

No novo endereço fornecido por Bachu, os anúncios estampavam entretenimento: “Velozes e Furiosos”, “Space Jam” e “Viúva Negra” eram alguns dos filmes em cartaz no decadente cinema onde, segundo o advogado, a International Covid Solutions Corp fica localizada.

Na terça (27), um homem disse que era o gerente do cinema naquele dia, mas confirmou que o negócio é, geralmente, comandado por Rudy.

“Só que ele não está aqui hoje, não sei quando volta e, se você quiser falar com ele, é melhor ligar para Darmin Bachu, advogado dele.”

Bachu disse ainda que a empresa negociou também com outros governos da América do Sul e que, no caso do Brasil, representantes da International Covid Solutions Corp estiveram no país para tentar fechar negócio com o governo brasileiro, mas as tratativas não deram certo e seus clientes “sentiram como se estivessem perdendo tempo”.

“[Eles] se encontraram com pessoas que alegavam ter contato com o governo brasileiro, mas nunca se encontraram com um funcionário do governo diretamente”, diz Bachu.

O advogado afirma que seus clientes têm acesso a fornecedores da Pfizer e da AstraZeneca para a obtenção de vacinas, mas que não pode divulgar os nomes com quem seus clientes negociam o acesso e a venda dos imunizantes.

Nas trocas de mensagens obtidas pela reportagem, a Senah também tenta negociar com a International Covid Solutions Corp a aquisição de vacinas contra o H1N1 para o governo dos Emirados Árabes Unidos.

No texto enviado por um “agente humanitário” da ONG, o interlocutor argumenta que os imunizantes contra o H1N1 seriam usados para a “imunização da população dos Emirados Árabes Unidos, por conta da Copa do Mundo de 2022, que será realizada no Catar”.

Procurados, representantes da Senah não se manifestaram.

Dominghetti, que negociou supostos imunizantes da Davati com o governo, afirma que não fez negociações com Rudy Toolasprashad, mas acrescenta que “a Senah tinha esse contato e conversas com ele”.

“Sei que ele [Rudy] tinha oferecido vacinas à Senah, segundo o reverendo [Amilton]. Mas não participei de nenhuma tratativa”, disse Dominghetti. A Davati, em nota, afirma que não conhece Rudy ou a International Covid Solutions Corp.

ADVOGADO DIZ QUE EMPRESA TRABALHOU COM INTERMEDIÁRIOS NO BRASIL, CHILE E PARAGUAI

Darmin Bachu se apresenta como advogado da International Covid Solutions Corp. e diz que a empresa tentou negociar vacinas com o governo brasileiro, via intermediários, mas não conseguiu fechar negócio.

O fundo do escritório de Bachu, no distrito do Queens, em Nova York, serve também como endereço de registro da firma em nome de Charles Ramesar e gerência de Rudy Toolasprashad, que, segundo o advogado, seriam responsáveis pela comercialização de imunizantes e outros produtos.

À reportagem Bachu afirma que Ramesar e Rudy têm acesso a fornecedores de imunizantes da Pfizer e da AstraZeneca e trabalham com intermediários para vendê-los a governos de países da América do Sul. Acrescenta, porém, que, por questões de confidencialidade, não pode divulgar os dados desses terceiros, com quem seus clientes negociariam o acesso e a venda das vacinas.

Bachu disse ainda que Ramesar e Rudy não atenderiam diretamente a reportagem, mas falariam através dele e se comprometeu com uma segunda conversa, um dia após a entrevista, para dar outras informações que disse ter buscado junto aos clientes.

Por que a International Covid Solutions Corp está registrada no endereço do seu escritório de advocacia?

Meu escritório abre e representa muitas empresas e essa é uma de nossos clientes, por isso é baseada aqui.

Então o Charles Ramesar e o Rudy…

São todos membros da empresa, e eu sou o advogado da empresa.

Em qual endereço fica a empresa, de fato?

7266 Main Street, no Queens. [Após ir ao local e encontrar um cinema, a reportagem questionou novamente Bachu, que respondeu: “Tem um monte de escritórios no segundo andar. Essas empresas podem ter escritório em qualquer lugar. O escritório serve apenas para mandar e receber correio. Você está tentando encontrar um local onde possa entrar e ver funcionários, mas não é o tipo de negócio aqui. Esse é um negócio que funciona com um laptop e um telefone celular.”].

Como a empresa funciona e com quem seus clientes negociam?

Essa empresa tem tentado vender vacinas para alguns países e tem relacionamento com alguns fornecedores. Tentou obter pedidos de compra de certos governos da América do Sul.

A empresa tentou vender vacinas e outros suprimentos para o governo brasileiro?

Eles [meus clientes] foram a alguns países da América do Sul e se apresentaram, fizeram suas propostas. E, até agora, nenhum desses países realmente assinou contrato.

O sr. sabe com quem eles estavam negociando no Brasil? Era alguém do governo brasileiro?

Eles se encontraram com alguns indivíduos. Mas isso é privado, não tenho liberdade para revelar essa informação. [Na segunda conversa com a reportagem, Bachu disse que seus clientes “se encontraram com pessoas que alegavam ter contato com o governo brasileiro, mas nunca se encontraram com um funcionário do governo” e que quem teria articulado a viagem fora um amigo da dupla, “um brasileiro-americano que mora nos EUA” e de que ele não quis dar o nome].

Temos alguns emails da Senah, uma ONG do Brasil que estaria negociando com seus clientes. O sr. está familiarizado com esse nome?

Posso perguntar ao meu cliente quem é, e volto a falar com você. [Na segunda conversa, Bachu acrescentou: Eles [meus clientes] acham que, quando estiveram no Brasil, podem ter sido apresentados a um grupo chamado Senah. Eles se lembram de Senah, mas não fizeram nenhum negócio diretamente com o Senah. Na verdade, não fizeram nenhum negócio no Brasil, ninguém fez atualizações ou ligou de volta para eles. Tudo o que eles fizeram foi… estavam lá, foram com o que podiam vender, quantidades e preços. Ninguém nunca assinou documentos ou deu documentos para eles [para provar a negociação]. Foi apenas um desperdício de viagem. Eles [meus clientes] sentiram como se estivessem perdendo tempo no Brasil.]

O sr. ou seus clientes conhecem a Davati, empresa com sede no Texas que seria a intermediadora de vendas de vacinas para o Brasil?

Não, eles não conhecem. Meus clientes estavam lidando com muitos intermediários nesses países: Paraguai, Brasil, Chile. Há muitos intermediários que afirmam ter contatos e que podem obter um pedido de compra de governos, mas, novamente, nenhum dos pedidos desses países foi concluído.

Nenhum?

Por algum motivo, há uma hesitação com esses governos para concluir o pedido, porque não sei se eles [governos] têm outra forma de obter as vacinas ou se estão tentando obter um melhor preço, com outra pessoa. Não sei qual é a história, mas meu cliente tem trabalhado diligentemente com um monte de intermediários tentando completar pedidos.

Como a International Covid Solutions Corp tem acesso às vacinas?

Eles têm relacionamentos com intermediários para os fornecedores, intermediários confiáveis que têm acesso à Pfizer e… qual é a outra?

AstraZeneca.

AstraZeneca! Essa é com que eles têm um contato direto com um fornecedor, e eles acreditam que, se conseguirem o pedido, podem atendê-lo. Mas com alguns desses governos, não sabemos por que, há uma hesitação, talvez seja o preço.

O sr. ouviu alguma coisa sobre pedido de propina feito por parte do governo brasileiro?

Não temos informação sobre isso. Basicamente, estivemos apenas dizendo quais são os preços e esperamos que alguém faça um pedido, mas, novamente, não houve nenhuma venda concluída. Não houve nenhum pedido de suborno ou nada parecido.

E quem é o contato dos seus clientes na AstraZeneca?

Isso é confidencial.

A AstraZeneca permite que eles vendam a vacina para outros países, como o Brasil?

É tudo negócio. Se alguém estiver disposto a pagar, eles farão um acordo.

Qual era o acordo com o governo brasileiro, o preço por dose?

Ainda está sendo negociado e, realmente, não tenho liberdade para divulgar essa informação. Quando o negócio for concluído, temos certeza de que poderemos te mostrar o contrato.

Eles ainda estão negociando com o Brasil?

Faz tempo que não recebemos resposta do governo brasileiro, mas estamos em contato com os outros governos.

A empresa é muito nova, foi aberta recentemente, em janeiro…

Eles abriram na verdade para vender máscaras e outros itens relacionados à Covid-19, e conseguiram contatos para obter vacinas através de intermediários que estão fortemente envolvidos com a indústria médica. Então, tentaram fazer uma venda para o governo brasileiro via intermediários, e isso nunca aconteceu, nunca se materializou.

Seus clientes são capazes de conseguir vacinas neste exato momento, se alguém do governo brasileiro estiver querendo comprar?

Sim.

A AstraZeneca permite que eles vendam a vacina para outros países, como o Brasil?

É tudo negócio. Se alguém estiver disposto a pagar, eles farão um acordo.

SAIBA QUEM É QUEM

O que é a Senah (Secretaria Nacional de Assuntos Humanitários)?
Entidade religiosa liderada por um evangélico, o reverendo Amilton Gomes de Paula, a Senah é uma ONG que se apresentava como interlocutora entre o governo Jair Bolsonaro e empresas para a aquisição de vacinas contra a Covid-19 e tinha apoio no Congresso de um diretor do Ministério da Saúde para desempenhar esse papel

A relação do governo Bolsonaro com empresas ou associações intermediárias para a compra de vacinas são hoje um dos principais foco de investigação da CPI da Covid no Senado

O que é a International Covid Solutions Corp?
Empresa aberta há seis meses no Queens, em Nova York, dizia ser capaz de fornecer doses da AstraZeneca e da Pfizer para o Brasil. Tratativas ocorreram com a Senah, mas não prosperaram. Ela é presidida por Charles Ramesar e gerenciada pelo policial aposentado de Nova York Rudranauth Toolasprashad, conhecido como Rudy

Quem é Luiz Paulo Dominghetti Pereira?
Dominghetti é um policial militar de Minas Gerais que atuava como representante da empresa Davati Medical Supply. Ele disse em entrevista à Folha que, em 25 de fevereiro, o então diretor de Logística do Ministério da Saúde, Roberto Ferreira Dias, pediu a ele propina de US$ 1 por dose em troca de fechar contrato com o Ministério da Saúde. Dias, que foi exonerado do cargo horas depois da publicação da entrevista, confirma o encontro, mas nega que tenha havido pedido de propina ao vendedor

Qual a relação da Senah com Dominghetti?
O reverendo também teria sido o responsável por colocar em contato Dominghetti, que buscava negociar as 400 milhões de doses da imunização, com representantes do Ministério da Saúde

O que diz a Davati?
O presidente da Davati, Herman Cardenas, diz que a empresa seria apenas uma facilitadora do negócio entre a fabricante da vacina contra Covid-19 e o governo brasileiro de Jair Bolsonaro, mediante uma comissão que ele não informou o valor. A AstraZeneca nega que negocie venda para empresas privadas. Ele reconhece que não tinha à mão nenhuma das 400 milhões de doses da vacina

Lucas Ragazzi/Marina Dias/José Marques/Folhapress
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